segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O ESTOURO DA BOIADA

Samuel Castiel Jr.
















O que rouba a confiança dos homens é o maior dos ladrões”.




        Muitos o chamavam de Rei do Gado, alcunha que, na verdade,  não o deixava muito confortável. Sua fazenda estendia-se por extensa planície de pasto verde que se perdia no horizonte. Ficava muitas vezes a admirar aquele pasto por horas a fio. Eram mais de três mil cabeças de nelore que pareciam decorar aqueles campos verdes. Indiscutivelmente, Zezão era um fazendeiro bem sucedido.
        Bem lá no fundo da fazenda havia um grande lago, onde o rebanho se refrescava e bebia água nos dias quentes de verão. Alguns búfalos selvagens também ficavam por ali, pois não costumavam misturar-se com o rebanho dos bois brancos. Zezão não gostava muito daqueles búfalos mas deixava que eles ficassem por lá, pois não representavam nenhuma ameaça para sua fazenda. Muitas vezes ficava intrigado de ver como esses animais tratavam seus filhotes. Os machos pra apressar o desmame batiam covarde e grosseiramente nos bezerros, ao ponto de muitas vezes matá-los. Um búfalo adulto chega a pesar meia tonelada. É um animal colossal! Mas, tirando essas esquisitices, não incomodavam o rebanho de nelore. Zezão tinha cerca de cem peões na fazenda, entre boiadeiros, vaqueiros, motoristas de caminhões-gaiolas, tratoristas, etc. Esses peões eram escolhidos a dedo e contratatos pelo próprio Zezão, após uma longa entrevista. Tinha que ser gente de confiança e com habilidade para lidar com o manejo do gado. No último verão contratara mais uns vinte peões, vindos na maioria do sul do Pará e também do Mato Grosso.  Precisava de gente pra vacinação e marcação  do rebanho, além da atividade leiteira, o que envolvia um contingente considerável de mão de obra. Dentre aqueles homens que havia contratato ultimamente, Zezão não tinha gostado muito especialmente de um deles, mas por ter experiência como vaqueiro de grandes pastos, o contratou. Pancho Bêni era um peão da fronteira do Brasil com o Uruguai. Vinha com a experiência de manejo com o gado de corte e de leite. Por isso Zezão o contratou. Mas seu jeito e seu olhar não  agradavam ao Zezão, pois lhe pareciam sempre furtivos. Parece que está sempre escondendo alguma coisa – chegou a comentar com seu capataz, o João Ferreira. O tempo foi passando até que começaram a surgir notícias de roubo de gado nas fazendas vizinhas. O capataz João Ferreira, homem da mais irrestrita confiança de Zezão, já tinha comentado com ele que também não gostava nem um pouco do olhar e do comportamento do Pancho Bêni, vulgarmente conhecido como Sansão, pelos cabelos longos que usava. Estava sempre cochichando com outros peões.
---Se eu pegar algum ladrão de gado na minha fazendo vou enforcá-lo, como no velho oeste americano. Eu juro que o enforco! –dizia Zezão.
           O inverno chegara e com ele as chuvas e tempestades,   com ventos muito fortes.
            Naquela noite havia vários lotes do rebanho separados por divisórias de corda, pois no dia seguinte os caminhões-gaiolas levariam cerca de quinhentas cabeças para serem vendidas a um frigorífico na Capital.
             Era quase meia noite e o silêncio da madrugada que se aproximava, só era quebrado pelo mugido melancólico do gado, como um pranto de dor. As silhuetas de três homens montados a cavalo surgem na escuridão. Vinham sem pressa e em silêncio, sem trocar nenhuma palavra. Parecia que tudo já estava ensaiado e decorado. Aproximaram-se do rebanho previamente selecionado e que só esperava o dia amanhecer para ser transportado ao frigorífico. O vento começou a soprar forte e os relâmpagos e trovões anunciaram a chuva que já começava a cair em pingos fortes. O gado começou a mostrar sinais de inquietação e agitação. Os três homens desceram então de suas montarias e se aproximaram do gado. Tinham que cortar as amarras de cordas que separavam os lotes. A chuva ficava cada vez mais forte. Os relâmpagos e trovões cruzavam os céus. Os homens usando capus, chapéus e capas de chuva trabalhavam freneticamente cortando as cordas dos lotes de nelore, até que um forte relâmpago cruzou o céu e o raio atingiu de cheio uma castanheira que se partiu ao meio, produzindo um estampido forte e agudo, com se fosse o  tiro de um canhão gigante que se perdeu na mata. Foi esse barulho assustador que provocou o estouro da boiada. O gado assustado parecia obedecer ao comando de um líder que ia na frente, numa louca e cega corrida, quebrando e passando por cima de tudo que estivesse a sua frente. Não deu tempo dos ladrões de gado chegarem até seus cavalos, que saíram desembestados, relinchando em desabalada carreira, deixando pra trás seus montadores. A manada enlouquecida só começou a parar no fundo da fazenda, próximo ao riacho, onde ficavam os búfalos, que também já davam sinais de inquietação.
             As cinco e trinta da manhã o capataz da fazenda João Ferreira acordou Zezão para dar-lhe a notícia:
---Patrão, os gatunos de gado visitaram sua fazenda!
---Miseráveis filhos da puta! Não respeitaram nem a forte chuva com temporal que caiu a noite inteira.
---É verdade patrão! Eles não costumam respeitar nada. Mas dessa vez se deram mal e levaram a pior: houve um estouro da boiada provocado por um raio e eles foram pisoteados e mortos pela manada.
---Não me diga, home de Deus!
---É isso mesmo que  está ouvindo, patrão! O senhor não vai precisar gastar suas cordas para enforcar esses malditos! Estão todos mortos e pisoteados. Mas quero que o patrão venha comigo até lá, pois precisa ver uma coisa.
      Ao chegarem perto dos corpos, João Ferreira se abaixou e puxou com força o capuz de um deles:
---Veja, é o Sansão, Chefe! Ele e mais dois comparsas. Tiveram o fim que mereceram. Estão quase irreconhecíveis.
---É verdade, João Ferreira. Vou economizar minhas cordas –disse Zezão. Virou-se e montou em seu cavalo.
---Vamos lá, meu fiel capataz! Faça o que tem que fazer. Depois vá até a casa grande. Vou mandar preparar uma limonada pra nós. Hoje o dia vai ser muito quente.
      E saiu trotando em seu “puro-sangue”. Ia pensando consigo mesmo: é como dizia meu velho pai: ladrão que rouba gado pode um dia ser chifrado. E acrescentou: ou pisoteado. E foi-se embora.


PVH-RO, 09/12/13 

Nenhum comentário:

Postar um comentário