segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

UM ROSTO NA VIDRAÇAÇA

UM ROSTO  NA VIDRAÇA

Samuel Castiel Jr.













          Vivia meus 16 anos. Naquele dia meu pai chegou eufórico para o almoço. Olhou para minha mãe, apontou o dedo para mim e disse:
---Lolita, consegui um emprego pra ele. Já começa amanhã.
          Sem  ter o que argumentar, restou-me continuar ouvindo meu pai explicar entusiasmado que era numa agência bancária do Banco da Lavoura, que estava chegando a nossa cidade. Conhecera o gerente através de um amigo comum e, de imediato, já conseguira meu emprego. Seria muito bom para mim começar a trabalhar naquela idade, pois poderia aprender muitas coisas, valorizar o trabalho e sair da molecagem. O serviço era bem simples. Tinha que limpar a agência antes de começar o expediente. E para isso tinha que chegar a agência bem cedo, ou seja, as 6:00 h, fazer o serviço e voltar para casa, tomar banho, vestir a roupa social com gravata, voltando ao banco para abrir a agência as 8:00 h em ponto, de 2ª. a 6ª.feira. O horário do almoço era das 12 as 14:00 h, sendo que a tarde o expediente era interno. Como nossa casa era relativamente próxima a agência, não precisava de condução, podendo mesmo ir e voltar a pé. Aos sábados a tarde, tinha que encerar a agência, deixando-a bem limpa e cheirosa para a nova semana. Também era minha função fazer o café para os demais funcionários. Para quem nunca tivera nenhum emprego, nenhuma responsabilidade a não ser correr de peito aberto  atrás de papagaios, jogar peteca e futebol, seria uma experiência absolutamente nova.
            Mal o dia clareava, já estava eu a caminho do banco, cheio de entusiasmo e disposição, pois com o tempo comecei a gostar do meu trabalho e “vesti a camisa”. Apesar desse meu primeiro emprego ter me afastado dos folguedos pueris, lá estava eu bem vestido, com uma gravata no pescoço e me sentindo muito útil ao serviço bancário, como se fosse grande agente econômico da Wall Sreet. As vezes, confesso, que me sentia constrangido  quando entravam na agência colegas e amigas minhas pra falar com o gerente e ele batia na campainha me chamando:
-- Traga dois cafés por favor!
            No início ficava envergonhado diante das pessoas que me conheciam, mas depois fui me acostumando e algum tempo depois já não me importava muito nem com a campainha nem com os cafés.
             Meus colegas de trabalho eram muito eficientes e me tratavam muito bem. Lembro-me do Mizerani (gerente) do Guinard, do Ormiro, do Zé Lima que antes do banco abrir era açougueiro no Mercado. Lembro-me também do Valter Santos e do Oziris Lobo. E apesar de tantos anos que já se passaram, esses amigos são muito nítidos na minha memória.
             Certo dia saí cedinho de casa, como sempre. As ruas sem asfalto e o capim ainda estavam molhados do orvalho caído na noite. Ia com a cabeça cheia de pensamentos, remoendo a saudade dos folguedos da infância que estavam ficando para trás. De repente olhei para o lado e o meu olhar foi surpreendido por um rosto olhando-me furtivamente através do vidro de sua janela. Era uma casa do tipo chalé, de dois pisos. Aquele rosto angelical, de mulher loura e linda, porque estaria ali, postada, aquela hora, ao raiar do dia, a me olhar passando na rua? Atônito com esse olhar enigmático, fiz que não a vi, pois não quis que percebesse que eu a descobrira. Poderia nunca mais voltar a olhar-me passando... E continuei o meu caminho, pensando que daria tudo para vê-la outra vez, a olhar-me através da sua janela. Nesse dia, as horas pareciam que se arrastavam, o banco parecia que não mais ia encerrar aquele expediente, tão ansioso eu estava para saber se aquele rosto lindo voltaria a me olhar no dia seguinte, através da vidraça. No dia seguinte  passei e olhei de soslaio, e como um raio, numa fração de segundos, nossos olhares se cruzaram. Meu coração recebeu uma carga de adrenalina e acelerou. Acho que ruborizei. Trabalhei ainda naquele  Banco por um ano, quando pedi demissão pois tinha que continuar meus estudos fora do Estado. Mas enquanto eu continuei passando naquela rua, bem cedinho, lá estava aquele rosto enigmático na vidraça. Muitos anos se passaram e até hoje ele ainda povoa minhas recordações. Porque ela me esperava apenas para me ver passar, sem nenhum aceno, sem nenhum sorriso, sem um gesto sequer? Nunca tive e sei que nunca vou ter essa resposta. Foram apenas um rosto e um olhar que se perderam através da vidraça, mas que marcaram indelevelmente a minha memória.


PVH-RO, 10/02/14






            

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