quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O DOBERMAN

O  DOBERMAN

Samuel Castiel Jr.









                  “ O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado.”
                      ( Vinicius de Moraes).




               Sempre gostei de criar cachorros da raça Doberman. Seu porte elegante, musculatura forte e delineada, sua Inteligência aguçada e sentido de permanente alerta, foram os principais dotes responsáveis de  minha predileção por essa raça. Além do mais, extremamente dóceis, amigos e fieis companheiros, inseparáveis de deus donos, capazes mesmo de sacrificar suas vidas na defesa de seus donos e amigos. Também, é a única raça canina que herdou o nome de seu criador: Friedrich Louis Dobermann( 1834 – 1894), que era um alemão coletor de impostos e, nas horas de folga, era legalmente habilitado a apanhar todos os cães perdidos da rua, com os quais formou seu plantel, escolhendo sempre os mais fortes, com características do cão ideal, que ele procurava. E ele procurava um cão que o acompanhasse em seu trabalho, enfrentasse  bandidos, não temesse nada e fosse capaz de arriscar sua própria vida se necessário. Foi assim que Herr Dobermann deu inicio aos seus primeiros cruzamentos de raça, no século XVIII, com o objetivo de conseguir o cão ideal. Inicialmente cruzou cães chamados” carniceiros” que tiveram papel importante na raça Doberman. Eram cães primitivos da linhagem Rottweiler com um tipo de pastor de cor preta com marcação castanho. Assim a raça Doberman  foi se aprimorando, passando também pelo Pinscher, de onde vieram algumas de suas características sensitivas, principalmente o alerta e a elegância. Afetuoso, depois de alguns anos de convívio  com o Doberman, percebe-se que não precisamos falar, ele entende o que desejamos e procura nos atender. “ Você se torna parte dele e ele se torna parte de você: e a única parte trágica de ter um Doberman é aquela parte de você que é enterrada junto com ele quando ele morre” –Frank Grover no livro “The New Doberman Pinscher”. O Doberman é um cão muito inteligente, afetuoso e obediente, tem muita força, velocidade e agilidade. Quando é criado desde filhote, torna-se amigo fiel e inseparável das crianças.  Tem grande necessidade de atenção, é ciumento, gosta de estar sempre ao lado do dono e faz qualquer coisa por ele. Gosta de correr e saltar em todas as direções, desviando-se de chutes, tiros e facadas. Isso faz do Doberman um excelente cão de guarda. Sua pelagem é curta e a pele bem ajustada ao corpo, tem  senso de higiene e é de fácil manejo. Sua cor é basicamente negra com marcas marrons ou todo marrom. Tem olhos cor de mel ou castanhos claros.
                    Na minha fazenda sempre criei muitos Dobermans. Participei de concursos da raça e ganhei muitos prêmios. Sempre tive um plantel invejável desses cães tão especiais. Muitos dele foram campeões, pois além de muito inteligentes eram amestrados.
                     Alberico era um amigo e vizinho da minha fazenda na antiga gleba do Burareiro,  seringal 70,  no município de Theobroma, em Rondônia. Vivia com a mulher Marta e a filha Estelinha, de 10 anos. Quando ia me visitar ficava encantado com meus Dobermans. A Estelinha brincava horas a fio com os filhotes que mamavam e se rolavam na grama. A Marta entretando tinha certa reserva e procurava se manter a distância dos animais, pois dizia que não confiava neles.
                       Argus era um filhote Doberman negro de 3 meses,  o maior macho da ninhada que nascera recentemente. Tinha porte de campeão, pois seu cruzamento  era puro, tinha pedegree dos melhores da região. Alberico ao ver o animal, disse-me que gostaria de comprá-lo, pois sua filha Estelinha faria aniversário naquele mês e o levaria de presente para ela. Mesmo eu argumentando que sua mulher Marta poderia não gostar do presente, Alberico insistiu e acabei cedendo. Não lhe vendi o filhote, mas dei-o recomendando-lhe que também era um presente meu. O Argus cresceu e ficou adulto, musculoso, pelo negro macio e brilhante, com um porte digno de um espécime campeão da raça. Era dócil, obediente, e passava horas brincando e correndo com a Estelinha. Mesmo assim, sua mãe Marta mantinha reserva e tinha preocupações com aquele cão. Já ouvira estórias de ataques a crianças da própria família. Não foi atoa que essa raça fora escolhida pelo próprio Hitler para auxiliar a GESTAPO  a  trucidar judeus nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial – dizia.
-- Não é bem assim,  Marta – argumentava Alberico.  O Doberman sempre foi um cão injustiçado por essas estórias fantasiosas e infames. Acho que por causa de seu porte elegante, sempre alerta, veloz e ágil, muitas estórias e mitos foram criados para desacreditar a raça como um verdadeiro  cão de guarda. E muitas dessas estórias o colocam como assassino, traiçoeiro e carniceiro. Mas tenho certeza que nada disso é verdadeiro. O Doberman é vai continuar sendo o cão ideal tanto para companhia como para guarda, por todo o conjunto físico e o bom caráter que possui. Veja o nosso Argus, não existe cão melhor que ele! Acompanha-me pra onde eu vou, brinca com nossa filha, deita-se aonde estamos, não perturba com latidos desnecessários e guarda nossa casa dia e noite. Seu porte e aspecto chega mesmo a desencorajar qualquer ladrão ou bandido que de nós se aproxime. Quando chego em casa ele me espera no portão, sempre alerta para qualquer movimentação estranha que possa acontecer. Recebe-me com carinho, quase em pé, deita sua cabeça no parapeito da janela para que eu possa acariciar seu pescoço. Enfim, acho que temos o cão ideal!
-- Não sei não!... dizia a desconfiada Marta.
             Certa noite chuvosa, Alberico foi acordado altas horas da madrugada, com o gemido de sua esposa que, com febre alta, sentia muitas dores no abdome e tinha náuseas e vômitos. Não sabia de que se tratava, mas de uma coisa tinha certeza: precisava urgente levá-la para o hospital. E foi o que fez. Colocou-a em seu carro, as pressas e saiu rumo ao hospital, porém antes deu uma olhada no quarto de sua filha que dormia tranquilamente. Não quis acordá-la, porém deixou que o Argus entrasse e ficasse ao lado da sua cama. Na emergência do hospital, o médico diagnosticou apendicite aguda supurada. Pecisava operá-la imediatamente. Não podia esperar nem mais um minuto, pois a vida de Marta corria serio perigo. Levada para o Centro Cirúrgico, foi operada em caráter de urgência. Quando o cirurgião abriu o abdome, havia grande quantidade de pus que extravazara do apêndice supurado. Alberico ainda atordoado, ficou no corredor do centro cirúrgico andando de um  lado para outro, esperando o término da cirurgia. Finalmente sua esposa foi levada para o leito hospitalar onde deveria permanecer em observação. Estava ainda sob o efeito da anestesia. Alberico foi então informado pelo ciurgião de que a cirurgia transcorrera dentro do esperado, porém era preciso que sua esposa ficasse internada, sem previsão para ter alta, dependendo da evolução no pós-operatório. Alberico então resolveu que voltaria para casa, pois já era bem tarde, quase noite. Ao chegar, estacionou sua Hillux na garagem e entrou na casa. Achou estranho que a porta estivesse aberta, apenas encostada. Mas, com a pressa que saíra, talvez tivesse esquecido de passar a chave. Na sequência, o Argus lhe apareceu com a boca e o focinho tudo sujo de sangue. Desesperado, lembrou-se da desconfiança de sua esposa e o que se passou foi extremamente rápido. O Argus teria atacado  covardemente  sua filha. Num ato reflexo, puxou sua pistola e atirou duas vezes no cão, que caiu num latido final de dor. Alberico ainda com a arma em punho correu e adentrou no quarto de sua filha. O que viu o chocou ainda mais:  um homem estendido no chão com um capuz parcialmente estraçalhado ao lado de sua cabeça, com o pescoço todo furado e dilacerado. Correu para o banheiro de onde ouviu o choro de sua filha. Estelinha estava escondida atrás da porta, sentada no chão, soluçando e chorando muito, sem conseguir falar. Percebendo o que acontecera, Alberico volta desesperado até a sala onde o seu cão dava os últimos suspiros, banhado de sangue.
-- Argus, Argus! – gritava ele com toda a força de sua voz.
    O doberman ainda balançou o côto do seu rabinho antes de morrer.


PVH-RO, 03/09/13

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