quarta-feira, 27 de novembro de 2013

FIM DE SEMANA NUBLADO

Samuel Castiel Jr.

 








           Ele tinha dupla nacionalidade, do Brasil e da Bolívia. Estava de férias e voltava de La Paz. Como funcionário da antiga Mesa de Renda, hoje Receita Federal, Jorge ganhava muito bem mas era perdulário. Gostava de beber whisky importado, só se vestia com roupas de marcas; também gostava de cantar e divertir-se com lindas mulheres. No Brasil, quase todas as férias estava no Rio de Janeiro, frequentava Búzios e hospedava-se em hotéis cinco estrelas de Ipanema. Nessas últimas férias programou ir até La Paz, onde reviu velhos amigos  bolivianos  de infância e também matou a saudade de lindas bolivianitas. Estava de volta das férias,  passando pelo Rio antes de voltar a Porto Velho, cidade onde trabalhava e que adotara como sua. Tinha passado dias fantásticos no Rio, onde curtiu as praias, foi ao Maracanã e sambou também na quadra da Mangueira, num ensaio da escola. Estava com sua passagem marcada para sábado daquela semana porém, como ainda faltava uma semana para acabar suas férias, resolveu que ficaria mais uns dias no Rio. Foi a uma agência da companhia aérea para transferir sua passagem e foi lá que aconteceu o que não deveria ter acontecido. Encontrou dois amigos bolivianos, Dom Jayme e Locadio, que também estavam indo para Porto  Velho aventurar-se na extração de ouro nos afluentes do Madeira. Conseguiram convencer Jorge a juntar-se a eles e ficar mais aquele final de semana na cidade maravilhosa. Já estavam com um Jaguar emprestado de um amigo também boliviano, que se dera bem e era muito rico aqui no Brasil.
---Venha conosco Jorgito! Dizia Dom Jayme. Vamos até São Conrado e depois esticamos até La Barra. Beberemos  bons Whiskys, champagne Chandon e veremos mulheres, muchas mulheres, muchas muchachas brasileritas, que são mui belas e formosas!...
         Jorgito não resistiu. Juntou-se a dupla de bolivianos e lá se foram os três para uma farra sem limite, como costumava dizer Dom Jayme.
         Já deslizando no asfalto, confortavelmente instalado no banco traseiro e macio do Jaguar, Jorgito ia se deliciando com a linda paisagem da cidade maravilhosa, formada por gigantescas rochas, encarpadas no relevo da cidade, misturadas aquela invasão urbana, poluída com fumaça e um frenético trânsito. Entraram e saíram de vários túneis, porém, na saída de um deles, aconteceu um imprevisto: uma Blitz!
            Jorge nem tinha se dado conta quando o Jaguar, por sinalização do guarda, foi obrigado a parar no meio-fio.
---Que passa señor? – perguntou Dom Jayme.
---Os documentos do carro e a sua habilitação, por favor ---disse educadamente o agente da Polícia Rodoviária Federal.
            Dom Jayme olhou espantado, como se pedisse socorro, primeiro para Leocádio e depois para o Jorge:
---Explico bondoso señor: lo veículo no es mio e si de uno amigo e sus  documentos  se han quedado em su domínio. Jorgito mi amigo, tu que ablas mejor la língua portuguesa, explica tudo a esto bondoso señor.
            Jorge resolve sair do carro e tenta explicar o inexplicável:
---É o seguinte, seu Guarda: o Jaguar é de um amigo e seus documentos ficaram com ele, ou seja, não estão no carro. Quanto a habilitação, acontece o seguinte: meus amigos bolivianos não tem carteira, porém dirigem muito bem e a muito tempo! Eu tenho a minha CNH totalmente legalizada, porém não sei dirigir....
            O policial desconfiado  e percebendo a presepada, pediu que os outros dois também saíssem do carro e determinou que todos fizessem o teste do bafômetro. Como tinham almoçado e se deliciado com vinho português, o teste foi positivo para todos eles. O agente da Policia Rodoviária Federal solicitou pelo radio o reboque e prendeu os três amigos em flagrante delito, enquadrando-os por dirigir embriagados( Lei Seca ) e sem documentos de porte obrigatório.
             O Jaguar foi preso e rebocado,  os três amigos bolivianos foram recolhidos ao xadrez e só não viram o “sol-nascer-quadrado” porque o final de semana foi nublado.

Nota do Autor: Qualquer semelhança com o fato ou qualquer de seus personagens terá sido mera coincidência.

PVH-RO, 27/11/13.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

NO ESCURINHO DO CINEMA

NO ESCURINHO DO CINEMA
Samuel Castiel Jr.

 



A noite todos os gatos (e gatas) são pardos.





            O gongo já tinha soado pela terceira vez. O filme estava prestes a começar. Mas ainda havia algumas pessoas na sua  frente para comprar o ingresso. Foi quando ela passou com outra amiga, apressada para pegar também aquele cineminha.  Marcelão era matreiro para as mulheres. Gostava sempre de ser um dos últimos a entrar no cinema, quando as luzes já estavam se apagando. Arriscou uma piscada de olho, pois aquela morena apressada era  alta, tinha  seios fartos e um bum-bum arrebitado. Pra surpresa do Marcelão, ela correspondeu com outra piscada de olho e um leve sorriso maroto. Tinha chegado a sua vez no guichê e foi preciso a pessoa de trás tocar no seu ombro para chamar sua atenção, pois ele estava vidrado naquela morena que acabara de entrar na sala de projeção. Passou na roleta e entrou quase correndo na mesma porta por onde a morena sumiu por trás das cortinas. Parou. Deu um tempo para que seus cones e bastonetes se adaptassem a penumbra. Foi entrando sem enxergar quase nada. De repente aquela mão agarrou o seu braço e o puxou:
-- Tem um lugar aqui.
            Era a morena, com voz sensual, que correspondeu a sua piscada de olho quando entrava apressada. Não podia ver muitos detalhes, mas o seu perfil era interessante, sua voz grave, sensual. Seu perfume importado, não era cubano. Não largou mais a sua  mão durante todo o filme. Ficaram ali de rostos juntinhos. Chegaram a trocar beijinhos e outras carícias. Marcelão ainda tentou pegar naqueles seios fartos mas ela delicadamente afastou sua mão. Insistiu em outras carícias até mais ousadas porém foi sempre sutilmente desarmado. Lembrava-se apenas que o filme era uma comédia com a Ingrid Guimarães, a qual de vez enquando arrancava gargalhadas coletivas. Mas, na realidade, sua atenção não estava na tela. Quando sentiu que o filme caminhava para o fim, sussurrou ao ouvido da morena que queria o número do seu celular, mas também não obteve êxito, pois ela o tirou dizendo que não tinha nenhum celular, estava apenas de passagem pela cidade, devendo viajar ainda aquela semana, sem saber quando voltaria. Marcelão achou que era um blefe, talvez apenas para se valorizar. O filme acabou felizmente ou felizmente acabou sem que ela aceitasse suas  mãos quase sempre atrevidas. Sabia como eram essas zinhas, se fazendo de difíceis pra depois dar o bote. Quando as luzes do cinema se acenderam, deu um beijinho em seu rosto, saiu apressada com sua amiga e se perderam na multidão.
           Os dias se passaram, o Marcelão continuava intrigado com aquela morena. Chegou a voltar ao mesmo cinema mas nem sinal da morena.  Até que recebeu um telefonema. Era a colega da Brigitte, a moça do escurinho do cinema. Disse-lhe que tinha notícias da Bri e que estava ligando pra transmitir-lhe um recado: a Bri tinha lhe pedido que o procurasse para dizer-lhe que gostara muitíssimo dele, porém não teve a oportunidade de dizê-lo, pois havia viajado logo em seguida. Em outras palavras, estava apaixonada!...Gostaria, se possível fosse, dizer isso pessoalmente a ele algum dia. O Marcelão ficou desconcertado, mas perguntou:
---Pra onde a Bri viajou?
---Ela voltou pra Europa. Mora em Milão já faz mais de dez anos. É o terceiro de cinco filhos, órfãos de pai, e ajuda sua mãe como pode. De vez em quando vem ao Brasil visitar sua mãe.
---Espera um pouco! – disse Marcelão quase gritando. Você se enganou quando falou. Acho que quis dizer que ela é a terceira filha, não é?
---Meu Deus, não tenho autorização para falar desse assunto com você nem com ninguém.
---Agora quero saber tudo! Você tem que falar.
---Ok! Não vou esconder nada de você. A Bri na realidade é um traveco! Mas já está toda siliconisada. Melhor que muitas mulheres por aí. Ela ganha a vida na Europa, recebe em dólar e assim pode ajudar sua família.
          O chão faltou aos pés do Marcelão. Logo ele, que gozava de todos seus amigos que passavam por situações semelhantes. Não queria acreditar no que acontecera. Ficou mudo ao telefone, ao ponto da colega da Bri perguntar do outro lado:
--- Alô! Você tá me ouvindo? Não desligue.
---Ok, pode continuar falando. É que estou chocado! Não é fácil ouvir essa revelação. Estou confuso, pois troquei carinhos com ela, quer dizer, com ele, sei lá!... E os beijinhos?
        Com uma voz conciliadora ela prosseguiu:
---Não seja preconceituoso Marcelão! Nos dias de hoje isso tá ficando muito comum.
---Mas...
-- Não diga mais nada! Se o que eu vou lhe dizer agora vai servir para seu consolo ou fará você se sentir menos desconfortável, não sei, mas  vou  informa-lo em primeira mão: a Bri vai se operar  ainda este ano. Irá submeter-se a uma vaginoplastia ou cirurgia  SRS, ou seja, redesignação sexual. Aí quem sabe você se sinta mais a vontade.
            Ele não disse nada.
            Ela desligou. 




Nota do Autor:  Qualquer semelhança com o fato e os personagens terá sido mera coincidência.
                                                                                                                                         
PVH-RO, 22/11/13

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

LADRÃO DE CARRO

LADRÃO DE CARRO
Samuel Castiel Jr.










“ Todo corpo que cai vai empurrado pela gravidade, mas  nem sempre cai aonde deve!...”
                                (  Issac Newton / Samuel Castiel Jr. )


                 Era um domingo. Devia ser mais ou menos meio dia. As ruas estavam quase desertas em relação ao alvoroço dos outros dias da semana. Estacionei meu carro no meio fio, em frente a casa de meus  pais. Tinha ido visitar meu velho, pois ele se encontrava enfermo. Fazia pouco tempo que tinha chegado quando ouvi um barulho semelhante a uma explosão com vidros se estilhaçando, vindo lá de fora, da rua. Corri pra fora e o que eu  vi foi o vidro do meu carro todo estourado. Um homem branco,  pequeno, louro ou de cabelos pintados, atarracado e forte, que fugia correndo subindo a rua, com a minha bolsa na mão. Imediatamente liguei o meu carro e disparei atrás do ladrão. Sentido-se perseguido, entrou numa galeria de esgoto e livrou-se de mim. Apesar das buscas nas adjacentes ruas desertas  e ensolaradas, não encontrei ninguém. Já desanimado e voltando para casa, eis que avisto de longe aquela figura do arrombador do meu carro. Baixo atarracado e meio alourado, saia da galeria de esgoto por onde entrara, porém pela outra extremidade e por outra rua. Vinha de cabeça baixa, revirando a minha bolsa que furtara de dentro do carro, quebrando o vidro. Não tive dúvidas, era o ladrão! Imediatamente joguei o carro na direção dele, saltei correndo e teve inicio uma perseguição, só que agora a pé e em desabalada carreira. Lembrei-me então de gritar “pega-ladrão” e foi assim que em poucos minutos havia um grupo de pessoas correndo atrás do ladrão, subindo uma discreta ladeira na avenida 7 de setembro. Acontece que o ladrão correndo na frente, de vez em quando e virava e apontava para seus perseguidores com alguma coisa que trazia na mão, fazendo assim com que todos se jogassem ao chão. Na sequência continuava a perseguição, sempre aumentando cada vez mais o numero de perseguidores. Sentindo-se cada vez mais ameaçado, o ladrão escalou rapidamente uma parede, apoiando-se nas calhas e passou assim para o telhado das casas. Nisso para um carro ao meu lado e, vendo aquela aglomeração  com olhares curiosos para o telhado das casas, pergunta-me o que estava acontecendo. Era um amigo de infância e meu compadre. Sem perguntar por maiores detalhes sacou um revolver e rapidamente se juntou aos outros perseguidores. O ladrão correndo pelo telhado continuava ameaçando a todos com o objeto que trazia nas mãos e que todos nós pensávamos fosse um revolver. Só mais tarde eu identifiquei aquele objeto:   era uma chave de roda! Certamente o objeto com que quebrava o vidro dos carros. O meu amigo e compadre chegou a efetuar alguns disparos que passaram longe do alvo. Mais tarde quando o critiquei por sua pífia  pontaria, disse-me que atirara apenas para intimidar o meliante. Correndo e cruzando de telhado em telhado, o ladrão de carro ia passando por cima das casas, tentando desesperadamente escapar do cerco. Acho mesmo que ele já estava arrependido de ter feito aquele roubo.
       Tudo aconteceu muito de repente: o telhado de uma das casas quebrou e afundou, levando junto o ladrão. A família estava reunida almoçando quando o telhado desabou e aquele indivíduo sujo e fedido caiu por cima da mesa, quebrando as louças, derramando a feijoada e outras comidas em todas as direções e em todas as pessoas da família ali reunida. Era um almoço comemorativo de aniversário. Sem nada entender, as pessoas gritavam impropérios e o ladrão já começou a apanhar ali mesmo, em cima da mesa, levando socos e bufetes até cair ao chão quando passou a receber chutes e ponta-pés. Nós chegamos em seguida e pegamos o ladrão que continuou apanhando até a delegacia mais próxima. O policial “Baiano” lavrou o boletim de ocorrência (BO) e colocou o meliante atrás das grades.
     Naquela mesma semana, passando pelo centro da cidade, vi aquela figura aloirada, baixa e atarracada, com um dos braços na tipoia e hematomas no rosto. Estava encostado em uma Hillux estacionada nas proximidades do banco Itaú. Pensei comigo mesmo, a única punição que um ladrão como esse sofre, são  as porradas que as vezes recebe. Já os crimes de políticos e os chamados  do "colarinho branco", nem isso! Prevalece e ficam quase sempre na impunidade. Nesse caso, se não tivesse ocorrido a queda do telhado, ele poderia até ter se dado bem. Porém todo corpo que cai, vai empurrado pela gravidade, mas nem sempre cai aonde deve!...


PVH-RO, 13/11/13