segunda-feira, 29 de junho de 2015

O BAILE GAY

O BAILE GAY

Samuel Castiel Jr.









                     Ficaram na história e também nas nossas memórias os grandes Bailes Gay dos carnavais de outrora. Quem não se lembra do Gala Gay do Scala, o Grande Baile Gay do Jockey Club no Rio de Janeiro,  etc. Era um verdadeiro deslumbre, onde tudo era permitido e ninguém era de ninguém. Onde tudo podia acontecer, inclusive nada! ... Marchinhas de carnaval, muito confete, muita serpentina, cheiro de lança-perfume no ar e, principalmente, “bichonas bombadas” e bigodudas desfilando com seus bofes, ou metidas em luxuosas fantasias, com plumas e paetês. Tudo registrado e fotografado pela Revista Manchete e transmitido ao vivo pela Record ou pela Globo. Realmente, era um verdadeiro desbunde. Nos concursos de fantasia dos salões,  Clovis Bornay,  Denner e Evandro Castro Lima eram "hors concours” ,imbatíveis. Assim é que esses bailes foram acontecendo em varias capitais pelo País afora. Muitas pessoas iam apenas  para assistir os gays entrarem triunfantes nos clubes. Ficavam do lado de fora, aplaudindo ou vaiando a entrada triunfal dos  deslumbrados personagens.
                          Porto Velho antiga não podia ficar fora desses modismos importados dos grandes centros. Não demorou muito para que Severino e Aurélio, dois ilustres representantes do futuro movimento LGBT, organizassem o primeiro Baile Gay de Porto Velho, no clube de sua propriedade, o CHOC-CHOC GAY,  recentemente inaugurado no antigo bairro Novo Estado. Foi organizado nos mínimos detalhes. O Serjão, renomado colunista social, estava a frente do evento, dando maior credibilidade e visibilidade  ao acontecimento. Durante o evento, aconteceriam varias atrações, tais como desfile de fantasias, sorteios, premiações, etc.
                             Flavio Daniel, carnavalesco, sambista, artista plástico e também simpatizante do LGBT, encontrava-se naquela noite de sexta-feira no Bar do Canto, onde costumava freqüentar antes de partir para as baladas. Encontra-se então com o Auristélio, também freqüentador do Bar do Canto. Conversa vai, conversa vem, entre um drink e outro, Auristélio pergunta:
--- Onde é a balada hoje Flávio?
--- Hoje a melhor  pedida é o 1º Grande Baile Gay de Porto Velho.
--- Meu amigo, se você não fala eu já tinha me esquecido. Fui convidado pelo Serjão para ser um dos jurados. E você vai comigo, pois o Serjão me disse que colocou seu nome também  para a mesa julgadora. Vamos nessa?
--- Tô dentro, vamos lá!
---Antes, porém Fávio, vamos nós dois no seu carro. Vou pegar os foguetes no meu porta-malas e na sequência passamos na casa da Bigail e levamos junto umas quatro ou cinco meninas, certo?
---Ok. Vamos lá.
                            Com os foguetes já no porta-malas do Flávio, partiram pra casa da Bigail. Encheram o carro de quengas e foram apressados  para a boate Choc-Choc Gay.
                          Havia uma aglomeração na porta, formada por curiosos e vendedores ambulantes. Foi quando o Auristélio mandou as  “quencas”  saltar do carro, abriu o porta-malas e começou a detonar os fogos. Sob os olhares  espantados e  curiosos, as explosões dos foguetes abriam clarões no ar espalhavando o odor típico de pólvora queimada. As meninas embaraçadas e com roupas brilhosas, começaram a entrar no clube enquanto os foguetes pipocavam no céu. Quem seriam aquelas figuras importantes que estariam chegando, anunciadas pelo fogos? Acabada a queima de fogos, Flávio e Auristélio adentram na Boate Choc-Choc Gay, cumprimentando os presentes e organizadores do baile. Tomam seus assentos na mesa julgadora e tem início o 1º Grande Baile Gay de Porto Velho.
                             Na frente da Mesa Julgadora, estava fincado um cano de aço escovado de 100,0 mm de diâmetro que se tornava furtacor quando era atingido pelas luzes multicoloridas de um globo luminoso pendurado no teto. O salão começou a ficar apertado de tanta gente que se apertava disputando os melhores lugares. As marchinhas de carnaval eram tocadas, combinando com a decoração de máscaras, palhaços, pierrôs, confetes e serpentinas.  O cheiro de lança-perfume no ar dava ao ambiente um toque de maior  perversão e permissividade.
                                 Já era quase meia-noite quando o Serjão em tom solene anunciou o desfile dos travestis que iriam concorrer ao premio de originalidade animação e  coreografia na barra. Postados do outro lado do salão, uma fila de” travecos” fantasiados esperava o sinal para exibir-se na frente da Mesa Julgadora.  Cada um tinha seu fundo musical para desfilar. Foi dado o sinal para o início do desfile e entrou então  o primeiro “traveco” fantasiado de “Libélula Deslumbrada” com fundo musical de “Macho Man”. Passou duas vezes frente aos jurados saracoteando-se toda e na sequência agarrou-se com a barra de aço escovado, fincada a frente da Mesa Julgadora. Rodopiou na barra, foi até o chão e levantou-se como se fora  uma cobra  subindo num mastro. Na terceira vez que repetiu essa coreografia, aconteceu o inesperado: o short da “Libélula Deslumbrada” de tão apertado, não resistiu e se abriu entre suas pernas, deixando saltar para fora da roupa a bolsa escrotal da “Libélula”. O Auristélio imediatamente ficou de pé e deu um soco forte sôbre a mesa. Pegou o microfone e gritou:
---Para o desfile. Para tudo!
                        Os demais jurados e o próprio Serjão estavam incrédulos, sem saber o que tinha acontecido. Ninguém estava entendendo aquela atitude de um  jurado.
---A” Libélula Deslumbrada” está desclassificada!--Anunciou o Auristélio. Foi traída pelo seu short que se rasgou deixando de fora os seus bagos. Isso descaracteriza a fantasia e desclassifica a concorrente.
                          A confusão foi geral. As brigas e bate-bocas começaram entre os jurados, entre os “travecos” e entre os presentes. Todo mundo brigou. A pancadaria foi geral. Mesas e  cadeiras voaram. A festa e o desfile foram encerrados pela polícia. O Auristélio teve que sair escoltado pela segurança, pegou um taxi para sair dali e o Flávio Daniel foi para o seu carro sozinho, pois as quengas  tinham se perdido dele  na confusão. A polícia interditou a Boate Choc-Choc Gay.
                          Desde essa noite, nunca mais ouvi falar do Baile Gay em Porto Velho.


 Nota do Autor: Qualquer semelhança com fatos, lugares e personagens desde conto terá sido mera coincidência


PVH-RO., 29/06/15  

quarta-feira, 10 de junho de 2015

QUEM MATOU A ENFERMEIRA?

QUEM MATOU A ENFERMEIRA?

Samuel Castiel Jr.














          As instalações eram antigas, como em todas as Santas Casas deste País. Enfermarias instaladas ou improvisadas em porões, no subsolo. Ambiente úmido, malcheiroso. Ratos furtivos passeavam nas áreas externas ou até mesmo nos corredores. Médicos, enfermeiras,  técnicos, estagiários e Residentes transitavam nesses labirintos parecendo verdadeiros robôs. Com uma prancheta nas mãos, seguido de vários Estagiários e Residentes, o Dr. Estevão seguia parando nos leitos, fazendo a visita médica de rotina e acompanhando a evolução de cada paciente. Fazia anotações, perguntava como os pacientes estavam evoluindo, questionava os estagiários e Residentes sobre essa ou aquela patologia.
__ Residente Saul, este paciente tem um quadro de icterícia. Quais exames laboratoriais que vão  lhe dar indicativos se essa icterícia é obstrutiva ou não?
__ A dosagem das bilirrubinas, TGO e TGP.
__ Muito bem. Vamos em frente.
       E assim, de leito em leito aquela visita matinal prosseguia.
__Dr. Estevão, temos um paciente psiquiátrico, amarrado no leito 13. Porque ele não está na enfermaria de psiquiatria? Ele está agitado e representa um risco a todos nós e aos  demais pacientes.
__É verdade Antônio. Acontece que a enfermaria da psiquiatria como sempre está lotada. E esse paciente não pode esperar. Tem agitação psicomotora, precisa ser contido no leito como você está vendo. Está recebendo uma dose grande de drogas   controladas e mesmo assim,quando cessam os efeitos, ele se agita, fica violento. Tem um diagnóstico de psicose maníaco-depresssiva ( PMD ). Possivelmente uma esquizofrenia herbefrênica  associada. Vamos em frente.
      Aquela enfermaria possuía 50 leitos que eram destinados a Clinica Médica. Dentre os estagiários e Residentes, como sempre, havia os interessados e os desinteressados, aqueles que estão sempre de mal humor, zangados consigo mesmo e com o mundo. Até parece que estão fazendo favor em apreender sôbre a nobre arte de curar. Átila era um desses Residentes desinteressados. Chegou até ao 5º ano aos troncos e barrancos, colando provas e parasitando trabalhos de colegas competentes.
__Átila, este paciente tem suspeita de um tumor cerebral. Diga-me o que faria caso ele tenha uma crise de convulsões reentrantes?
__Dr. Estevão, corro e chamo o médico!...
      Todos os presentes riram muito, menos o Dr. Estevão, é claro.
__Você está sempre tentando fazer uma gracinha! Você já é quase médico e esse comportamento não coaduna com a nossa profissão. Está dispensado da visita de hoje e espero você logo mais no meu gabinete para conversarmos. Vamos em frente.
      O Dr. Estevão mais uma vez repreendeu o Residente Átila, inclusive mostrando-lhe uma reclamação registrada no livro de ocorrência, a qual denunciava o Residente por assédio sexual. Vinha assinada pela enfermeira Clotilde, solteira, de 24 anos, a qual reclamava das atitudes e insinuações do Residente que, segundo ela, vivia cercando a profissional e dirigindo-lhe gracinhas.  Com a mesma atitude irreverente e irresponsável, Átila disse ao Professor:
__Ela se acha, Dr. Só porque tem um rostinho de boneca e um corpinho torneado, pensa que pode sair por aí esnobando todo mundo. Nada disso é verdade! É a palavra dela contra a minha.
     Ermitão era um negro, ainda jovem e musculoso, que tinha passado no concurso da Santa Casa para a função de Serviços Gerais. Limpava a enfermaria, trazia medicação da farmácia para abastecer a enfermaria e, também, passou a ajudar no Anfiteatro, onde os professores de anatomia dissecavam os cadáveres para as aulas práticas. Era um negro calado, de poucas palavras. O Dr. Estevão, algumas vezes já o tinha flagrado olhando fixo para as pernas da enfermeira Clotilde.
         O quadro de enfermeiros da Santa Casa envolvia mais de cem profissionais, pois as escalas eram de 12 horas para cada enfermaria. Os plantões noturnos eram mais calmos, exceto quando havia pacientes agitados.
         No dia que tudo aconteceu, o Dr. Estevão como sempre, chegou bem cedo a Santa Casa, foi direto para seu gabinete preparar-se para mais uma visita de rotina  a enfermaria. Eram 6:45 h quando o telefone tocou. Do outro lado, uma voz de mulher histérica, quase aos gritos, tentava dizer alguma coisa, porém o choro entremeado não deixava claro o que estava acontecendo. Até eu outra mulher, menos histérica e menos nervosa, falou:
__Dr. Estevão, mataram a enfermeira Clotilde aqui na Enfermaria!
__Estou chegando aí agora.
     A cena era horripilante. Numa grande poça de sangue, só de calcinha, a pobre Clotilde estava jogada sobre o chão do sanitário, parcialmente envolta num lençol branco, com seus dois seios mutilados.
     A polícia queria saber tudo sobre a enfermeira assassinada. Seu marido ou parceiro, seus colegas de plantão, seus amigos e amigas, seus hábitos, enfim tudo que pudesse levar ao assassino frio e audacioso que a  exterminou dentro de seu próprio  local de trabalho, sem que ninguém ouvisse ou suspeitasse de nada.
      Nos primeiros interrogatórios, nada de relevância pode ser detectado pelo Delegado. Clotilde vivia com seu parceiro a mais ou menos três anos, aparentemente bem e em equilíbrio emocional. Não tinham filhos por opção. Os colegas da enfermeira estavam em choque, pois todos gostavam muito dela como pessoa e como profissional. Os médicos, estagiários e Residentes também estavam chocados, pois ninguém conseguia entender aquele ato bárbaro, criminoso, com requintes de crueldade. Os dias foram passando e as investigações patinavam nos labirintos das hipóteses e conjecturas abstratas. Todas as pessoas interrogadas tinham-se mostrado inocentes, tinham álibis ou estavam fora do alcance de qualquer dúvida. Na busca do assassino, aventaram-se as hipóteses mais próximas e portanto, algumas delas, mais absurdas. Teria aquele paciente psiquiátrico saído de sua contenção e amarras e surpreendido a pobre Clotilde dentro do sanitário? Nessa hipótese aonde teria ele escondido a faca do crime? E porque os outros enfermos nada teriam ouvido? Seria o Residente Átila, num ataque sexual selvagem o responsável por tamanha barbárie? Ou o Ermitão, que também andava espichando o olho pra Clotilde? Mas todos tinham seus álibis, que se encaixavam perfeitamente.
            Quem matou a enfermeira? Essa pergunta estava quase enlouquecendo o Delegado Walace, que resolveu mais uma vez voltar ao local do crime.
__Com licença Dr. Estevão? Preciso de uma palavrinha sua.
__Pois não Delegado, sempre as suas ordens. Por sinal, já tem alguma pista sobre o assassinato da nossa enfermeira?
__Ainda não Dr., mas continuo buscando. É por isso que estou aqui. Diga-me Dr.,  o Sr. trabalha pela manhã e pela tarde aqui na Santa Casa, não é?  
__Sim. Preciso sempre estar em dia com meus prontuários e seguir a evolução dos pacientes internados em minha enfermaria. Além do mais, também faço dissecção de cadáveres no anfiteatro, para as aulas práticas de anatomia.
__Quando o Sr. fica no anfiteatro, entra pela noite a dentro cortando esses cadáveres?
__As vezes, sim.
__Especificamente nesse dia do assassinato da enfermeira o Sr. ficou até tarde? Lembra-se até que horas?
__Acho que até as 18 ou 18:30 h. Ora, ora Delegado! Não venha me dizer que me tem também na lista de suspeitos?
__Tenho sim Dr. Estevão. E acho bom o Dr. acertar o seu relógio e sua memória,  pois sua esposa em seu depoimento confessou que nessa noite o Sr. precisou ficar até mais que 2:00 da manhã na dissecção dos cadáveres da anatomia. Preciso informar-lhe também que o IML encontrou pedaços de lâminas de bisturi nos seios mutilados da enfermeira. E que essas lâminas são idênticas as usadas na dissecção dos cadáveres da anatomia. Agora, o Dr. precisa me acompanhar!...


PVH-RO.,  10/06/15