segunda-feira, 10 de março de 2014

CARTA AO WALDEN


CARTA AO WALDEN

Samuel Castiel Jr.
 






         



           Faz um ano e três meses que você se foi. Não tivemos nem sequer a chance de nos dizer adeus. Só vim a saber muito depois quando liguei pra falar com você e sua filha me disse que você não estava mais entre nós. Confesso que fiquei abalado e pensativo. Bateu uma saudade grande. Uma saudade que me paralisou por algum momento em algum tempo do passado. Liguei para o nosso amigo Iuji, que confirmou o seu passamento e acrescentou que achava que tinha sido melhor assim, pois o seu sofrimento era grande demais. Não sei se você também pensa assim. O que sei é que você deixou uma grande saudade! As vezes me pego a pensar como a vida foi cruel com você. Lembro-me de como você era vaidoso, como gostava de viver e das coisas boas da vida. Com a doença, cheio de limitações físicas, parecia um prisioneiro de você mesmo. Quando o visitei pela última vez, vi e presenciei todo seu sofrimento. Passamos aquela tarde juntos a nos divertir com as lembranças do passado que parece tão recente!...Nosso tempo de faculdade em Belém, quando caminhávamos ao sair das aulas até o bairro de Nazaré onde nos despedíamos e cada um ia pra sua casa depois de uma parada no bar Avenida para uma cerveja bem gelada. Bons tempos aqueles Walden, quando apenas o estudo da medicina era a nossa preocupação. Lembro-me do seu cabelo comprido, estilo Beatle, que lhe resultou o apelido de cabelão. Como você gostava de azarar e esnobar as minas, hem? Aos sábados depois das aulas quase sempre íamos para a Avenida João Alfredo, onde havia um desfile de muitas garotas consumistas. Ficávamos quase sempre na Loja LR, onde havia um espaço para beber nosso  choop ou cerveja. Lá encontramos certa vez aquela figura impoluta, chamado Pedrinho, lembra? Tornou-se um amigo daquelas ocasiões, pois sempre o encontrávamos por lá. Confesso que as lembranças daquela época são ainda muito vivas na minha memória. O japonês Iuji que por ser muito metódico, deixava nossa companhia alegando que precisava voltar para o Laboratório do Hospital Amazonas para fazer a análise dos hemogramas. E assim ele quase nunca seguia nossos passos boêmios.O Adilson, que não tinha limites, gostava de sair e se perder na multidão, deixando todos da sua família preocupados. O Fabiano “Pato”, com sua escaleta também era um bom companheiro. O Jovino, sempre querendo se dar bem, chegava a noite pra estudar conosco na sua casa e ficava de olho na merenda que sua mãe ia servir para pegar o maior quinhão. Ficava louco de vontade quando eu falava que ia comer um bifão no restaurante e não o convidava. E como você teve dificuldade de apreender o fenômeno do k-Kaptura da aula de Biofísica! Enfim, todas essas recordações ainda povoam minha mente, como se fossem muito recentes. A Waldenice, por quem você era apaixonado e que acabou se casando com o Ohana, lembra? Nossos mestres da faculdade, todos também desfilam nos corredorers das minhas lembranças: a Professora Betina, da cardiologia, o Mussalem e o Rezende  clinica médica, o Ronaldo Araujo e o Ronaldo Leite da patologia, o Rosado da Neurologia, que apelidamos de Urtigão, O Sampaio da Histologia, o Paulo Azevedo, patrono da nossa turma,  o Herminio Pessoa, o Julio Cruz da ortopedia  e outros tantos que também nos ensinaram tudo que aprendemos de medicina.
           Hoje, Walden, a  Belém que conhecemos está muito diferente daquela que vivemos. Acho que você chegou a ver o camelódromo que se instalou na Av. Presidente Vargas, onde os trombadinhas promovem todo tipo de assaltos impunemente. Não se pode mais andar pelas ruas de Belém sem sobressaltos. De uma hora pra outra um pivete noiado pode puxar teu cordão ou relógio, levar tua carteira ou até mesmo de matar. Tive muita pena de ver aquele jardim que eram a praça da República e a praça Batista Campos, abandonadas e invadidas por marginais. Os pedintes nas ruas cresceram assustadoramente, a pobreza da população é bem maior do que era. Condorda? A revitalização e reforma das Docas do Pará parecem que foram a grande conquista da cidade. A chuva impreterível que cai todo dia as 15:00 h continua a ser a marca temporal da nossa querida Belém. Por aqui, Waldem, tudo continua como sempre, agora atravessando um inverno rigoroso, com chuvas torrenciais e contínuas que fizeram o Rio Madeira encher mais de  20 m acima do seu nível normal, transbordando e inundando a mata, as cidades e vilas ribeirinhas, desabrigando milhares de pessoas. O sol quando aparece logo dá lugar a nuvens escuras que não demoram a se precipitar. Muitos estão culpando as usinas hidroelégtricas que estão sendo contruidas no Madeira. Mas creio que essas usinas não tem muito  a ver com essa enchente que é histórica nesta região. Este ano o carnaval foi suspenso aqui em Porto Velho por causa dessa enchente. Mas, enfim, neste ano e alguns meses que você partiu, as coisas que já estavam em crise, só pioraram. A política está cada vez mais descarada. Os corruptos de plantão agora perderam de vez a vergonha. Quando são julgados e presos, a Justiça volta atrás e manda soltá-los. A lei do mais forte e mais rico agora é bruta. A população, composta por grandes bolsões de miséria, continua sem saber escolher seus representantes. Elege e reelege sempre os mesmos e  piores. E assim nossos governantes só se locupletam e nada fazem em benefício do povo, do social. E as pessoas de bem não querem mais participar nem concorrer para um meio de corrupção, mentiras e fraudes. É lamentável que seja assim.  Mas falando agora de amenidades, nossa MPB foi invadida por duplas caipiras, Funk, Sertanejo Universitário e Batidão. Não que eu tenha qualquer tipo de preconceitos com esses rítimos, mas já vão longe os grandes nomes com Maria Bethânia, Gal Costa, Chico Buarque, Emílio Santiago, Nelson Gonçalves, etc. Acho que os dias atuais de agora, merecem esse tipo de música.Voce também acha? Pois é, a violência que impera nos dias de hoje não tem nada a ver com a voz mansa daqueles nossos ídolos da música popular brasileira. Não sei se você ainda chegou a ver alguma edição dos Realyt Show. No caso dos Big Brothers, a Globo fatura horrores de reais, confinando marmanjos musculosos e pirigetes saradas, ratas de academia, enche todos de cachaça e faz tudo acontecer diante de câmaras que são vistas por todo o País. Além desse escrache, temos também agora, com muita audiência num programa de lutas da UFC, “The Ultimate Fighter”, onde o sangue dos participantes jorra e mancha o tablado. O pico de audiência desse programa é elevadíssimo. Chego agora a compreender porque na Roma antiga os imperadores brindavam o povo com lutas mortais entre os gladiadores, ou os soltava nas arenas junto com leões famintos para serem devorados enquanto o publico delirava e ia a loucura. O ser humano é assim mesmo: adora ver sangue, desde que não seja o seu. Mas fazer o que? Essa é a essência da humanidade, que de  vez em quando é explorada de forma torpe.
          Para não ser mais longo, Walden, vou ficando por aqui, com muita saudade dos nossos velhos tempos. Espero que você continue com esse seu espírito alegre, agora livre por toda a eternidade.
          Um abraço forte
          Do amigo de sempre,
          Samuel


PVH-RO, 10/03/14

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