quarta-feira, 8 de maio de 2013


A MALDIÇÃO DA PEDRA
                             Samuel Castiel Jr.

 Ele era descendente de índios peruanos. E não era nenhum pouco simpático! Pelo contrario, fazia questão de parecer uma figura enigmática, com cara de poucos amigos! Cabelos negros e lisos, barba e bigodes cheios, quase não sorria e quando o fazia mostrava dentes estragados. Mas gostava de artes. Pintava quadros a óleo e a fresco, bem como fazia esculturas diversas em materiais diversos. Tinha também a mania de colecionar pedras rústicas que encontrava nas ruas e pelas cidades por onde andava. Nessas pedras que, como dizia, a natureza esboça a sua arte primária, ele dava apenas alguns retoques e  as transformava em verdadeiras obras de arte! Possuia varias delas e as guardava enfileiradas na entrada de sua casa, uma estância, ao longo da calçada. No fundo dessa estância, formada por vários apartamentos, morava a Tia Ione, funcionária pública aposentada e respeitada por todos seus vizinhos.

       Num sábado a Tia Ione resolveu fazer um almoço pra rever velhos amigos, pois desde que fora operada de uma artrose do quadril, ficou de cadeira de rodas e raramente saía de sua casa.

        Durante o almoço chamou e nos apresentou seu amigo e vizinho peruano, Arturo Duendes, artista plástico e escultor. Assim como entrou saiu, dizendo apenas pra todos:” mucho prazer em conocer bocês” com aquele sotaque andino. Nenhum toque de mão, nenhum sorriso, mesmo forçado!

        Comemos e bebemos a vontade, sendo que bebemos mais do que comemos, pois o calor estava insuportável! A tarde foi passando e já era quase noite quando nos despedimos da Tia Ione pra irmos embora, pois dos convidados só nós ainda estávamos ali! Já saindo pelo corredor da estância, avistamos a coleção de pedras de Arturo Duendes, postada ao longo da calçada, com um espaçamento de mais ou menos 1,5m uma da outra. Foi aí que partiu a ideia de levar uma daquelas pedras! A nossa amiga que nos acompanhava não contou duas vezes: pegou uma das pedras e entrou com ela em nosso carro! Em casa fomos olhar melhor aquela pedra: tinha o formato de um rosto espectral, assimétrico, irregular e, mesmo com a ajuda de Arturo Duendes, podia-se dizer que era uma coisa horrorosa, deformada, e a boca torta exibia uma fenda com lábios caídos, como se fosse uma seqüela de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Confesso que ficamos impressionados com a feiura  macabra daquele rosto! Sem saber o que fazer com aquela pedra, representando um rosto monstruoso, depositamo-la em na mureta do nosso jardim. Foi o nosso segundo erro! Esquecemos a pedra e na segunda-feira nossa vida e nossa rotina continuaram normais, como sempre. Porém, já no domingo mesmo a Tia Ione telefonou pra nossa amiga, autora do furto, pedindo pelo amor de Deus que devolvesse a pedra do Arturo, pois ele estava possesso! Descobrira o roubo de uma de suas obras de arte e ameaçou que se a pedra não voltasse pra ele, sua maldição seria maligna!... Iria invocar a mandinga que aprendera com seus avós, e que vinha dos incas!

-- Devolva, minha filha! -- dizia a Tia Ione. Não sabemos quão poderosa pode ser essa mandinga, essa maldição! Coisa milenar, dos incas, você sabe...Tenho certeza que foi você! Apesar de você ser sempre muito brincalhona, é melhor devolver essa pedra!

-- Não Tia Ione! Dessa vez você se enganou! Não fui eu!

        Os dias foram se passando e as coisas começaram a acontecer em nossa casa: o motor do portão eletrônico queimou, a geladeira e as centrais de ar condicionado pararam de funcionar. Até então achavamos que eram meras coincidências!...Nem nos lembrávamos mais da tal pedra! Aí aconteceu um curto-circuito, quase fazendo nossa casa pegar fogo! Foi então que caiu a nossa ficha: a pedra deixada na mureta do nosso jardim! Não que a gente acredite em bruxarias, mas por via das dúvidas, pedimos imediatamente que a nossa amiga autora do feito levasse aquela pedra pra bem longe da nossa casa! Assim foi feito! Estando com o carro emprestado de uma colega sua, nossa amiga pegou a pedra, colocou-a em uma caixa de sapato e levou-a dentro do porta-mala do carro. Acontece que, tendo outros afazeres, esqueceu a pedra. Na sequencia dos fatos, sua amiga bateu o carro, quase dando perda total! Na semana seguinte um ladrão entrou na sua casa e levou tudo que havia por lá! Quando seu carro saiu da oficina, ela o mandou lavar num posto de gasolina, sendo que o lavador do posto ligou para ela perguntando o que deveria fazer com aquela pedra colocada na caixa de sapato e que ele encontrara no porta-mala de seu carro: era pra deixar lá ou podia jogar fora? Foi então que caiu também a ficha da amiga dona do carro, a qual já tinha ouvido comentários sobre os estragos que a pedra andava produzindo:

-- Filha da Puta da Thays! Ela deixou a pedra dentro do meu carro!!!

      No dia seguinte, estampado  em todos os telejornais e sites:” POSTO DE GASOLINA PEGA FOGO!”

      Foi até aí que eu segui o rastro de sinistros polarizados pela pedra de Arturo Duendes!

      Não que eu acredite nessas coisas... mas como dizem os argentinos:  ” Yo no creo en brujos, pero que hay, hay!...”

 Nota do Autor:  1. Tradução: Eu não acredito em bruxos, mas que eles existem, existem!...

                             2. Qualquer semelhança com fatos e personagens desta estória, terá sido mera coincidência.

                                                                                         PVH-RO, 03/05/13

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