terça-feira, 19 de julho de 2016

O AQUARIO

O AQUARIO

Samuel Castiel Jr.








A ingratidão pode ser visceral” (Samuel Castiel Jr)

  Peixes ornamentais multicoloridos, espelhados, dourados ou com listras pretas, nadadeiras diáfanas ou transparentes, cabeças vermelhas ou longas barbatanas , todos extravagantes e com nomes curiosos como Beta, Véu-de-noiva ( Kinguios Goldfish) Labius, Symphysoson discus, Colisa Lalia, Carassius Auratus, Danio Rerio, etc., todos nadando naquele aquario que reproduzia um perfeito arrecife com algas, pedras e plantas aquáticas. A luz artificial refletia num grande espelho aquelas criaturinhas nadando elegantemente. E como mágica, essa visão silente sempre me trouxe a paz de espírito, relaxando meu corpo e acalmando minh'alma.
   Construi um aquario grande em uma parede vazada no meu próprio quarto de dormir, de tal forma que quando acordava, minha primeira visão era aquele balé dos peixinhos dourados e coloridos. Uma paz interior me invadia e aquilo era uma sensação agradável que me confortava para iniciar bem minhas atividades do dia-a-dia.
   Nunca fui muito chegado a pescarias, mas no verão, quando os rios secam, as águas ficam baixas e os cardumes de peixes ficam mais abundantes, aceitei o convite para uma pescaria no rio jatuaraninha, onde os peixes estariam em abundância. Depois de algumas horas tentando pegar algum peixe incauto, meu companheiro de pesca conseguiu fisgar um Acará Regional. O peixe veio aos saltos, debatendo-se preso no anzol, num desespero de quem luta pela vida, com pavor da morte. Imaginei-me imediatamente sendo aquele peixe e um frio percorreu a minha coluna vertebral. Meu parceiro de pesca comemorou sua proeza de fisgar um Acará Regional. Realmente, para quem, depois de três horas, perdera todas as iscas e vários anzóis presos nas galheiras, era um feito digno de comemoração. Menos para o pobre do Acará Regional. Depois de retirado o anzol de sua boca, o peixe foi jogado no assoalho da canoa e ficou lá se debatendo agora pela falta de oxigênio. Uma ideia me ocorreu, de levar o peixe para o meu aquario. Mas como salvá-lo fora da água. Para isso combinamos de colocar um pouco de água no fundo da canoa e, então, inclinávamos a canoa para o lado que o peixe se encontrava, fazendo com que se mantivesse oxigenado. Mais tarde, já em terra firme, colocamos o Acará dentro de um balde com bastante água, para que suportasse a viagem até meu aquario. Ao chegar em casa corri para depositá-lo no aquario, junto aos outros peixinhos. Mas o Acará Regional estava quase inerte, parado, e com os olhos vidrados, opacos, sugerindo morte iminente. Ficou assim por algumas horas e, aos poucos foi começando a recobrar suas forças. No dia seguinte estava nadando e cheio de energia, para minha alegria. Tinha salvo a vida daquele peixinho, que fora fisgado pelo anzol e passado por maus pedaços com a falta de oxigêno. Mas felizmente ele estava salvo e graças a mim que poupei sua vida, livrando-o da frigideira. Mas para minha surpresa, o Acará começou a ficar hostil com os demais peixes do aquario, fustigando-os com tentativas de mordidas e perseguições em alta velocidade. Os demais peixes fugiam espavoridos. Acabou-se a paz do meu aquario –pensei! Alguns dias depois os peixinhos menores tipo Paulistinhas, Neóns, Collidora, Bandeira, Acará disco, etc sumiram do aquario, devorados pelo Acará Regional. O biólogo que chamei incriminou o novato por ter devorado tais peixinhos.
--O senhor não pode deixar esse peixe aí, pois ele é predador e quando está com fome não respeita os demais, principalmente se forem pequenos.
Mas aquele peixe significava muito para mim, pois eu o salvara, dando-lhe a oportunidade de outra vida. Com o passar dos dias, quando eu me aproximava do aquario para alimentar os peixes, lá estava ele, maior que todos, devorando a ração dos demais, com manobras ameaçadoras. Seus olhos me encaravam com uma expressão recriminadora. Levantava suas nadadeiras dorsais, em atitude de desafio e ataque. Chegava a chocar-se com o vidro do aquario na tentativa de me alcançar. Fiquei alguns dias a interpretar a atitude agressiva daquele peixe para comigo. Porque agia daquela forma? Senti que esse mau humor era só comigo, pois quando outras pessoas se aproximavam do aquario, nada disso acontecia. Ele continuava a nadar normalmente e o seu olhar não era hostil nem ameaçador como acontecia comigo. A atitude daquele peixe começou a me incomodar. Porque seria? Eu que o salvei, eu que insistia em deixá-lo no aquario mesmo devorando e incomodando os demais peixes.
  Naquele sábado, acordei-me como sempre e fiquei com os olhos fixos no aquario. O Acará Regional nadava lentamente, as vezes ficava parado e se escondia na madeira de um adorno que ficava submersa no fundo do aquario. Levantei-me e aproximei-me do aquario. Foi então que o Acará Regional quase saltou para fora, levantou os espinhos de sua nadadeira dorsal e ficou em atitude agressiva, de ataque. Aproximei-me ainda mais, mas em vez de jogar ração na água como sempre fazia, mergulhei minha própria mão. Imediatamente o peixe atracou-se com meu dedo indicador, mordendo-o a ponto de sangrar. Um filete de sangue escorreu e misturou-se com as águas do aquario. Num reflexo, puxei minha mão e o Acará Regional veio junto, agarrado e mordendo meu dedo. Sacudindo a mão, atirei-o ao solo. Peguei um balde, coloquei-o dentro com um pouco de água. Lembrei-me de um velho amigo que também era aquarista e criava espécies exóticas, inclusive de peixes predadores carnívoros e canibais. Quando me dei conta estava na casa desse amigo.
--Maciel, quero que me faça um grande favor.
--Pois não amigão! Em que posso ajudá-lo?
--Trouxe um peixe pra você colocar junto com o seu Oscar Tigre. É um Acará Regional.
--Sam, você sabe o que vai acontecer, não é?
--Perfeitamente. Quero ver esse desfecho!
  O peixe Ocar Tigre tem o nome científico de Astronotus ocellatus, também chamado de Apaiari. Sao peixes vorazes e alimentam-se de peixes pequenos e carne crua. Os peixinhos menores são engolidos de uma só vez!
  Quando o Maciel jogou o meu Acará Regional dentro do seu aquario, o peixe Oscar imediatamente partiu para o ataque, pois ele tem como característica ser um territorialista por excelência. O Acará Regional ainda tentou levantar suas nadadeiras de espinhos mas o Oscar Tigre foi mais rápido e abocanhou parte do corpo do Acará Regional, deixando a mostra suas vísceras e espinhas centrais. Outros ataques foram suficientes para que o Acará Regional fosse para o fundo do aquario. Aproximei-me então do aquario e olhei fixo nos olhos do meu peixe que ainda me fitava com um olhar fulminante, de ódio. Ainda tentou levantar seus espinhos da nadadeira dorsal, mas estas já não mais respondiam a seus comandos. Antes de me despedir, o Maciel chamou-me e perguntou por que tinha trazido aquele peixe para ser devorado pelo seu Oscar.
--Achei que ele não gostava de mim!…
E fui-me embora.

O Maciel balançando a cabeça, ficou rindo como se tivesse entendido a minha vingança...

PVH-RO., 19/07/16

quinta-feira, 7 de julho de 2016

A PESCARIA

A PESCARIA


Samuel Castiel Jr.


















" Nunca se deve cutucar onça ( ou cobra ) com vara curta."




                                  As águas frias e  límpidas,  como um espelho, refletiam  as  nuvens  do céu e as  frondosas arvores da mata verde. O   barco   rasgava    essa    superfície    quebrando    o    silêncio daquelas paragens. Seus  companheiros  eram:  o  único  filho  José de 12 anos, sua mulher Jussara e o cachorro Malboro. O destino era a cabeceira do Rio Preto, onde  pretendiam  pescar  principalmente a Jatuarana e o Surubim, peixes nobres da região.    Esse    era       o “hoby”  de Arthur nos finais de semana há muitos anos.Ficavam ali acampados, dormindo em barracas de lona. A noite deleitavam-se com o céu estrelado e a lua  prateada.   O   silêncio   da   mata      só era quebrado pelo grito de macacos e pássaros noturnos.        Muito longe, as vezes,  conseguiam ouvir o esturro de uma onça pintada.   A    pescaria    geralmente   era    mais proveitosa no final da tarde e início da noite, ou então ao raiar do dia, quando os peixes estão mais vorazes. O barco de Arthur era um Mercury, de 40 HP.      Um pequeno toldo com estampa de listras os protegia do sol inclemente do verão.
              Ao passar por uma curva do rio, todos foram surpreendidos por um forte estrondo e, na sequência, o barco foi perdendo velocidade até parar. Imediatamente Arthur coreu até o motor, desligando-o e constatou que sua hélice havia se quebrado ao chocar-se com uma tábua de madeira que flutuava nas águas.
---Fiquem todos calmos, não foi nada de grave – falou Arthur. A hélice do motor se quebrou ao chocar-se com uma tábua que flutuava e eu não a vi. Vamos ter que descer um pouco a favor da correnteza para que eu troque essa hélice. Ainda bem que tenho outra de reserva.
                        O barco começou a descer levado pela correnteza até que Arthur conseguiu jogar a corda e prendê-lo ao galho de uma arvore à margem do rio. Enquanto Arthur trabalhava na hélice do motor, ao longo do rio passava uma cobra d'agua nadando sinuosamente na superfície das águas, levada pela correnteza. Era uma visão interessante e curiosa, pois a cobra, como o barco quando em movimento, também quebrava aquela superfície lisa das águas, produzindo minúsculas ondas. Todos no barco estavam com os olhos voltados para a cobra que, tranquila e ecologicamente, passava. Foi quando o menino José resolveu pegar sua baladeira (estilingue), juntou algumas pedras e começou a atirá-las na cobra que passava. Arthur e sua mãe o repreenderam, mas ele continuou a fustigar a cobra com as pedras de sua baladeira. Uma dessas pedras acertou em cheio a cobra que afundou e não mais foi vista na superfície da água. O menino José comemorou gritando que conseguira acertar seu alvo. Correu em direção a sua mãe e a seu pai e, de mãos espalmadas, bateu e deu soco como um vitorioso!                               Feito o reparo da hélice, Arthur desatracou o barco, ligou o motor,e logo estavam novamente navegando em alta velocidade nas águas do Rio Preto.
                         De repente algo aconteceu: um barulho e um chiado de cobra chamou a atenção de todos no barco. Ao olhar para a traseira do barco, no assoalho e próximo ao motor, ninguém acreditou no que viu. A mesma cobra que passava a pouco tranquilamente nadando, encontrava-se agora dentro do barco, com aspecto ameaçador, chiando e pronta para dar o bote em quem dela se aproximasse. Arthur sempre foi muito precavido e nunca deixara de usar e obrigar seus passageiros a usar os coletes salva-vidas. Foi o que os salvou. Assustados, em pânico e com pouco espaço para correr, não tiveram nem tempo para raciocinar. Atiraram-se n'água, tentando se salvar da picada da maldita cobra. Ninguém soube explicar o que aconteceu. Como aquela cobra foi parar dentro do barco depois que foi atingida pela pedra da baladeira do menino José. Nadaram todos para a margem do rio, sob o comando de Arthur. Outro mistério que não conseguiram decifrar é que quando o Arthur voltou ao barco, agora armado com um pedaço de pau para matar a cobra, lá não havia nenhuma cobra, nenhum sinal da serpente. Antes de retomar a viagem, Arthur todo molhado e com cara de poucos amigos foi até ao José e, com a mão espalmada disse: bate campeão! Sua pontaria foi quase fatal! O menino José baixou a cabeça. Nenhum dos três disse mais nada até o destino final da pescaria.

PVH-RO., 07/07/16