quarta-feira, 26 de março de 2014

E AGORA Sr. XING ?

Samuel Castiel Jr.











        


          Xing Traív Sih Fu sempre foi um chinês nada ortodoxo. Filho de pai chinês e mãe coreana, não conseguiu diplomar-se em nada. Apenas conseguiu com sacrifício terminar o segundo grau. Mas era muito astuto para o comércio, tendo enveredado ainda jovem para o comércio exterior, exportando materiais pirateados, principalmente para os países da America Latina, como Paraguai, Bolívia e Brasil. Vendia de tudo, desde tênis de marcas famosas, perfumes, whiskys, ventiladores, lanternas e uma infinidade de bugigangas e produtos que representavam o sonho de consumo de povos daqueles países. Os preços eram atraentes e, sem fiscalização eficiente nas aduanas de fronteira, esses produtos eram comercializados em grande escala, dando ao Sr. Xing uma grande margem de lucro, o que o tornou rapidamente um empresário forte desse ramo. Rico e com sua empresa de exportação em franca ascenção, o Sr. Xing ao longo de sua vida foi adquirindo gostos refinados. Com sua mansão em bairro nobre de Kuala Lumpur, Malásia, gostava do que era bom. Frequentava os melhores restaurantes da cidade, tomava os melhores chás, fumava os melhores cigarros e charutos do oriente e frequentava as melhores casas noturnas da Capital da Malásia. Casado com Jia-Li, uma ex-gueixa japonesa, que além de “expert” em bons tratos e carícias, era também esgrimista de sabre e “faixa preta” do 5º DAN em jiu-jitse. O Sr. Xing, que costumava  tratar a todos como se seus empregados fossem, respeitava  Jia-Lin como ninguém, incondicionalmente. Bastava que ela lhe desse um olhar pela fenda oblíqua de seus olhos  para que ele se desmoronasse em pronta subserviência. As vezes ficava pensando se era amor ou medo o que sentia por Jia-Lin. Esposa delicada, sempre pronta para satisfazê-lo. Na cama era ainda aquela gueixa que conhecera a tantos anos atrás. Tinha uma beleza exótica e feições inteligentes no estilo oriental. Dera a Xing um casal de filhos que eram tratados com muito amor e zelo. Quando eram pequenos ocupavam o casal quase em tempo integral. Mas agora que já estavam cursando faculdades,  paravam muito pouco em casa, deixando o casal mais livre para suas atividades. O Sr. Xing gostava de Fórmula 1 e também de jogar xadrez.  Sempre que podia frequentava o Kualla Xadrez Club onde participava de jogos e campeonatos, já conquistando alguns troféus que guardava em um armário envidraçado e estilizado em sua mansão.
           Com o passar do tempo, Sr. Xing começou a entediar-se da rotina de seu escritório e também de Jia-Lin. Passou também a beber mais whisky do que devia. Começou a frequentar casas noturnas, onde assistia shows de famosas “streeps”. Foi num casa de shows de Kualla Lumpur, no bairro nobre de   Litle India que conheceu  Da-Xia, famosa “streeper”chinesa. Foi amor a primeira vista. Depois do show mandou chamá-la para sua mesa e ofereceu-lhe boas doses de whisky. Não demorou mais que alguns meses para propor a Da-Xia que fossem morar juntos. Como era casado, propôs comprar um apartamento em um bairro distante do seu, onde pudessem desfrutar do amor que sentiam um pelo outro. Da-Xia estava empolgada com tudo que o Sr. Xing lhe oferecia. E retribuía com as delicias de seu corpo jovem e seu sexo vibrante. A verdade é que o Sr. Xing estava cada vez mais apaixonado por sua amante. Por outro lado, sua esposa já andava desconfiada de suas atitudes e dos horários que passou a chegar em casa, as vezes tarde da noite, sempre com a desculpa de que os negócios o estavam consumindo cada vez mais. Até o sexo de sua esposa que tanto gostava, passou a não ser mais o seu desejo. Precisava fazer alguma coisa para ficar mais tempo com sua amante Da-Xia. Mesmo morando sozinha em um apartamento de bairro nobre da Capital Malaika, Sr. King passou a ter um ciúme doentio de sua amante, pois temia que ela voltasse para o “Streep show”. Encontrava-se com ela em apenas alguns dias da semana, o que o deixava nervoso e inseguro. Foi aí que na sua cabeça  começou a surgir a ideia de  arquitetar um plano que lhe desse o álibi para passar alguns dias colado com sua Da-Xia, vivendo um grande amor, só os dois. Poderiam até viajar para algum lugar paradisíaco em uma ilha distante e viver o sonho da liberdade  e com muito amor. Depois de passar dias arquitetando seu plano, concluiu que teria que inventar para a sua atenta esposa, uma viagem de negócios, onde passaria pelo menos uma semana viajando pela China, visitando grandes fabricantes  de produtos que pudessem dar suporte para uma grande exportação desses produtos para países da América Latina. Mas tudo teria que ser milimetricamente planajado, pois sua querida esposa era inteligente , astuta e já estava desconfiada.
            Tsai Hong era um vietnamita, homem da mais irestrita confiança do Sr. Xing. Trabalhava com ele a mais de vinte anos, quando  começara vendendo incensos perfumados e sandálias coloridas nas ruas e feiras  de Kuala Lampur. Ninguém melhor do que ele para ajudá-lo a executar  seu plano. Marcou sua viagem para Pequim de onde seguiria para outras cidades próximas, sempre com o intuito de visitar e comprar de fabricantes os mais variados produtos e bugigangas, quase tudo pirateado com perfeição como só os chineses são capazes. Só assim conseguiria preços mais baratos, o que lhe renderia maiores lucros. Quando contou seus planos para sua esposa, esta não disse que sim nem que não, contentou-se apenas em lançar-lhe um olhar obliquo e ambíguo. Claro que o Sr. Xing não disse a ela que na realidade quem iria viajar em seu lugar seria seu fiel amigo e colaborador  Tsai Hong, enquanto ele tomaria outro rumo com sua musa, a sensual  Da-Xia, para umas férias numa ilha paradisíaca bem longe dali. Tomou  e pagou todas as providências para tirar novo passaporte e demais documentação necessária, pois Tsai Hong teria que viajar com seu nome e seus documentos, uma vez que sua inteligente  e astuta esposa Jia-Lin poderia checar o seu embarque nas companhias aéreas. Tudo pronto, tudo acertado, o Sr. Xing não se continha de ansiedade, contando regressivamente os dias que faltavam para o início daquela semana que seria inesquecível, longe de tudo e de todos, principalmente bem longe de Jia-Lin.
              No dia do embarque, já com as malas prontas, despediu-se da esposa e dos filhos, colocou as malas na sua mercedes, ajudado pelo motorista Jarbas Shing, e ordenou:
--- Para o aeroporto de Kuala Lumpur.
--- A que horas é o seu vôo, Sr. Xing?
---Decolando as 16:00h.
---Ainda é muito cedo. Agora que são 12:30 h, Sir.
---Não quero chegar em cima da hora.
          No seu plano tudo estava milimetricamente pensado. O motorista tinha que ter a certeza e a convicção de tê-lo deixado no aeroporto. Não poderia ser seu cúmplice, pois poderia dar com a língua nos dentes caso fosse inquirido por sua esposa.
          Ao descer no aeroporto, despediu-se do motorista e dirigiu-se para um quiosque já no interior  do hall do aeroporto, onde havia marcado encontrar-se com Tsai Hong, para os detalhes e orientações finais. De lá seguiu para a saída do aeroporto e tomou um taxi, dirigindo-se para o sul de Kuala Lumpur.
           Encontrou sua amada Da-Jia esperando por ele em seu apartamento. Vestia apenas uma Langerie deixando suas curvas bem visíveis e mais sensuais. Algumas varetas de incenso queimavam no ambiente, deixando no ar um perfume suave e misterioso. Sr. Xing abraçou-a com força e disse:
---Pronto, meu amor: finalmente a sós! Voaremos amanhã cedo para as ilhas paradisíacas da Oceania. Serão sete dias e sete noites inesquecíveis, de amor e sexo. Quero desfrutar todo esse seu corpo em todo seu esplendor! Abra um Champagne francês, e traga também um pouco de caviar. Infelizmente não poderemos brindar  até tarde hoje porque o nosso voo é amanhã bem cedo, as 06:00h da manhã.
              O despertador os acordou as 04:00h. Enquanto o Sr. Xing pegava uma ducha quente no seu banheiro, Da-Jia ligou a TV local no canal de notícias. Depois de ouvir algumas notícias, correu até o banheiro, bateu a porta e chamou:
---Sr. Xing, Sr. Xing! Ouça o que acabo de ouvir no noticiário local: o voo MH370 da Malaysia Airlines, com 239 pessoas a bordo, sendo 227 passageiros, inclusive 2 crianças, e 12 membros da tripulação, está desaparecido. Não chegou a Pequim. Não era esse o seu vôo, meu amor?
---Era.
              Não viajaram mais. Passaram o resto do dia trancados no apartamento ouvindo o noticiário, que dava conta de que algo misterioso teria acontecido com aquele voo. Poderia ter sido um ato terrorista, já que dois passageiros embarcaram com passaportes falsos. Mas as notícias que chegavam estavam desencontradas. Não havia nenhuma certeza a não ser que o Boeing B777-200 da Malaysia  Airlines, um modelo dos mais sofisticados do mundo tinha desaparecido, perdendo o controle com as torres e não tinha sido rastreado por nenhum satélite de vários países.
              O Sr. Xing olhava incrédulo para Da-Jia, sem ter o que dizer e sem sentir mais nenhum tesão por ela. Continuou sem ter o que dizer quando ela lhe perguntou:
--- E agora, Sr. Xing?

PVH-RO, 26/03/14

segunda-feira, 17 de março de 2014

A POESIA

A POESIA

Samuel Castiel Jr.









Lira dos amores,
Bálsamo das almas,
Voz de todos os clamores,
És sedutora e só tu me acalmas!...



Vagas na mente insana
Do poeta louco,  és minha  empatia...
És soberba, casta e profana,
Tu  és o meu dengo, tu és a poesia!


Nota do Autor:  Poema escrito  em homenagem ao Dia da Poesia, que  corresponde a  data de nascimento do extraordinário poeta Castro Alves.


PVH-RO, 14/03/14

quarta-feira, 12 de março de 2014

O SORVETE



O SORVETE

Samuel Castiel Jr.














      Essa guloseima gelada sempre foi meu sonho de consumo nos tenros anos da infância. Era como um prêmio que nossos pais nos davam  quando  aos domingos nos levavam a praça para  brincar e tomar sorvete. Quantas vezes nos perguntavam se desejávamos ir ao cinema, ao circo ou tomar sorvete. O meu voto era sempre a favor do sorvete. Meus irmãos chegavam a ficar irados pois mais lhes apetecia assistir a um filme de Tarzan ou de Faroeste. Assistir Jhon Wayne, Victor Mature ou vibrar com o seriado de “O Zorro”. Ver o Globo da Morte, o palhaço, a mulher de barba ou o atirador de facas para eles  era mais atrativo do que o sorvete. Chegávamos a praça quando o sol já se punha, comíamos pipocas e depois tomávamos sorvete. No intervalo brincávamos de “camon-boy” com revolveres de espoleta, da Estrela. Meu irmão Mimon, o mais velho, era cadeirante, pois nunca chegara a andar com suas próprias pernas devido a um parto prolongado no interior do Pará, que o deixou com a sequela permanente de uma paralisia cerebral. Nós tínhamos que levar o Mimon na sua cadeira, mesmo que as vezes isso atrapalhasse um pouco nossas correrias e brincadeiras.  Acontece que meu pai fazia tudo que o Mimon pedisse a ele, pois o tratava como um filho muito especial, enchendo-o de mimos e carinhos. Certo vez meu pai falou que iria nos levar no próximo domingo  para tomar sorvete na praça. Meus outros irmãos vieram falar comigo que seria melhor ir ao cinema, pois ia passar nas telas do Cine Lacerda “Tarzan, o Rei da Selva”. Protestei e disse que, como sempre, meu voto seria para o sorvete. Sabendo do tratamento especial que meu pai dava ao Mimon, eles fizeram loby e conseguiram que meu pai, como sempre, satisfizesse a vontade do Mimon, ou seja, levaria todos ao cinema. Não tive argumentos para dissuadir meu pai. Fomos todos ao cinema. Acontece que aprendi a lição. Em outras vezes, ficava a semana inteira no ouvido do Mimon, dizendo que seria lançado um novo sorvete delicioso, com uma cobertura especial. Acabei vencendo dessa vez e fomos todos para a praça, tomar sorvete e comer pipocas. Mas, meus irmãos gêmeos não entregaram os pontos. Prepararam uma armadilha que por algum tempo deu certo: ao receber sua bolota de sorvete de morango numa casquinha bem torrada, o Auristélio que era um dos gêmeos, colocou-a em sua boca e a engoliu de uma só vez. Isso foi o suficiente para que ele perdesse o fôlego e caísse para trás. Meus pais e todos nós ficamos apavorados, encerrando nosso passeio e voltando todos pra casa, apreensivos. Muitos finais de semana se passaram sem que voltássemos a praça Mal. Rondon, nem tomássemos mais sorvetes. Acho que eles até enjoaram de tanto ir ao cinema ou ao circo. Um belo dia, concordaram que devíamos voltar a praça para brincar, comer pipocas e novamente tomar sorvete. Acontece que todos podiam ter esquecido da queda do mano, menos eu. Fiquei ao seu lado e quando ele recebeu o sorvete,  adiantei-me e o impedi de engolir a bolota de uma só vez. Como ele foi tomando o sorvete pausadamente, nada de mais lhe aconteceu. Tentei explicar para nosso pai da estratégia montada pelos meus irmãos gêmeos, mas ele não acreditou em mim. Era muita astúcia para uns garotos de 10 anos! Daí pra frente, para evitar que a bola de sorvete fosse engolida de uma só vez, eu me postava ao lado do meu irmão e ficava vigilante. Bastava que eu me descuidasse um pouco para que ele engolisse toda a bola do sorvete de uma só vez e caísse pra trás, sufocado, desmaiado. Percebi aos poucos que aquela estratégia era muito verdadeira para ser apenas uma simulação. A bola de sorvete pode ser de que sabor for,  quando engolida de uma só  vez faz o guloso se engasgar e também desfalecer por alguns segundos. Aprendi então que, por incrível que pareça, há certas pessoas que gostam e se acostumam  com esse desmaio, como se fosse um “barato”, um cheiro forte num lenço ensopado de lança-perfume.
              Por alguns anos ainda continuamos indo a praça Mal. Rondon, até que as namoradas e as paqueras foram substituindo a pipoca e o sorvete. Foi um tempo colorido da minha infância!


PVH-RO, 12/3/14

segunda-feira, 10 de março de 2014

CARTA AO WALDEN


CARTA AO WALDEN

Samuel Castiel Jr.
 






         



           Faz um ano e três meses que você se foi. Não tivemos nem sequer a chance de nos dizer adeus. Só vim a saber muito depois quando liguei pra falar com você e sua filha me disse que você não estava mais entre nós. Confesso que fiquei abalado e pensativo. Bateu uma saudade grande. Uma saudade que me paralisou por algum momento em algum tempo do passado. Liguei para o nosso amigo Iuji, que confirmou o seu passamento e acrescentou que achava que tinha sido melhor assim, pois o seu sofrimento era grande demais. Não sei se você também pensa assim. O que sei é que você deixou uma grande saudade! As vezes me pego a pensar como a vida foi cruel com você. Lembro-me de como você era vaidoso, como gostava de viver e das coisas boas da vida. Com a doença, cheio de limitações físicas, parecia um prisioneiro de você mesmo. Quando o visitei pela última vez, vi e presenciei todo seu sofrimento. Passamos aquela tarde juntos a nos divertir com as lembranças do passado que parece tão recente!...Nosso tempo de faculdade em Belém, quando caminhávamos ao sair das aulas até o bairro de Nazaré onde nos despedíamos e cada um ia pra sua casa depois de uma parada no bar Avenida para uma cerveja bem gelada. Bons tempos aqueles Walden, quando apenas o estudo da medicina era a nossa preocupação. Lembro-me do seu cabelo comprido, estilo Beatle, que lhe resultou o apelido de cabelão. Como você gostava de azarar e esnobar as minas, hem? Aos sábados depois das aulas quase sempre íamos para a Avenida João Alfredo, onde havia um desfile de muitas garotas consumistas. Ficávamos quase sempre na Loja LR, onde havia um espaço para beber nosso  choop ou cerveja. Lá encontramos certa vez aquela figura impoluta, chamado Pedrinho, lembra? Tornou-se um amigo daquelas ocasiões, pois sempre o encontrávamos por lá. Confesso que as lembranças daquela época são ainda muito vivas na minha memória. O japonês Iuji que por ser muito metódico, deixava nossa companhia alegando que precisava voltar para o Laboratório do Hospital Amazonas para fazer a análise dos hemogramas. E assim ele quase nunca seguia nossos passos boêmios.O Adilson, que não tinha limites, gostava de sair e se perder na multidão, deixando todos da sua família preocupados. O Fabiano “Pato”, com sua escaleta também era um bom companheiro. O Jovino, sempre querendo se dar bem, chegava a noite pra estudar conosco na sua casa e ficava de olho na merenda que sua mãe ia servir para pegar o maior quinhão. Ficava louco de vontade quando eu falava que ia comer um bifão no restaurante e não o convidava. E como você teve dificuldade de apreender o fenômeno do k-Kaptura da aula de Biofísica! Enfim, todas essas recordações ainda povoam minha mente, como se fossem muito recentes. A Waldenice, por quem você era apaixonado e que acabou se casando com o Ohana, lembra? Nossos mestres da faculdade, todos também desfilam nos corredorers das minhas lembranças: a Professora Betina, da cardiologia, o Mussalem e o Rezende  clinica médica, o Ronaldo Araujo e o Ronaldo Leite da patologia, o Rosado da Neurologia, que apelidamos de Urtigão, O Sampaio da Histologia, o Paulo Azevedo, patrono da nossa turma,  o Herminio Pessoa, o Julio Cruz da ortopedia  e outros tantos que também nos ensinaram tudo que aprendemos de medicina.
           Hoje, Walden, a  Belém que conhecemos está muito diferente daquela que vivemos. Acho que você chegou a ver o camelódromo que se instalou na Av. Presidente Vargas, onde os trombadinhas promovem todo tipo de assaltos impunemente. Não se pode mais andar pelas ruas de Belém sem sobressaltos. De uma hora pra outra um pivete noiado pode puxar teu cordão ou relógio, levar tua carteira ou até mesmo de matar. Tive muita pena de ver aquele jardim que eram a praça da República e a praça Batista Campos, abandonadas e invadidas por marginais. Os pedintes nas ruas cresceram assustadoramente, a pobreza da população é bem maior do que era. Condorda? A revitalização e reforma das Docas do Pará parecem que foram a grande conquista da cidade. A chuva impreterível que cai todo dia as 15:00 h continua a ser a marca temporal da nossa querida Belém. Por aqui, Waldem, tudo continua como sempre, agora atravessando um inverno rigoroso, com chuvas torrenciais e contínuas que fizeram o Rio Madeira encher mais de  20 m acima do seu nível normal, transbordando e inundando a mata, as cidades e vilas ribeirinhas, desabrigando milhares de pessoas. O sol quando aparece logo dá lugar a nuvens escuras que não demoram a se precipitar. Muitos estão culpando as usinas hidroelégtricas que estão sendo contruidas no Madeira. Mas creio que essas usinas não tem muito  a ver com essa enchente que é histórica nesta região. Este ano o carnaval foi suspenso aqui em Porto Velho por causa dessa enchente. Mas, enfim, neste ano e alguns meses que você partiu, as coisas que já estavam em crise, só pioraram. A política está cada vez mais descarada. Os corruptos de plantão agora perderam de vez a vergonha. Quando são julgados e presos, a Justiça volta atrás e manda soltá-los. A lei do mais forte e mais rico agora é bruta. A população, composta por grandes bolsões de miséria, continua sem saber escolher seus representantes. Elege e reelege sempre os mesmos e  piores. E assim nossos governantes só se locupletam e nada fazem em benefício do povo, do social. E as pessoas de bem não querem mais participar nem concorrer para um meio de corrupção, mentiras e fraudes. É lamentável que seja assim.  Mas falando agora de amenidades, nossa MPB foi invadida por duplas caipiras, Funk, Sertanejo Universitário e Batidão. Não que eu tenha qualquer tipo de preconceitos com esses rítimos, mas já vão longe os grandes nomes com Maria Bethânia, Gal Costa, Chico Buarque, Emílio Santiago, Nelson Gonçalves, etc. Acho que os dias atuais de agora, merecem esse tipo de música.Voce também acha? Pois é, a violência que impera nos dias de hoje não tem nada a ver com a voz mansa daqueles nossos ídolos da música popular brasileira. Não sei se você ainda chegou a ver alguma edição dos Realyt Show. No caso dos Big Brothers, a Globo fatura horrores de reais, confinando marmanjos musculosos e pirigetes saradas, ratas de academia, enche todos de cachaça e faz tudo acontecer diante de câmaras que são vistas por todo o País. Além desse escrache, temos também agora, com muita audiência num programa de lutas da UFC, “The Ultimate Fighter”, onde o sangue dos participantes jorra e mancha o tablado. O pico de audiência desse programa é elevadíssimo. Chego agora a compreender porque na Roma antiga os imperadores brindavam o povo com lutas mortais entre os gladiadores, ou os soltava nas arenas junto com leões famintos para serem devorados enquanto o publico delirava e ia a loucura. O ser humano é assim mesmo: adora ver sangue, desde que não seja o seu. Mas fazer o que? Essa é a essência da humanidade, que de  vez em quando é explorada de forma torpe.
          Para não ser mais longo, Walden, vou ficando por aqui, com muita saudade dos nossos velhos tempos. Espero que você continue com esse seu espírito alegre, agora livre por toda a eternidade.
          Um abraço forte
          Do amigo de sempre,
          Samuel


PVH-RO, 10/03/14

quinta-feira, 6 de março de 2014

CONCURSO DE PIMENTA

CONCURSO DE PIMENTA

  Samuel Castiel Jr.















      Na Bahia a vendedora de acarajé pergunta se o freguês quer comer a guloseima quente ou fria. Caso queira quente, ela entorna o vidro de pimenta até o molho escorrer para fora da comida. No vatapá é a mesma coisa, bem como no tacacá ou maniçoba em Belém do Pará. O critério de quente ou frio é dado pelo ardor da pimenta. E a variedade de pimenta é muito grande em todo o Brasil. Umas são importadas outras nativas. E dependendo da região do país, são mais ou menos ardentes. Outras são apenas cheirosas, sem nenhum ardor, tipo o pimentão. E cada tipo de pimenta se presta para determinada comida, sendo umas mais apropriadas para carnes vermelhas enquanto  outras para caldos, sopas, molhos cremosos, frutos do mar,  peixes ou frangos. Algumas são usadas até mesmo em coquetéis. Entre as mais conhecidas podemos citar a pimenta malagueta, murupi, pimenta do reino, Cambuci ou chapéu de frade, pimenta cumari, pimenta dedo-de-moça, pimenta habanero (originária do caribe e costa norte do Mexico, sendo a primeira pimenta a ser cultivada pelos Maias). Temos ainda a Jalapeno, originária do Mexico, pimenta da Jamaica, pimenta de Bode, pimenta de cheiro, pimenta Tabasco, do Chile, etc. E por aí vai, com uma variedade muito extensa dessas frutinhas queimantes. Mas de todas elas, a mais temerosa de todas segundo o Guiness Book é a chamada pimenta Bhut Jolokia, tida como a pimenta mais forte do mundo, pois atinge o grau máximo na escala de scoville, que mede a ardência das pimentas. Pra se ter uma ideia, é altamente recomendável que se use luvas no manuseio dessa pimenta.
          Jocardêncio era um baiano de Jequié, amante das pimentas. Comprou terras e mudou-se para Rondônia, onde aventurou-se na pecuária de corte, possuindo grandes  fazendas em terras férteis para o pasto, na região de Jaru. Mas nunca deixou de possuir um amor todo especial pelas pimentas. Comprava livros,  vídeos e assistia todos os documentários onde buscava ávido aprimorar seu conhecimento sobre as pimentas. Tinha uma plantação só de pimenta que era cuidada por ele próprio. Comprava sementes de todas as regiões do Brasil e também do exterior. Tornou-se um expert na arte de pimentas e molhos.  Cansado de montarias e gado, resolveu um dia promover um festival de pimenta, onde foi marcado concomitantemente um Concurso de Pimenta, cujo objetivo era medir o grau individual  de tolerância para a ardência das pimentas. O vencedor ganharia uma viagem de ida e volta para o Oriente Médio, com direito a acompanhante. Tudo foi bem planejado e divulgado com bastante antecedência. Vieram pessoas de varias regiões e estados do País. Os participanres foram divididos em cinco grandes grupos. Os jurados foram escolhidos pelo próprio Jocardêncio e todos eram pessoas entendida e experts em molhos e pimentas.
           Foram iniciadas as provas, que tinham um juiz em cada grupo. As regras foram bem divulgadas para todos. A provas consistiam em cada grupo provar as varias espécies de pimentas, começando pelas mais fracas e atingindo o ápice com as mais fortes e mais ardentes. Quem esboçasse pelo menos uma careta ao provar determinada pimenta, estaria desclassificado. Havia garrafas de água mineral em cada mesa, que serviam para lavar a boca dos concorrentes após cada prova. Aos pouco os grupos foram ficando menores, a medida que iam sendo desclassificados os pimenteiros. Na última prova, restavam apenas dois concorrentes, cara a cara.
O juiz de mesa pegou a garrafa de molho, derramou um pouco na colher e disse: -- Essa é a Buth Jolokia, a mais queimante de todas. Quem passar por ela será o grande campeão! Jocardencio pegou a colher e entornou em sua boca, sem esboçar nenhum gesto ou careta. Manelzinho Ardido disse: --Não quero com molho. Estendeu a mão e pegou algumas pimentas, levando-as a sua boca e mastigando-as sem nenhum gesto, sem nenhuma careta. Jocardencio imitando seu adversário tambem pegou algumas pimentas, jogou na sua boca e começou a mastigar. Manelzinho Ardido olhando fixamente para o Jocardencio, apontou o dedo para o rosto do adversário e disse:
--Você perdeu. Está chorando.
    Algumas lágrimas rolaram pelo rosto de Jocardencio, que pernecia impassível.
 --Não é derrota ainda!
--E porque está chorando então? Com a voz quase inaudível, disse:
 --É que me lembrei da Santa e Digníssima Senhora Sua Mãe! Com todo respeito, é claro!...
     Fez bochecho com água mineral. O jurado encerrou o concurso. Manelzinho Ardido na semana seguinte viajou para a Jordânia.


PVH-RO, 28/02/14