sexta-feira, 9 de agosto de 2013

UMA QUESTÃO DE FÉ

UMA QUESTÃO DE FÉ
Samuel Castiel Jr.












              Até hoje os terreiros de umbanda existem em grande número na cidade  de  Porto Velho. Se mergulharmos no passado, vamos encontrar essa cultura enraizada tanto no negro quanto no  índio. Segundo estatísticas recentes, já contam com mais de cem terreiros umbandistas em pleno funcionamento. São frequentados por pessoas de todas as classes, desde as mais simples até empresários, passando por profissionais liberais e também políticos. Todos vão  em busca de objetivos os mais diversos possíveis, porém todos ou quase todos tem uma coisa em comum: a fé. Aqueles que não acreditam e vão lá apenas por mera curiosidade, geralmente não são bem vistos pelos pais de santo ou babalourixás. Quando os tambores começam a tocar, forma-se uma grande roda de homens e mulheres que começam a dançar. A medida que o ritmo vai ficando mais frenético, aproxima-se o ápice do ritual que é a “incorporação” do caboclo, e que pode ser em qualquer pessoa, ou em mais de uma, desde que ela seja médium. Antes disso porém, ainda com os tambores batendo suavemente, existe a necessidade de extrema concentração para que a “entidade” possa baixar nos seus “cavalos” como eles chamam esses irmãos que recebem os caboclos. As pessoas vão rodando e dançando, dançando e rodando, procurando o máximo de concentração.
         No passado, alguns terreiros se destacaram, como por exemplo o Terreiro ou Batuque  de São Benedito ou Samburucu, da Dona Chica Macaheira, o Terreiro ou Batuque de Santa Bárbara da Dona Esperança, cujo pai de santo, um dos mais famosos era o Albertino, o Terreiro ou Batuque de São Sebastião, cujo dono e pai de santo era o Celso. Esses certamente       foram    os   Batuques   mais frequentados e mais importantes nas décadas de 50 e 60.
      Cangati, Nelson, Melba e mais alguns outros, eram amigos de festas e gostavam mesmo de se divertir. Combinaram que naquele sábado, antes iriam tomar uns whiskys e quando fosse lá pelas tantas,  quando o Terreiro de Santa Bárbara fosse começar, todos iriam pra lá, pois queriam ver de perto o batuque dos tambores e também – quem sabe? – pegar alguma daquelas neguinhas que ficavam rodando de pés descalços naquele terreiro. A proposta partiu do Cangati e foi logo aceita por unanimidade. Próximo das 22:00h, já com alguns whiskys na cabeça, o Cangati e seus amigos partiram para o Terreiro de Santa Barbara. Estavam todos vestindo roupas brancas, como era recomendado para visitantes que estivessem dispostos a assistir a sessão de incorporação. Chegaram, cumprimentaram o pai de santo Albertino, que pediu a eles que tirassem seus sapatos antes de ingressar no Terreiro. Na sequencia postaram-se sentados nos tapetes que cobriam o chão, em volta de todo o círculo do terreiro. Ouviu-se então o toque dos primeiros tambores e imediatamente a roda de pessoas foi se formando, dando as primeiras voltas naquele salão de chão-batido. O Albertino vinha na frente, todo de roupa branca, com um pesado colar de conchas do mar e um turbante também branco. Depois de algumas voltas, o Cangati começou a ficar inquieto, pois queria beber whisky ou qualquer outra bebida. Perguntou aos amigos se não iriam servir nada mas ninguém sabia informar. O som dos tambores começava a ficar mais alto! O Cangati esperou o Albertino passar e perguntou a ele:
--E aí Albertino, não tem nenhuma bebida pra nós?
          Acontece que o Albertino estava concentrado, de olhos fechados, e ainda com o som do batuque, não ouviu nada e passou no ritmo do batuque, com os braços ora  pro alto ora pra baixo, como se cumprimentasse alguém invisível!... O Cangati, ainda chamou pelo Albertino mais duas vezes, mas não teve nenhuma resposta. Na terceira vez, já irritado e possesso, esperou o Albertino passar dançando bem  perto dele e meteu a mão na bunda do Albertino, que deu um grito:
--Não faça isso, meu rapaz!!! Assim você corta a corrente!...
         O Cangati se levantou e chamou os outros amigos que o seguiram rumo  a porta da saída. Quando já iam saindo, um dos amigos do Cangati caiu no solo, tendo convulsões e se retorcendo todo. Todos tentaram juntá-lo para socorrê-lo mas foi então que ele se levantou sozinho, o rosto contraído, olhos vermelhos e quase saindo das órbitas, cabelo todo arrepiado, com a voz muito rouca e falando alto, palavras incompreenssivas, em outra língua,  foi pegando o Cangati e, com uma força descomunal, o atirou no meio da rua, numa poça de lama. Na sequencia, pegou um por um dos amigos e os sacudiu no mesmo rumo do Cangati. Depois caiu outra vez ao solo, teve outras convulsões e dormiu um sono profundo!.. O Cangati e seus amigos, todos sujos de lama não estavam entendendo nada! Correram pra juntar outra vez o amigo que dormia profundamente. Foi aí que o Albertino apareceu na porta do Terreiro e disse para o Cangati:
-- Olha aqui, rapaz! Nunca mais volte aqui pra zombar do que você não conhece nem merece. Tudo se resume numa só frase: É uma questão de fé! E pelo que eu vi, você e seus amigos são uns incrédulos!  Não tem (féde mais) nem (féde menos! São uns ateus  atoas!

          Nunca mais o Cangati e seus amigos voltaram a qualquer dos Terreiros. Sempre eram vistos aos domingos, na missa das 8, atentos ao sermão do padre Emílio.

PVH-RO, 08/08/13

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