quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Dr. FRED'S KOLL

Dr. FRED’S  KOLL

Samuel Castiel Jr.










       "  Quase todos os médicos têm a sua doença preferida  "

             Henry Fielding




     Era baiano, mas descendente de eslavos. Formou-se em medicina pela Universidade Federal da Bahia. Tinha perdido  sua esposa precocemente, com quem não chegou a ter filhos. Mas não ficou viúvo por muito tempo. Casou-se logo com outra mulher bem mais jovem, que lhe deu vários filhos homens, porém nenhuma mulher. No hospital onde trabalhava era muito conhecido por ser um médico muito inteligente, porém muito polêmico e turrão. Tornara-se perito do Instituto Medico Legal (IML) e vez por outra era designado pela Justiça para fazer exumação de cadáveres, serviço que detestava. Com o passar dos anos entregou-se a bebida e tornou-se alcólatra.  Inicialmente só bebia whisky, mas depois teve que beber cerveja e nem sempre das melhores. Quando começava beber  não tinha horário para parar. Dentre tantas esquisitices, também não gostava de pagar a conta do que bebia. Quando não aparecia nenhum conhecido para pagar sua conta, levantava-se na cara de pau, bem duro, parecendo que tinha engolido uma espada e ia saindo. Não adiantava o garçon  ou o  dono do boteco chamá-lo, pois ele não olhava nem pra trás. Ainda bem que só bebia em botecos cujos proprietários já o conheciam. Anotavam a despesa e cobravam quando ele reaparecia sóbrio.
         O verão estava no auge, com muita poeira em suspensão no ar que se juntava a fumaça das queimadas, fazendo arder nossos olhos e tornando a visibilidade difícil mesmo para pequenas distâncias, ficando complicado e perigoso para os motoristas de automóveis, motos, caminhões e carretas. Alguns voos de aeronaves comerciais eram forçados a desviar suas rotas para aterrisar em aeroportos de capitais vizinhas.
          Naquele final de semana, o Dr. Fred’s Koll tinha tirado plantão na sexta-feira e no sábado resolveu beber. Chegou ainda pela manhã no boteco e pediu uma cerveja estupidamente gelada, “canela-de-pedreiro” – como dizia. Não precisava de companhia. Bebia sozinho. Se aparecesse algum incauto e se dispusesse a ouvi-lo, tudo bem. Caso contrário entrava mudo e saía duro, rígido e calado! Também não gostava de ninguém perturbando ou contando mentiras em sua mesa. Apenas os mais conhecidos eram tolerados na sua mesa. Tinha uma cara muito fechada e séria. Era de poucas ( quase nenhuma ) palavras.
              Não fazia uma hora que ele chegara ao bar, quando pára bem a sua frente uma ambulância. Estava sentado sozinho naquele boteco da periferia da cidade, onde ainda não havia quase ninguém, a não ser um casal que discutia em voz alta, pois o malandro ainda não tinha voltado pra casa. Não adianta beber em bar da periferia – pensou. Sempre acabam me encontrando!
               Salta da ambulância um enfermeiro todo de branco, que ele tanto conhecia:
--- O que houve, Zacarias? Como é que você me encontrou aqui, home de Deus?! E tem mais: tô de folga, saí do hospital a poucas horas!
---Desculpe Dr. Fred’s. Sei que está de folga mas é uma emergência! Um ônibus perdeu o controle e capotou na BR-364, já quase chegando a cidade. O diretor do hospital pediu que viesse buscar o senhor, pois pelo que sabemos existem mortos e feridos graves. O hospital está chamando todos os médicos do corpo clínico para prestar socorro as vitimas desse grande desastre. O senhor tem que ir lá comigo, na ambulância, agora, pra identificar os mortos e mandar os feridos para o hospital.
            O Dr. Fred’s levantou-se e saiu duro, rígido, mal humorado e nem olhou para trás, onde o dono do boteco e o garçon insistiam em chamá-lo para pagar a conta das cervejas já consumidas.
            Chegando ao local do acidente, a cena parecia mais um campo de batalha, depois do massacre. Corpos atirados em todas as direções. Choros, gemidos e gritos pedindo socorro. Muitos curiosos se aglomeravam no local. O Dr. Fred’s foi abrindo caminho, afastando as pessoas e falou para o enfermeiro:
---Zacarias, pega a sua prancheta e a caneta e vem comigo. Vou identificando, examinando e passando os dados pra você.
---Ok Dr.
              E começou o serviço:
---Pedro Farias Damasceno: fratura do braço esquerdo e provavelmente da coluna lombar. Imobilizado mas estável.
---Epifânio Silva: desacordado, sangrando pelo ouvido direito. Provavel traumatismo cranioencefálico (TCE) grave.
---Florinda Torres: ausência de sinais vitais: morta!
          Depois de declarar mortos uns cinco ou seis, o Zacarias chamou:
---Dr., o senhor falou que esse aqui tá morto mas ele se mexeu agorinha!...
           O Dr. Fred’s Koll parou a inspeção e, olhando feio e sério para o Zacarias perguntou:
---Ô Zaca, quem é o médico aqui?
---É claro que é o senhor, Dotô!
---Então quando eu disser que tá morto é porque tá morto!!!
---Mas...

Nota do Autor:  Qualquer semelhança com lugares e personagens deste conto, terá sido mera coincidência.


PVH-RO, 12/13/13

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