quarta-feira, 19 de novembro de 2014

MISTÉRIO NO GARIMPO



MISTERIO NO GARIMPO

Samuel Castiel Jr.


       
          A água era escura e barrenta. A visibilidade não deveria passar de uns dois metros mas foi suficiente para ver aquele vulto de mulher sem nenhuma roupa de mergulho, ou melhor, sem nenhuma roupa de nada.Estava absolutamente nua. Olhava-me com um sorriso malicioso. De repente apontou na direção oposta para onde eu nadava como se me chamasse. Senti-me atraído e não pude resistir. Nadei em sua direção, seguindo aquele corpo de mulher nua e sensual, de cabelos compridos e negros. Quem seria? Havia muitas mulheres naquele garimpo, mas todas elas tinham outras atividades, como cozinheiras, amantes ou simplesmente vendendo seus corpos. Mas nenhuma delas tinha aquela  silhueta, aquelas formas sensuais. Também nenhuma delas mergulhava aquela profundidade em busca de ouro, muito menos sem nenhum equipamento... Como se estivesse hipnotizado, continuei nadando seguindo aquela mulher misteriosa. Quando nos aproximávamos de um barranco profundo, ela parou e apontou mais uma vez em direção ao barranco e nadou rapidamente até desaparecer nas águas barrentas daquele rio. Cheguei bem perto do barranco, cravei meu "abacaxi" no barro e acionei o botão elétrico fazendo aquela tralha se aprofundar no barro, cavando e ao mesmo tempo aspirando todo o barro, jogando-o para a superfície, onde toda aquela terra misturada com pedras iria ser lavada e decantada, sobrando no final do processo só o ouro amarelo em forma de pepitas ou mesmo como pequenos grãos de areia fina. Depois de mais ou menos uma hora nesse trabalho, parei e dei sinal para ser içado. Pouco tempo depois de subir na Balsa, fui surpreendido com a euforia de meus companheiros, que gritando vieram cumprimentar-me:
--Viva ARTHUR! Vamos "bamburrar"! Pelo jeito estamos em cima de um filão. É muito ouro, cara!
      No garimpo as notícias correm rápido. No dia seguinte, quando o dia mal clareou, nossa balsa estava toda cercada por dezenas de outras balsas e dragas, todos ávidos por mergulhar e também extrair aquele ouro das profundezas do rio, no mesmo filão que eu descobrira, com a orientação, é claro, daquela mulher misteriosa. Garimpeiros experientes começaram a mergulhar bem cedo. Levavam seus equipamentos de mergulho com o tubo de oxigênio e pipetas enfiadas nas suas bocas. Alguns portavam "pés-de-pato". Mas levavam também seus "abacaxis" para perfurar e sugar a barranqueira. Estava assim formada o que eles chamavam de "muvuca". Nesse dia, começaram os mistérios e problemas: dois garimpeiros não mais voltaram de seus mergulhos. Foram encontrados boiando rio abaixo, depois de 2 dias de buscas sem nenhum êxito. Nos dias que se seguiram mais mortes foram contabilizadas. Sempre os corpos boiando rio abaixo. Nos meus mergulhos continuava a ver a mesma mulher que ora apontava para um lado, ora para outro, fazendo com que minha produção de ouro sempre fosse a melhor daquele garimpo. Como aparecia, desaparecia nas águas barrentas. Depois de alguns dias, com as mortes acontecendo, todos os mergulhadores estavam em pavorosa, com medo de mergulhar. Até que um dia um garimpeiro foi içado quase morto. Conseguiu sobreviver, após ser acometido de febre altíssima por vários dias, quando delirou muito, sempre falando de uma mulher que encontrou lá embaixo das águas barrentas.
--Ela estava lá! Era linda, corpo perfeito, cabelos longos e negros. Chamou-me para nadar com ela e afastou-se levando-me para o canal do rio, longe da barranqueira. Em determinado momento aproximou-se mais de mim e rapidamente cortou meu tubo de oxigênio. Quando ia cortar minha corda de içamento, liguei o botão do "abacaxi" e apontei em sua direção. Imediatamente ela se afastou e desapareceu nas águas revoltas e barrentas. Fui içado e estou salvo graças ao meu bom Deus! Escapei por pouco!
Ouvi tudo que aquele garimpeiro contou e não tive dúvida: era ela! A mesma mulher misteriosa que me levou até aquele filão de ouro. Não contei nada a ninguém, pois iriam achar que eu estava blefando ou ficando louco. As coisas começavam a se encaixar. Mas porque aquela mulher misteriosa matava os garimpeiros? Porque comigo ela foi agradável e levou-me para o filão de ouro? A noticia se espalhou rapidamente e ninguém mais se atreveu a mergulhar naquelas águas. Com medo mas muito curioso, depois de alguns dias, quando as balsas e dragas já haviam deixado aquele local e quando o nosso entorno já estava livre daquela "muvuca", aproveitei para dar um último mergulho, pois a noite estava muito clara com uma grande lua que deixava dourada a superfície do rio. Ao descer a cerca de uns 5 metros, fiquei apavorado, pois a mesma mulher apareceu na minha frente. Procurei acalmar-me, pois seu semblante era amistoso e havia em seu rosto o esboço de um leve sorriso. A lembrança da morte inexplicável de muitos amigos garimpeiros, com medo daquela silhueta encantadora e fatal de mulher, puxei a corda dando sinal para ser içado. Imediatamente ela se postou a minha frente e cortou a corda de içamento. Senti que era chegada a minha vez de morrer...Mas, em vez de arrastar-me para o meio do rio, como fez com os outros, ficou colada abraçando  o meu corpo, tocou a minha face com seus dedos, beijou meu rosto e abraçou-me num gesto  de afago sensual. Fiquei estático e arrebatado, tomado de um sentimento de profundo amor! Na seqüência ela impulsionou-me para a superfície e num gesto de carinho despediu-se com um aceno de adeus.
Quando cheguei a superfície, meus companheiros estavam em pavorosa agitação              e gritaria:
--Home, que aconteceu lá embaixo? Pensávamos que seria mais um morto pra aparecer boiando!...Você é louco? Bem que avisamos o perigo que iria correr!...
       A lua silenciosa e indiferente continuava iluminando como um farol aquelas águas barrentas.
        No dia seguinte nossa balsa desatracou e fomos embora com alguns quilos de ouro e eu, com essa lembrança inexplicável que irá comigo até meus últimos dias!...


PVH-RO, 19/11/14.

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