segunda-feira, 30 de setembro de 2013

BÊBADOS & BÊBADOS

BÊBADOS & BÊBADOS

Samuel Castiel Jr.












 




             Todo bêbado tem um santo forte. Confesso que depois de ver tantas e boas,  passei a acreditar nisso. Dizem que as crianças também tem. Mas a verdade é que o santo dos bêbados, com muito mais frequência, dá prova dessa proteção. Existem vários tipos e subtipos de bêbados, desde o pinguço pé inchado até o mais sofisticado, que só bebe whisky importado. Mas, seja qual for a bebida, o bêbado é sempre o mesmo. O que sente sono, debruça-se e dorme na mesa ou se levanta e vai dormir no sofá de sua casa. O que vira “mala”, não para de falar e não deixa ninguém falar; o que fica pegajoso, puxando o nosso braço ou cutucando as nossas costelas; o que não quer pagar a conta, confere e reconfere a conta, chama o garçon e o dono do boteco de ladrão. Existe o que fica rico, vira o dono do mundo. Mas existe também o que só conta miséria, que tá desempregado. O machão, mulherengo, “papa-anjo” e pegador, e aquele que é pobre diabo, tímido, que não dá sorte pra mulher, tendo que beber muito pra tentar pegar alguém. Aquele que fica bravo, grita e quer brigar com todo mundo; aquele que diz que é corno convencido e aquele que é corno ciumento, que mata os dois se pegar. E ainda tem aquele que se desmunheca todo quando toma umas!...
          Abel Matrero, mais conhecido como Belzinho do Gole, pode se dizer que seria enquadrado como um bêbado engraçado. Mudou-se para  num condomínio e, depois de algum tempo, quando voltava a noite pra casa, “travado”, passou a ter uns lapsos de memória e não conseguia mais acertar a sua casa. Até porque todas as casas eram iguais! Mas, orgulhoso, dizia sempre que bebia bem e tinha sorte! Na realidade, o seu santo é que era forte! Quando voltava pra casa, a noite, já tinha passado no bar onde jogava conversa fora com a “galera” e tomado alguns muitos whiskys. Algumas vezes já acontecera de ter errado o caminho da sua casa e dormido em posto de gasolina, dentro do carro. Mas, sempre aparecia um anjo da guarda que o protegia e o levava para casa. Agora, porém, com a Lei Sêca, a coisa estava mais difícil. Podia cair numa Blitz e até ser preso, perder a carteira de habilitação e ainda ter que pagar multa. Por isso, preferia pegar um taxi quando saía pra beber, pois ficava mais a vontade e era mais seguro. Acontece que, nesse dia, o Belzinho do Gole exagerou. Tomou todas e, naquela sexta-feira já estava mal intencionado, quando deixou o seu carro no estacionamento do banco onde trabalhava, pegou um taxi e saiu para o “happy hour”. Bebeu whisky, vodka e cerveja, misturou tudo e no final já estava bebendo pinga e conhaque. Quando o dia começou a clarear, lembrou-se que precisava voltar pra casa. Pegou o primeiro taxi que passou e quase não acertou dizer para o taxista o seu endereço. Quando o taxi fez uma curva fechada, já quase chegando a sua casa, o Belzinho não aguentou e vomitou dentro do taxi, sujando tudo que estava a sua frente, inclusive o taxista, que imediatamente parou o carro e pegando uma chave de roda, expulsou o Belzinho ameaçando quebrá-lo todo, se ele resistisse. Aos tropeços, saiu do carro, deixando cair do seu bolso algumas notas e moedas na tentativa de pagar a corrida.
-- “Vaza” do meu carro, seu filho da puta! Vou te deixar na sarjeta que é o teu lugar!
          Belzinho entrou cambaleando no condomínio e bateu na porta da casa. Quem veio abrir a porta não foi a sua mulher e sim uma senhora gorda com a cabeça cheia de bobes.
-- O senhor me desculpe mas essa não é a sua casa!
           O Belzinho que estava se escorando na coluna, falou alguma coisa parecida com desculpa e saiu aos tropeços. Deu a volta completa no condomínio e bateu na mesma porta:
-- O senhor de novo?! Já lhe falei que essa não é a sua casa – disse-lhe a mulher dos bobes, extremamente mal humorada.
           Outra vez cambaleando o Belzinho sai e dá mais uma volta no condomínio, batendo outra vez na mesma porta:
-- Agora já é demais! Minha paciência esgotou! Vou chamar a polícia –diz quase gritando a mulher dos bobes.
-- Ah é?! Pois pode chamar a polícia e quem mais a senhora quiser, e eu vou falar pro seu marido que a senhora tá em todas as casas que eu bato!...
           Belzinho foi resgatado pela Marilu, empregada de sua casa, uma nega baiana que chegava cedinho naquele sábado para mais um dia de trabalho e, vendo a situação  que o  seu patrão se encontava, o chamou:
-- Seu Abel vamos embora que eu levo o senhor pra sua casa.
-- Tá bom, tá bom Neguinha. Mas tu vais na frente e esconde facas, tesouras, vassouras e aquele rolo de amassar massa de pastel... Faz de conta que hoje tu és o meu anjo da guarda, enviada pelo Senhor do Bonfim.
         E saiu agarrado na cintura da Marilu. Já no meio da rua, colocando as duas mãos na boca como se fosse canalizar o som, gritou para a mulher gorda dos bobes:
-- Bebo bem e tenho sorte!...

PVH-RO, 29/09/13
    


           

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

BALNEÁRIOS


BALNEÁRIOS
Samuel Castiel Jr.










          




" Quem tá na chuva é pra se molhar, quem tá n'água tem que saber nadar e                                              quem tá  melado  de lama tem que se lavar! "

                                



               Talvez porque a temperatura por aqui é muito elevada, e sem praia, o hábito dos balneários é quase cultural. Desde a minha tenra idade era comum ir com os amigos e familiares tomar banho nos rios e igarapés nos arredores da cidade. Havia alguns banhos que eram muito frequentados e marcaram época, tais como o Banho do Pe. Pio, Bate-Estacas, Torre, Tês-e-Meio, Rosa-de-Maio, Rio Preto,  Jacutinga, etc.
             O balneário acabava sendo um atrativo  as garotas, que gostavam de ser convidadas para se refrescar nas águas frias e limpas desses balnhos, que eram como um oásis nos dias quentes de verão.  Ficavamos ali, mergulhados até a cintura, ouvindo o canto dos pássaros com a vista para a  mata verde que nos cercava. Serviam drinks e tira-gostos diversos, peixes fritos e crocantes. Realmente era muito aprazível.
            O Balneário Rosa-de-Maio ficava Na BR 364, a uns 3,5 Km da cidade. Havia um grande barracão onde funcionava o salão de dança. O local era bucólico, mas para ter acesso a ele tinha que se descer uma ladeira íngreme de terra batida com valas e buracos, pois toda sua estrutura ficava em uma grande depressão do terreno. Eu estava de férias  e era uma noite de sexta-feira de muito calor naquele verão. Tinha emprestado o carro do meu pai para sair aquela noite. Claro que antes tive que ouvir as recomendações de praxe. Assim que entrei  na boate, nem cheguei a sentar, e os amigos que já me esperavam, foram logo avisando que era aniversário do Plinio e que todos só estavam  me esperando para irmos nos encontrar com ele no  Rosa-de-Maio, onde ele iria comemorar seu aniversário. Imediatamente voltei para o meu carro e seguimos para o balneário. A noite estava muito quente e pegamos a BR com a sensação de que viajávamos num deserto, em pleno sol de meio dia. A visão era bucólica e convidativa. Quando lá chegamos, antes de descer com o carro, pude observar que a visão realmente era convidativa. A musica tocava e já havia alguns casais dando volta no salão, dançando bem agarradinhos. Pisei no freio e fui descendo aquela ladeira até chegar no estacionamento, onde vários carros já estavam estacionados. A festa do Plinio começava prometendo ser muito boa. Muita comida, bebida e as mulheres com certeza não iriam faltar. O aniversariante havia prometido pagar toda a despesa. Alguns foram logo pedindo whisky, outros vodka ou mesmo cerveja. A festa rolou e logo cada um já estava com seu par feminino trocando juras de amor. O Plínio tinha ficado com a garota mais engraçadinha, pois era o pagão da noite. Depois, descobri que apesar de ser a mais bonita e “sarada” de corpo, era “fanha”da voz. Mas, o Plínio não estava interessado nem um pouco na voz da sua parceira. Depois de algumas danças no salão, comecei a perceber que o tempo estava mudando e ventava muito, agitando as folhas das palmeiras que ornamentavam o balneário. Chamei o Plinio e argumentei:
-- Acho melhor você pagar a conta e voltarmos pra cidade, pois lá fora tá se formando um forte temporal!
--De jeito nenhum! – retrucou aquela voz fanha da garota enroscada no pescoço do Plinio. –Você não vai levar embora o meu Plinio! E mordia a orelha do Plinio como se mascasse um chiclete. O Plínio já meio embriagado pedia pra ficar mais um pouco:
--Calma aí, cara! Essa chuva não é pra agora! Vamos tomar mais uma gelada. Beijava a boca da “fanha”alisando suas coxas. E pedia mais uma rodada de cerveja. O vento começou a levantar as saias e também as toalhas das mesas, levando ainda os guardanapos.
--Plinio, meu caro, vamos embora rapaz! – apelava eu. Já é tarde e vai cair um toró. Mas o Plinio nem me escutava, tão entretido estava com as coxas da “fanha”. Também não escutava os trovões e não via os relâmpagos que cruzavam os céus.
           Até que o toró caiu! Olhei para o estacionamento e muitos carros já tinham saído. Mas a musica continuava frenética e todos meus amigos continuavam dançando como se lá fora estivesse uma noite de lua cheia e não um dilúvio caindo do céu! Ninguém me dava ouvidos e muito menos o aniversariante. Quando consegui convencer o Plinio e sua amada de que deveríamos sair dali já eram quase 03:00 h da manhã e aproveitamos uma trégua da chuva pra chegar aos nossos carros. A ladeira estava pior que um tobogã, com um barro liso e pegajoso. Os primeiros carros que tentaram sair, não conseguiram. O Plinio disse que iria pegar uma carona no meu carro, pois talvez conseguíssemos, uma vez que eu tinha tração nas quatro rodas. Imediatamente as garotas se escalaram para pegar também a minha carona. Entraram todos no meu carro e começamos a subir a ladeira, mas o carro antes da metade da ladeira começou a derrapar. Puxei o freio de mão e mandei que todos descessem e empurrassem o carro. Todos foram pra trás e começaram a empurrar. Soltei o frei de mão e comecei a acelerar. O carro “patinou”  e, em vez de subir, escorregou de banda e foi cair num buraco a beira da estrada. Quando olhei pra trás, o que vi foi uma cena muito cômica: as garotas todas que estavam bem vestidas, com roupas de seda e detalhes brilhosos, botas longas, bem perfumadas, mais pareciam uns zumbis de lama, escorregando e caindo nas poças d’agua. Ouvi aquela voz fanha, esganada, mas na escuridão não sabia onde ela estava:
--Filha da Puta! Olha só como eu fiquei!
           Não dava pra reconhecer ninguém. Só apareciam os olhos!
--Vamos colocar uns calços nas rodas que eu acho que ele sai. E todos começamos a procurar pedras maiores e pedaços de pau para calçar as rodas do carro.
--Vamos empurrar gente! Vamos!
          O carro foi pra frente empurrado mas jogou outra montanha de lama em cima de todos, derrapou e caiu de novo  em outro buraco, no  lado oposto da estrada. Todos ficaram ainda mais enlameados e, pra complicar, a chuva começou a cair forte outra vez.  Abri a porta do carro e todos estavam ainda mais sujos de lama, espraguejando. Foi então que chamei pelo Plinio:
--Plinio, amigão, tive uma ideia: vê se acha uma corda lá embaixo e nós vamos ver se conseguimos alguém pra  puxar o nosso carro. Mas o Plinio não respondeu. Chamei outra vez e nada! Foi então que a “fanha”, tirando a lama da boca e dos olhos disse:
--Aquele filho da puta não está aqui não! Ficou lá no barracão pagando a conta.
         Então  houve uma corrida de todos os enlameados na chuva, descendo  ladeira abaixo pra pegar o Plinio. Quando voltaram trouxeram a corda, o Plinio todo amarrado e cheio de lama, da cabeça aos pés. Foi aí que, para descontrair, eu propus que  juntos, na chuva e cheios de lama, cantássemos os parabéns pro Plinio, fôssemos todos pra dentro do igarapé até que o sol raiasse com um novo dia. Quem tá na chuva é pra se molhar, quem tá n'água tem que saber nadar e quem tá melado de lama tem que se lavar. E foi o que fizemos.


PVH-RO, 23/09/13

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

MISTER BATSON

O MISTER BATSON

Samuel Castiel Jr.







    


                Ele era barbadiano, idoso e bem alto que chegava a se encurvar pra frente.   Usava   sempre    um chapéu de feltro e também  estava sempre com um cigarro de palha na boca. Parecia até mesmo  que já tinha nascido com aquele chapéu e aquele cigarro pendurado em sua boca. Apesar de idoso era  lúcido e andava firme, sem tropeços. Era de poucas palavras. As vezes, quando ficava zangado com os moleques da rua, xingava todos num inglês que parecia mais um dialeto. Tinha vindo pra Porto Velho na época da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1.907 e, com o termino dos trabalhos ferroviários foi ficando por aqui, nunca mais voltou a Barbados, sua terra natal. Na frente de sua casa, havia um tronco de mangueira, que fora derrubada e foi ficando ali até que já fazia parte do quadro, como se fosse uma moldura da sua casa. No final da tarde, assim que o sol começava a declinar, ele vinha pitar seu cigarro de palha sentado sobre o  tronco caído da mangueira. Juntava-se a ele a Dona Guiomar, uma auxiliar de enfermagem e beata que morava e tomava conta do Mister Batson. Iam então chegando  alguns outros vizinhos que ficavam ali conversando por algumas horas, até que o sol morresse na direção do Rio Madeira e a noite chegasse com o surgimento da lua e das primeiras estrelas no céu. As vezes, apesar da boa índole e atitudes carinhosas com os moradores vizinhos da sua casa, confesso que a figura do Mister Batson me causava medo, principalmente a noite quando ele aparecia com aquele chapéu e o cigarro de palha na sua boca. Parecia uma figura fantasmagórica. Mas, aos poucos fui me acostumando e cheguei mesmo a trocar algumas palavras em inglês com ele. Não sei se ele entendia ou não, mas respondia com algumas frases cujas palavras eu nunca ouvira. Quando comprei meu curso de inglês em discos de vinil chamado “Calling all beginers”, com sotaque purista de Londres, passei a entender melhor o Mister Batson. Mesmo assim, preferia que ele falasse o português, e acho que ele também!...
         O tempo foi passando, e quando ele morreu foi velado apenas pela Dona Guiomar e algumas  vizinhas beatas que ficaram a noite inteira sob a luz de velas, rezando o terço e tomando cafezinho, pois ele não tinha nenhum familiar por aqui.
       Hoje, muitos anos já se passaram, e muitas noites quando a insônia vem me fazer companhia, lembro-me da minha tenra infância, da minha querida mãe, cuidando dos seis filhos adolescentes, que insistiam em jogar bola na rua, sem atender aos  seus insistentes apelos para o  banho do final da tarde; lembro-me também do meu querido pai chegando cansado de mais um dia de labuta. E, sem que eu perceba, ele chega de mansinho e vem compor minhas saudosas reminiscências. Quantas vezes fico a imaginar que o Mister Batson era como aquele velho tronco caído na frente de sua casa, ou seja, quando terminou sua missão na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, foi ficando por aqui até que já fazia parte da moldura da nossa rua e da nossa infância, como aquele velho tronco. E até hoje aquela figura bizarra mas dócil ainda habita  minhas lembranças pueris. Só que agora já não me causa mais medo, pois ele compõe também a moldura distante do meu passado. Acho por isso mesmo que as pessoas dignas quando envelhecem  não morrem mas se transformam e se integram na  pintura de um quadro onde passam espiritualmente a compor a paisagem, sendo a própria   moldura do seu meio  e do seu tempo.


PVH-RO, 19/09/13

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O MATADOR DE ERERÉ

O MATADOR DE ERERÉ

Samuel Castiel Jr









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                    Ele passou a semana inteira falando que seu  primo Dirceuzinho ia chegar. Era preciso ter cuidado. O homem era perigoso. Matador profissional de Ereré, lá do sertão do Ceará, onde já “despachara” pelo menos uns doze. Era seu sobrinho mas ele não podia esconder, principalmente dos fregueses que a anos bebiam em seu estabelecimento conhecido como Bar do Bigode. Seu Chico Bigode estava preocupado com a notícia que recebera dando conta que seu primo matador Dirceuzinho estava a caminho de Porto Velho para revê-lo pois a tantos anos não via. Realmente foi uma semana de apreensão para o Seu Chico Bigode, pois cabia a ele avisar a todos os seus fregueses da chegada inesperada de seu primo matador. Principalmente para aqueles fregueses mais afoitos, que estavam acostumados a tirar certas brincadeiras mais pesadas. Não podia deixar que acontecesse nenhum incidente indesejável dentro do seu boteco. E assim o fez, avisou pra maioria dos fregueses. Todos ficaram apreensivos e, ao mesmo tempo, curiosos. Quem seria aquela figura ameaçadora? Matador profissional?
---Tem sangue frio que nem barata – dizia o Seu Chico Bigode. É melhor não tirar brincadeira com ele – arrematava, com uma ponta de cautela orgulhosa...  Contava com detalhes como o Dirceuzinho matara alguns encomendados, gente que nem conhecia. Davam-lhe a foto dos desafetos, com endereço e alguns hábitos e costumes dos infelizes. As vezes montava compana, ficava a espera dos incautos até que um dia os pegava. Não gostava de arma de fogo, pois além de fazer barulho, atraía curiosos e também a polícia que chegava mais rápido ao local. Gostava mesmo era de matar com faca peixeira, bem amolada. Pegava suas vítimas desprevenidas,  que não tinham como reagir, nem mesmo  gritar. Preferia fazer o trabalho a noite, pois ficava mais a vontade. Também não gostava de usar mascara ou capuz. Fazia o serviço de cara limpa! Não dava a mínima chance para suas vítimas. Enfiava a peixeira primeiro peito, em cima do coração para ter certeza que a morte  se consumaria de imediato. Depois ainda metia sua peixeira na barriga do coitado e girava a lâmina afiada para completar o estrago. Era impiedoso! Gostava de ver suas vitimas com os olhos arregalados, parando de piscar!...Os dias foram se passando e a curiosidade aumentando.
                   Alguns dias depois, passando nas proximidades do Bar do Bigode, resolvi parar para saber das novidades do matador. Era quase meio dia de uma segunda-feira. O movimento no boteco estava parado, não havia ninguém entrando ou saindo. Entrei pela porta lateral e fui gritando de longe:
--- Fala Bigode! Cadê o matador?
              Ele arregalou os olhos e, pedindo silêncio, com o dedo indicador em riste sobre a boca, só faltou saltar por cima do balcão. Falando bem baixinho, quase com mímica labial, apontava para a calçada, que ficava na  outra entrada do bar:
---Homi de Deus, fica quieto que ele tá aí! – dizia e apontava naquela direção.
               Parei assustado e, como não tinha visto ninguém, avancei com cautela  para olhar por trás da coluna. O que vi foi no mínimo intrigante. Um homem pequeno e franzino, moreno escuro,  usando um boné surrado e desbotado. Calçava umas alpargatas franciscanas e estava de pernas cruzadas, quase enroscadas uma na outra. Com um gesto esquisito e afeminado torcia o punho e a mão esquerdos para a frente do seu rosto, lixando  suas unhas com uma serrinha. Muito intrigado com aquela figura, perguntei:
---Quem é Seu Chico?
                Ele falando bem baixinho, quase murmurando, parecendo que falava pra dentro:
---É..É..É o Dir..ceu..zinho. Tenha cuidado!
---Mas Seu Chico, o senhor tem certeza que é esse mesmo o matador?
---Psiu! Fale baixo meu filho! Ele não gosta de ser importunado, principalmente quando corta e lixa suas unhas!...
--- Mas... o senhor disse... Bem, eu pensei que fosse outra pessoa!
                    Notei que o semblante do Seu Chico mudou. Ficou com raiva e retrucou:
---Quer dizer que você também não corta suas unhas de vez em quando?!
---Sim de vez em quando eu corto. Mas não preciso ficar nessa posição desmunhecante!
---Você tá duvidando da minha palavra, rapaz?
     Enquanto ele falava, mais se exaltava. Já estava quase gritando. Eu tinha me esquecido até do matador lá fora e acho que ele também. Foi então que ouvi aquela voz bem fininha vinda lá da mesa do Dirceuzinho:
--- Priminho Bigode, por favor traga aquele esmalte de base incolor que eu já cortei e agora vou pintar minhas uninhas. Se não for pedir muito, traga também aquele copo de leite e o cuscuz que o senhor disse que ia esquentar aqui pro  seu chegado!...
             O Seu Chico Bigode estava vermelho de raiva a ponto de ter uma apoplexia. Olhou pra mim furioso e disse que já ia fechar o boteco. Quase me expulsou. Quis ainda questionar mas ele finalizou:
--- A última estadia dele no Urso Branco estragou esse rapaz. Ele me disse que andou apanhando demais dos outros presos na mesma cela. Acho que bateram muito na cabeça dele. Ele já não é  mesmo nem a sombra do passado!
               Saí com um ponto de interrogação na cabeça. No sábado seguinte, quando voltei ao boteco, encontrei vários dos amigos que lá frequentavam. Alguns deles também tiveram a oportunidade de conhecer o Dirceuzinho. Perguntei então a um deles, o Paulão, um mineiro de bigodes brancos que fala muito grosso e anda de botas cheias de barro e cocô quando volta de sua fazenda:
--- Ô Paulão, você acha que o Dirceuzinho, com aquela serrinha de unha mata alguém?
---Mata não, dotor! Mata não!...

PVH-RO, 16/09/13

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A CAÇAMBADA

A  CAÇAMBADA

Samuel Castiel Jr.











                       “O destino é cruel e os homens são dignos de compaixão.”
                         Arthur Schopenhauer


           O velho relógio na parede marcava 17:15 h. O expediente da Prefeitura encerrava-se as 17:30 h. Era uma sexta-feira e eu estava doido pra sair e começar meu final de semana. Mas o telefone tocou quando eu já arrumava minhas coisas pra sair. Atendi. Do outro lado da linha a voz rouca do chefe da garage ordenou-me que liberasse uma das caçambas basculantes  que estavam no pátio para atender a uma emergência no bairro da Olaria. O motorista Nilson  Oliveira já estava se dirigindo para a garage com o objetivo de sair com  a caçamba. Ainda perguntei se seria preciso esperar seu retorno para guardar a viatura.
-- Não. Você libera a caçamba e pode sair.
           E foi exatamente o que fiz. Entreguei a chave para o Nilson que apenas me perguntou se o carro estava abastecido.
-- Sim. Lavado e abastecido – respondi a ele.
        Como responsável pelos veículos oficiais da Prefeitura, recebia ordens diretamente do Prefeito José Saleh Moreb ou do chefe da garage.
             Nunca imaginei que naquela noite do dia 26 de setembro de 1962 eu estaria indiretamente envolvido com um dos maiores crimes políticos do País.
         Havia naquela época dois grandes grupos políticos em Porto Velho: Cutubas e Peles-Curtas, e que viviam se degladiando e se alternando no poder. Os cutubas eram liderados pelo Cel. Aluizio Ferreira que representava a direita toda poderosa e que já estava no seu terceiro mandato de deputado federal. Os peles-curtas eram capitaneados pelo médico Renato Climaco Borralho de Medeiros, líder negro da coligação de centro, presidente do partido Social-Progressista e comandante da Frente Popular, e que surgia como a grande esperança dos oprimidos, perseguidos, pobres e desvalidos. Nesse ano, 1962, o Cel. Aluizio Ferreira decidiu não mais concorrer a vaga de Deputado Federal, porém indicou seu substituto, o Major e Engenheiro Militar  Enio Pinheiro, seu primo, o qual já tinha sido Diretor Geral da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e Governador  nomeado pela segunda vez, por indicação novamente de  Aluizio Ferreira em 1961. A disputa ficou acirrada como sempre e naquela noite de 26 de setembro de 1962, os pele-curtas faziam seu último comício antes da eleição.
           Nilson saiu da Prefeitura as 17:30 h, com a missão de ir prestar um socorro no bairro da Olaria, mas dizem que na realidade essa caçamba teria ido dar suporte ao comicio dos cutubas que, simultaneamente estava acontecendo no bairro do Areal. Na volta, ele "erra" o caminho, que é diametralmente oposto, e dá de cara com a multidão de aproximadamente 5.000 pessoas aglomerada para o comício dos peles-curtas, na rua Lauro Sodré, próximo onde funcionau a Rondasa, antiga concessionária da Volkswagen. Estaciona a caçamba e vai até um boteco na esquina tomar um trago. Conhecia bem aquele bairro, pois ali perto ficava o “randevous” da Delicia, onde vez por outra levava suas namoradas. Bebeu vários tragos e, mais tarde, resolveu que deveria ir embora. Ao se dirigir ao veículo, que estava estacionado próximo a uma esquina, foi reconhecido por alguém que gritou:
--Olha aqui um traidor cutuba! Vamos dar umas porradas nele, gente!
            Nilson correu em direção a caçamba, trancando rapidamente as portas. A multidão enfurecida começou a apedrejar o veículo e tudo virou uma histeria e fúria coletivas. Foi então que Nilson acuado e apavorado, com medo de ser linchado, ligou o motor e saiu com a caçamba, na tentativa de chegar até a esquina para tentar sair do meio daquela turba enlouquecida. O pânico então se estabeleceu e o horror se estampou no rosto das pessoas que aos gritos caiam, eram pisoteadas ou atropeladas pela caçamba. Corpos feridos, ossos quebrados, gritos de desespero. A caçamba felizmente estancou e o Nilson conseguiu sair do veículo, misturou-se na multidão, mas foi preso imediatamente, o que o salvou do linchamento. Os feridos e quebrados chegavam aos montes ao Hospital São José ( hoje Policlinica da PM). A Direção do Hospital solicitou a presença de todos os médicos para ajudar no atendimento aos feridos. Para completar esse quadro de desespero, as luzes da cidade apagavam-se a meia noite para poupar combustível e geradores, só voltando a funcionar as 5:00 h da manhã. A escuridão só era quebrada pelos farois dos carros que passavam em alta velocidade, levantando muita poeira. O quadro era aterrador! As pessoas desesperadas em busca de notícias e de seus familiares aglomeravam-se na porta do Hospital São José. Mesmo assim, para o grosseiro e coletivo atropelamento, as vitimas fatais, que morreram no local, foram apenas três, porém dezenas de feridos e quebrados foram contabilizados. Proporcionalmente, e caso a caçamba não tivesse estancado, poderia ter sido bem pior. Os peles-curtas no dia seguinte saíram numa passeata pela avenida 7 de Setembro, clamando por justiça e pedindo a punição dos culpados. Esse episódio marcou o fim do aluizismo, pois o médico negro Renato Medeiros ganhou as eleições com ampla maioria. Entretando a Revolução de 64, sepultaria por mais de 20 anos o sonho dos oprimidos que ansiavam  por uma república socialista que jamais viria acontecer no País.
            Intrigado com essa tragédia da caçambada, cheguei a prestar depoimento junto a polícia, pois afinal, como funcionário da Prefeitura, tinha liberado a arma do crime para o Nilson naquela fatídica sexta-feira. Esperei  algum tempo e, muito chocado ainda com o que acontecera, e com as hipóteses levantadas de que o Nilson teria recebido ordens do  próprio Prefeito para atropelar a massa de peles-curtas, fui visitar o motorista encarcerado na Casa de Detenção, para onde foi levado depois de ficar alguns dias preso no quartel militar do exercito, pois temiam por sua segurança. Encontrei-o em estado deplorável fisicamente, sujo, magro e barbado, apresentando ainda as marcas visíveis de espancamentos. Perguntei-lhe então o que o levou a cometer aquele massacre com a caçamba, e se alguém o incumbira dessa missão escabrosa. Disse-me que não, que ninguém lhe deu missão alguma. Tudo acontecera por uma infeliz obra do destino. Tinha que ser ele, um simples e pobre trabalhador da Prefeitura, para se envolver nesse imbróglio político sem precedentes na história. E foi assim que, com esse triste e trágico episódio, o Nilson sem perceber sepultava de vez e colocava uma pá de cal no domínio aluizista.
              Antes de me despedir do Nilson na Casa de Detenção, ele me confessou que muitas noites tinha pesadelos horríveis, onde se transformava  num escorpião negro e um caudilho truculento ateava fogo num circulo em torno dele, até que se matasse com o veneno do seu próprio ferrão. Acordava então aos gritos, banhado de suor. Nunca mais tornei a vê-lo.

Nota do Autor:  Alguns dados, datas e nomes de personagens foram extraídos do Documentário  do Jornalista Zola Xavier, publicado no Jornal Alto-Madeira, edição de 08 e 09/09/09.


PVH-RO, 10/09/13

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O DOBERMAN

O  DOBERMAN

Samuel Castiel Jr.









                  “ O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado.”
                      ( Vinicius de Moraes).




               Sempre gostei de criar cachorros da raça Doberman. Seu porte elegante, musculatura forte e delineada, sua Inteligência aguçada e sentido de permanente alerta, foram os principais dotes responsáveis de  minha predileção por essa raça. Além do mais, extremamente dóceis, amigos e fieis companheiros, inseparáveis de deus donos, capazes mesmo de sacrificar suas vidas na defesa de seus donos e amigos. Também, é a única raça canina que herdou o nome de seu criador: Friedrich Louis Dobermann( 1834 – 1894), que era um alemão coletor de impostos e, nas horas de folga, era legalmente habilitado a apanhar todos os cães perdidos da rua, com os quais formou seu plantel, escolhendo sempre os mais fortes, com características do cão ideal, que ele procurava. E ele procurava um cão que o acompanhasse em seu trabalho, enfrentasse  bandidos, não temesse nada e fosse capaz de arriscar sua própria vida se necessário. Foi assim que Herr Dobermann deu inicio aos seus primeiros cruzamentos de raça, no século XVIII, com o objetivo de conseguir o cão ideal. Inicialmente cruzou cães chamados” carniceiros” que tiveram papel importante na raça Doberman. Eram cães primitivos da linhagem Rottweiler com um tipo de pastor de cor preta com marcação castanho. Assim a raça Doberman  foi se aprimorando, passando também pelo Pinscher, de onde vieram algumas de suas características sensitivas, principalmente o alerta e a elegância. Afetuoso, depois de alguns anos de convívio  com o Doberman, percebe-se que não precisamos falar, ele entende o que desejamos e procura nos atender. “ Você se torna parte dele e ele se torna parte de você: e a única parte trágica de ter um Doberman é aquela parte de você que é enterrada junto com ele quando ele morre” –Frank Grover no livro “The New Doberman Pinscher”. O Doberman é um cão muito inteligente, afetuoso e obediente, tem muita força, velocidade e agilidade. Quando é criado desde filhote, torna-se amigo fiel e inseparável das crianças.  Tem grande necessidade de atenção, é ciumento, gosta de estar sempre ao lado do dono e faz qualquer coisa por ele. Gosta de correr e saltar em todas as direções, desviando-se de chutes, tiros e facadas. Isso faz do Doberman um excelente cão de guarda. Sua pelagem é curta e a pele bem ajustada ao corpo, tem  senso de higiene e é de fácil manejo. Sua cor é basicamente negra com marcas marrons ou todo marrom. Tem olhos cor de mel ou castanhos claros.
                    Na minha fazenda sempre criei muitos Dobermans. Participei de concursos da raça e ganhei muitos prêmios. Sempre tive um plantel invejável desses cães tão especiais. Muitos dele foram campeões, pois além de muito inteligentes eram amestrados.
                     Alberico era um amigo e vizinho da minha fazenda na antiga gleba do Burareiro,  seringal 70,  no município de Theobroma, em Rondônia. Vivia com a mulher Marta e a filha Estelinha, de 10 anos. Quando ia me visitar ficava encantado com meus Dobermans. A Estelinha brincava horas a fio com os filhotes que mamavam e se rolavam na grama. A Marta entretando tinha certa reserva e procurava se manter a distância dos animais, pois dizia que não confiava neles.
                       Argus era um filhote Doberman negro de 3 meses,  o maior macho da ninhada que nascera recentemente. Tinha porte de campeão, pois seu cruzamento  era puro, tinha pedegree dos melhores da região. Alberico ao ver o animal, disse-me que gostaria de comprá-lo, pois sua filha Estelinha faria aniversário naquele mês e o levaria de presente para ela. Mesmo eu argumentando que sua mulher Marta poderia não gostar do presente, Alberico insistiu e acabei cedendo. Não lhe vendi o filhote, mas dei-o recomendando-lhe que também era um presente meu. O Argus cresceu e ficou adulto, musculoso, pelo negro macio e brilhante, com um porte digno de um espécime campeão da raça. Era dócil, obediente, e passava horas brincando e correndo com a Estelinha. Mesmo assim, sua mãe Marta mantinha reserva e tinha preocupações com aquele cão. Já ouvira estórias de ataques a crianças da própria família. Não foi atoa que essa raça fora escolhida pelo próprio Hitler para auxiliar a GESTAPO  a  trucidar judeus nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial – dizia.
-- Não é bem assim,  Marta – argumentava Alberico.  O Doberman sempre foi um cão injustiçado por essas estórias fantasiosas e infames. Acho que por causa de seu porte elegante, sempre alerta, veloz e ágil, muitas estórias e mitos foram criados para desacreditar a raça como um verdadeiro  cão de guarda. E muitas dessas estórias o colocam como assassino, traiçoeiro e carniceiro. Mas tenho certeza que nada disso é verdadeiro. O Doberman é vai continuar sendo o cão ideal tanto para companhia como para guarda, por todo o conjunto físico e o bom caráter que possui. Veja o nosso Argus, não existe cão melhor que ele! Acompanha-me pra onde eu vou, brinca com nossa filha, deita-se aonde estamos, não perturba com latidos desnecessários e guarda nossa casa dia e noite. Seu porte e aspecto chega mesmo a desencorajar qualquer ladrão ou bandido que de nós se aproxime. Quando chego em casa ele me espera no portão, sempre alerta para qualquer movimentação estranha que possa acontecer. Recebe-me com carinho, quase em pé, deita sua cabeça no parapeito da janela para que eu possa acariciar seu pescoço. Enfim, acho que temos o cão ideal!
-- Não sei não!... dizia a desconfiada Marta.
             Certa noite chuvosa, Alberico foi acordado altas horas da madrugada, com o gemido de sua esposa que, com febre alta, sentia muitas dores no abdome e tinha náuseas e vômitos. Não sabia de que se tratava, mas de uma coisa tinha certeza: precisava urgente levá-la para o hospital. E foi o que fez. Colocou-a em seu carro, as pressas e saiu rumo ao hospital, porém antes deu uma olhada no quarto de sua filha que dormia tranquilamente. Não quis acordá-la, porém deixou que o Argus entrasse e ficasse ao lado da sua cama. Na emergência do hospital, o médico diagnosticou apendicite aguda supurada. Pecisava operá-la imediatamente. Não podia esperar nem mais um minuto, pois a vida de Marta corria serio perigo. Levada para o Centro Cirúrgico, foi operada em caráter de urgência. Quando o cirurgião abriu o abdome, havia grande quantidade de pus que extravazara do apêndice supurado. Alberico ainda atordoado, ficou no corredor do centro cirúrgico andando de um  lado para outro, esperando o término da cirurgia. Finalmente sua esposa foi levada para o leito hospitalar onde deveria permanecer em observação. Estava ainda sob o efeito da anestesia. Alberico foi então informado pelo ciurgião de que a cirurgia transcorrera dentro do esperado, porém era preciso que sua esposa ficasse internada, sem previsão para ter alta, dependendo da evolução no pós-operatório. Alberico então resolveu que voltaria para casa, pois já era bem tarde, quase noite. Ao chegar, estacionou sua Hillux na garagem e entrou na casa. Achou estranho que a porta estivesse aberta, apenas encostada. Mas, com a pressa que saíra, talvez tivesse esquecido de passar a chave. Na sequência, o Argus lhe apareceu com a boca e o focinho tudo sujo de sangue. Desesperado, lembrou-se da desconfiança de sua esposa e o que se passou foi extremamente rápido. O Argus teria atacado  covardemente  sua filha. Num ato reflexo, puxou sua pistola e atirou duas vezes no cão, que caiu num latido final de dor. Alberico ainda com a arma em punho correu e adentrou no quarto de sua filha. O que viu o chocou ainda mais:  um homem estendido no chão com um capuz parcialmente estraçalhado ao lado de sua cabeça, com o pescoço todo furado e dilacerado. Correu para o banheiro de onde ouviu o choro de sua filha. Estelinha estava escondida atrás da porta, sentada no chão, soluçando e chorando muito, sem conseguir falar. Percebendo o que acontecera, Alberico volta desesperado até a sala onde o seu cão dava os últimos suspiros, banhado de sangue.
-- Argus, Argus! – gritava ele com toda a força de sua voz.
    O doberman ainda balançou o côto do seu rabinho antes de morrer.


PVH-RO, 03/09/13