quinta-feira, 17 de novembro de 2016

CARNE ESTRAGADA ou AS CURVAS-DE-RIO

           CARNE ESTRAGADA ou ( AS CURVAS-DE-RIO )

            Samuel Castiel Jr.
 









          

              Fazia uns três meses que Osvaldo   tinha    se separado do seu quarto relacionamento.       A vida dura de bancário por opção, o excesso de  trabalho no Banco, tudo conspirava para seu insucesso   nos relacionamentos. A solidão entretanto começava  a perturbar seu juízo e a fustigar seu coração.   Foi quando conversando com os colegas de Banco, começou a se interessar por sites de relacionamento. Tentou vários tipos de mulheres, umas mais novas outras mais velhas, mas logo ia se desinteressando. Finalmente, depois de algumas tentativas, Osvaldo falando com uma velha amiga, lamentou-se da sua solidão, e logo foi convidado para um churrasco em sua casa. A princípio, ficou receoso em participar, pois não conhecia as pessoas que estariam presentes naquele churrasco. Como seria no sábado, sua amiga o colocou em contato pelo “Face” com suas amigas que estariam no churrasco do sábado. Todas lhe pareceram interessantes, porém a que mais lhe agradou foi a Silvana, uma ruiva e morena de olhos claros. Pensou, pensou e fez contato com a Silvana. Sua voz também era agradável – pensou. Disse-lhe que tinha sido convidado por sua velha amiga Shirley para o churrasco do sábado.
-- O que devo levar Sil? – perguntou-lhe Osvaldo.
--Traga cerveja, de preferência a Puro Malte, que é a cerveja de minha preferência. As meninas aqui também gostam dessa cerveja. E todas estarão aqui no próximo sábado.
            Naquele sábado  Osvaldo foi bem cedo ao supermercado, comprou duas caixas  da Puro Malte e dirigiu-se para o endereço da sua velha amiga. Tinha o pressentimento que poderia arrumar uma companheira que até poderia ser mais duradoura. A casa de sua amiga era longe, nos arredores de Porto Velho-RO. A casa ficava recuada, nos fundos do terreno. O portão estava fechado com um cadeado e o Osvaldo teve que bater palmas para que sua amiga Shirley viesse abrir. Com as cervejas nos pacotes, Osvaldo entrou e foi apresentado a todas as pessoas que estavam no recinto. Colocou a Puro Malte na Freeze e observou que havia mais quatro caixinhas no congelador. A Silvana realmente era linda – pensou.  
          Quando o churrasco já estava sendo servido, Osvaldo levantou-se para pegar uma cerveja e, ao abrir a “freeze”, observou que todas as outras cervejas, exceto as que trouxera, já tinham sido consumidas. Quando comentou com sua amiga que já só havia no “freeze” as cervejas que ele trouxera, ela lhe disse que em sua casa era mesmo assim:
--Olha aqui Osvaldo – disse-lhe a Shirley, aqui em casa é assim mesmo, todo mundo bebe muito. Daqui a pouco vamos comprar mais.
    O churrasco foi rolando, o calor aumentando, até que o Osvaldo percebeu que as amigas da Shirley e também ela usavam tornozeleiras eletrônicas. Ficou surpreso e assustado. Mas, para não criar nenhum tipo de constrangimento, ele preferiu não tocar no assunto. Aproximou-se da Silvana e ficou conversando e jogando charme pra ela, que também retribuía. Suas pernas eram grossas e Osvaldo ficava imaginando: faria qualquer sacrifício para ver e acariciar aquelas pernas, pois era uma das poucas que não usava shortinho curto e enfiado na bunda, e sim calça jeans elastano , bem colada na pele. Finalmente, trocou telefone com as meninas, despediu-se e foi saindo de mãos-dadas com a Silvana. Ia pensando: meu pressentimento estava certo. Acho que consegui uma companheira e, ainda por cima, pra ninguém botar defeito – pensava. Caminharam até o portão. Ao sair tentou ainda dar um abraço apertado na Sil, mas ela se esticou toda, ficou na ponda do dedão  do pé, apoiada  numa só perna e a outra para trás, como se fosse uma bailarina e disse:
-- Não me puxe nem mais  um milímetro Osvaldo, caso contrário o hi-fi da minha tornozeleira dispara e começa a apitar.
     Osvaldo  não  era preconceituoso mas, decepcionado entrou em seu carro e não quis mais nem olhar pra trás. Aquilo era uma “gang” ! Todas aquelas meninas eram “curvas-de-rio” como dizia sua velha mãe, ou seja, atraíam todo o lixo arrastado pelas aguas. Todas eram da pesada!... E ele, Osvaldo, não era nenhum lixo! Era melhor continuar sozinho.
         Na segunda feira durante o expediente do Banco, quando lhe perguntaram como foi seu final de semana, ele disse apenas que a carne do churrasco estava estragada.


PVH-RO., 17/11/16

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

AVENTURA NA CAVERNA

AVENTURA NA CAVERNA
Samuel Castiel Jr.






             Na terna e doce adolescência, além de correr de camisa aberta e com o  peito nu, as asas da imaginação me transportavam para bem longe. Além  de correr atrás de “papagaio”, jogar peteca e pião, já havia em mim a curiosidade pelo imponderável, pela aventura, pelas descobertas. O espírito de liderança aflorava e me fazia estar sempre cercado de colegas e amigos do mesmo bairro, vizinhos ou não. Foi assim que chegou aos meus ouvidos a notícia que aguçou minha imaginação: havia uma caverna em pleno centro da cidade de Porto Velho que se estendia desde a  Av. Farquhar passavando pelas ruas Euclides da Cunha e Norte-Sul ( hoje Av. Rogério Weber ) passava  por baixo da antiga residência oficial do governador e, até onde se sabia, chegava até a Av. Presidente Dutra. Numa extensão de mais de 400 metros, ou seja, quase meio quilômetro, isso pelo que se sabia. Havia rumores que as pessoas que teriam se aventurado a explorar essa caverna teriam penetrado em grandes salões e ouviam o barulho de carros distantes, na outra extremidade, que trafegavam na Av, Presidente Dutra. Quando  teria sido construída essa caverna? Quem a teria construído? Com que objetivo? Seria um esconderijo? Um abrigo? Uma rota de fuga?  Depois de várias noites de insônia, pensando no assunto, resolvi que poderia ser fantástico explorar essa caverna, desvendar seus segredos. Não foi difícil passar essa ideia aos amigos e colegas que sempre estavam comigo e geralmente comungavam dos meus pensamentos. Consegui rapidamente juntar um grupo de mais ou menos uns seis aventureiros. Adquirimos lanternas, compramos pilhas e cordas. Marcamos o dia e a hora. Tínhamos que começar bem cedo, pois não sabíamos quanto tempo a exploração poderia demorar. Combinamos que seria melhor nos amarrarmos pelas cinturas uns aos outros. Eu iria na frente, seguido pelos outros aventureiros. Qualquer dificuldade encontrada seria comunicada aos demais com puxões na corda e assim todos estariam sempre sabendo com que eu estaria me deparando lá na frente. Combinamos também que conforme o nível de perigo ou dificuldade que eu encontrasse, eu puxaria uma, duas, três ou mais vezes a corda. Tudo certo, tudo combinado, partimos para o interior da caverna. A escuridão era total. A altura era muito baixa, de tal forma que só podiamos adentrar de bruço, arrastando o peito no chão. Liguei minha lanterna e comecei a me arrastar pelo chão úmido, amarrado pela cintura e seguido pelos outros amigos aventureiros. O silêncio era total, mas ao ligarmos as lanternas e começarmos a nos arrastar pelo chão, esse silêncio foi quebrado por  um barulho ensurdecedor. Eram milhares de morcegos que, saindo da caverna, passavam sobre nossas cabeças. O odor ficou insuportável, misturado ao farfalhar estridente e aos voos rasantes dos morcegos.
Quando aquela nuvem negra acabou de passar sobre nós, comecei novamente a me arrastar pelo chão, penetrando cada vez mais naquele interior escuro. Senti que o ar começou a ficar rarefeito. Foquei a lanterna e, bem a minha frente, uma enorme pedra obstruía nosso caminho. Arrastei-me até ela e senti que o ar passava apenas por uma fresta entre a pedra e a parede da caverna. Usando toda a minha força, consegui empurrar a pedra cerca de meio metro, o suficiente para que eu pudesse passar esgueirando-me  pela fresta.. Uma grande sala então abriu-se a minha frente. Era um salão amplo mas que logo se afunilava novamente .Foquei as paredes do salão com minha lanterna e o que vi foram ainda alguns morcegos dependurados em um lodo esverdeado, que pareceu-me musgo. Rente as paredes havia praticamente uma outra parede formada pelas fezes dos morcegos.O odor continuava insuportável,  mas não me intimidei. Continuei penetrando na escuridão.  Parei e comecei a ouvir o longe o ruído de carros que certamente estariam trafegando na Avenida Presidente Dutra, já próximo Palácio do Governo. Foi então que o odor de repente ficou insustentável. Pensei então, pela primeira vez,  em puxar a corda amarrada na minha cintura e tentar sair daquele buraco. Foi aí que senti a primeira ferroada na minha barriga. A seguir outras e outras ferroadas na barriga, no peito e nos braços foram  me colocando em pavorosa. Mas procurei não perder a calma. Foquei minha lanterna para a frente e fiz uma varredura no local. O que vi, deixou-me ainda mais nauseado. Um bicho que me pareceu um roedor, tipo mucura estava em avançado estado de putrefação, devorado por centenas de vorazes formigões. Foi então que não mais resisti e puxei três vezes a corda amarrada na minha cintura. Sabia que aquilo desencadearia um efeito em cascada junto aos amigos aventureiros. Começaram então a me puxar, mas precisei algum tempo para deslizar de volta para a porta da caverna. Confesso que me pareceu uma eternidade me arrastar de volta, tentando manter-me o mais calmo possível. Sabia que só assim poderia sobreviver aquela situação desesperadora e de pânico. Para piorar minha situação, minha lanterna começou a ficar fraca e se apagou. As pilhas chegavam ao fim. Ouvia vozes bem longe pedindo calma que já estavam próximo a porta de saída. As ferroadas me queimavam e coçavam desesperadamente. Respirei fundo quando vi a luz no fim do túnel, mas ainda distante. Arrastei-me de costa até chegar ao salão, onde pude me virar e seguir de frente. Lá fora o sol deve estar brilhando e o ar rico em oxigênio sem esse odor fétido – pensei. Quando cheguei a saída, todos estavam desesperados e de olhos arregalados, querendo saber o que tinha me apavorado tanto a ponto de pedir para voltar. Saí quase puxado pelos meus amigos, sem forças para caminhar, com câimbra nas pernas  e com feridas sangrando em todo o corpo. Quando me vi fora da caverna, e todos começaram a me perguntar o que eu tinha visto lá dentro do buraco, disse-lhes que era um monstro marsupial morto e em decomposição, que estava sendo devorado por formigas carnívoras!...Desde então minhas aventuras se limitaram a ser na superfície da terra,  longe das cavernas. O mistérios e enigmas daquele buraco até hoje continuam     povoando meus piores pesadelos.



PVH-RO., 07/11/16
                                            


        


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

AO MÉDICO CIRURGIÃO

AO MÉDICO CIRURGIÃO

Samuel Castiel













Divina  é a tua missão sagrada
No corte fino do bisturi na carne
Quase sempre combalida, destroçada
Na iminência  da vida que já parte...

O aço que corta, a mão que sutura
Vai juntando, recompondo a anatomia
Buscando a estética,visando a cura
Trazendo de volta à vida que já parte...

Das tuas mãos renasce o corpo,
Às vezes mutilado mas com vida;
N
as tuas mãos salva-se a carne ferida,
Do homem muitas vezes já considerado morto!…

És o semi-deus que a esperança traz
És o anjo bom que cortando faz
Voltar a vida que já parte…
Cortando, suturando, recompondo

Com teu  cinzel  de verdadeira arte!...

PVH-RO., 18/10/16

AO MÉDICO

AO MÉDICO
Samuel Castiel


Trazes o bastão do amor em tuas mãos
Tua veste branca é a pureza casta
És por natureza de todas  profissões
O símbolo vivo da ciência vasta.

Representas a única esperança, o norte
Do combalido corpo que padece
És por essência a aliança
Entre a vida e a implacável morte
Que espreita o ser a cada dia que avança...

Tens a paciência, a abnegação
Para a alma aflita que sofre
Quando o corpo sofrido esmaece
Quando parece não haver mais salvação
Trazes o bálsamo da vida, da sofreguidão
Mesmo sabendo que teu gesto divino
Nem sempre teu ingrato paciente reconhece
E o inexorável tempo te esquece!...

PVH-RO, 18/10/16