terça-feira, 17 de setembro de 2013

O MATADOR DE ERERÉ

O MATADOR DE ERERÉ

Samuel Castiel Jr









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                    Ele passou a semana inteira falando que seu  primo Dirceuzinho ia chegar. Era preciso ter cuidado. O homem era perigoso. Matador profissional de Ereré, lá do sertão do Ceará, onde já “despachara” pelo menos uns doze. Era seu sobrinho mas ele não podia esconder, principalmente dos fregueses que a anos bebiam em seu estabelecimento conhecido como Bar do Bigode. Seu Chico Bigode estava preocupado com a notícia que recebera dando conta que seu primo matador Dirceuzinho estava a caminho de Porto Velho para revê-lo pois a tantos anos não via. Realmente foi uma semana de apreensão para o Seu Chico Bigode, pois cabia a ele avisar a todos os seus fregueses da chegada inesperada de seu primo matador. Principalmente para aqueles fregueses mais afoitos, que estavam acostumados a tirar certas brincadeiras mais pesadas. Não podia deixar que acontecesse nenhum incidente indesejável dentro do seu boteco. E assim o fez, avisou pra maioria dos fregueses. Todos ficaram apreensivos e, ao mesmo tempo, curiosos. Quem seria aquela figura ameaçadora? Matador profissional?
---Tem sangue frio que nem barata – dizia o Seu Chico Bigode. É melhor não tirar brincadeira com ele – arrematava, com uma ponta de cautela orgulhosa...  Contava com detalhes como o Dirceuzinho matara alguns encomendados, gente que nem conhecia. Davam-lhe a foto dos desafetos, com endereço e alguns hábitos e costumes dos infelizes. As vezes montava compana, ficava a espera dos incautos até que um dia os pegava. Não gostava de arma de fogo, pois além de fazer barulho, atraía curiosos e também a polícia que chegava mais rápido ao local. Gostava mesmo era de matar com faca peixeira, bem amolada. Pegava suas vítimas desprevenidas,  que não tinham como reagir, nem mesmo  gritar. Preferia fazer o trabalho a noite, pois ficava mais a vontade. Também não gostava de usar mascara ou capuz. Fazia o serviço de cara limpa! Não dava a mínima chance para suas vítimas. Enfiava a peixeira primeiro peito, em cima do coração para ter certeza que a morte  se consumaria de imediato. Depois ainda metia sua peixeira na barriga do coitado e girava a lâmina afiada para completar o estrago. Era impiedoso! Gostava de ver suas vitimas com os olhos arregalados, parando de piscar!...Os dias foram se passando e a curiosidade aumentando.
                   Alguns dias depois, passando nas proximidades do Bar do Bigode, resolvi parar para saber das novidades do matador. Era quase meio dia de uma segunda-feira. O movimento no boteco estava parado, não havia ninguém entrando ou saindo. Entrei pela porta lateral e fui gritando de longe:
--- Fala Bigode! Cadê o matador?
              Ele arregalou os olhos e, pedindo silêncio, com o dedo indicador em riste sobre a boca, só faltou saltar por cima do balcão. Falando bem baixinho, quase com mímica labial, apontava para a calçada, que ficava na  outra entrada do bar:
---Homi de Deus, fica quieto que ele tá aí! – dizia e apontava naquela direção.
               Parei assustado e, como não tinha visto ninguém, avancei com cautela  para olhar por trás da coluna. O que vi foi no mínimo intrigante. Um homem pequeno e franzino, moreno escuro,  usando um boné surrado e desbotado. Calçava umas alpargatas franciscanas e estava de pernas cruzadas, quase enroscadas uma na outra. Com um gesto esquisito e afeminado torcia o punho e a mão esquerdos para a frente do seu rosto, lixando  suas unhas com uma serrinha. Muito intrigado com aquela figura, perguntei:
---Quem é Seu Chico?
                Ele falando bem baixinho, quase murmurando, parecendo que falava pra dentro:
---É..É..É o Dir..ceu..zinho. Tenha cuidado!
---Mas Seu Chico, o senhor tem certeza que é esse mesmo o matador?
---Psiu! Fale baixo meu filho! Ele não gosta de ser importunado, principalmente quando corta e lixa suas unhas!...
--- Mas... o senhor disse... Bem, eu pensei que fosse outra pessoa!
                    Notei que o semblante do Seu Chico mudou. Ficou com raiva e retrucou:
---Quer dizer que você também não corta suas unhas de vez em quando?!
---Sim de vez em quando eu corto. Mas não preciso ficar nessa posição desmunhecante!
---Você tá duvidando da minha palavra, rapaz?
     Enquanto ele falava, mais se exaltava. Já estava quase gritando. Eu tinha me esquecido até do matador lá fora e acho que ele também. Foi então que ouvi aquela voz bem fininha vinda lá da mesa do Dirceuzinho:
--- Priminho Bigode, por favor traga aquele esmalte de base incolor que eu já cortei e agora vou pintar minhas uninhas. Se não for pedir muito, traga também aquele copo de leite e o cuscuz que o senhor disse que ia esquentar aqui pro  seu chegado!...
             O Seu Chico Bigode estava vermelho de raiva a ponto de ter uma apoplexia. Olhou pra mim furioso e disse que já ia fechar o boteco. Quase me expulsou. Quis ainda questionar mas ele finalizou:
--- A última estadia dele no Urso Branco estragou esse rapaz. Ele me disse que andou apanhando demais dos outros presos na mesma cela. Acho que bateram muito na cabeça dele. Ele já não é  mesmo nem a sombra do passado!
               Saí com um ponto de interrogação na cabeça. No sábado seguinte, quando voltei ao boteco, encontrei vários dos amigos que lá frequentavam. Alguns deles também tiveram a oportunidade de conhecer o Dirceuzinho. Perguntei então a um deles, o Paulão, um mineiro de bigodes brancos que fala muito grosso e anda de botas cheias de barro e cocô quando volta de sua fazenda:
--- Ô Paulão, você acha que o Dirceuzinho, com aquela serrinha de unha mata alguém?
---Mata não, dotor! Mata não!...

PVH-RO, 16/09/13

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