quarta-feira, 25 de julho de 2012


O VELÓRIO

Samuel Castiel Jr.











                      Nepomuceno, mais conhecidos nas rodas como “51”, pela sua inefável identificação com a branquinha, morreu. Negão boêmio, figura padrão em todas as rodas de pagodes. De muitas amizades, destaque na bateria da escola de Samba da Castanheira, na Arigolândia, em Porto Velho, Rondônia  onde fora anteriormente passista.

            Órfão de mãe, pai desconhecido, fora criado pela avó, Dona Guiné, crioula beata por convicção, “puxadora” de cânticos sagrados nas missas de domingo. “51” em vida, fora o oposto de sua mãe-avó. Mas nem por isso ela o renegou. Era seu neto, seu sangue!

            Viveu e morreu como sempre quis. Foram 42 anos bem vividos dizia ele. O infarto agudo foi fulminante e fatal.

            O pior de tudo é que hoje é sábado! Dizia Zequinha, inconformado, e um dos primeiros a chegar ao velório.

            Ninguém escolhe dia e hora para morrer! Retrucava Zé do Pandeiro, também perplexo com a notícia que já se espalhava por toda cidade.

            E em pouco tempo a casa de Dona Guiné foi se enchendo de gente que chegava de todos dos cantos da cidade.

            A mortalha na frente da casa anunciava o luto e o velório que se iniciava.

            “51” estendido num caixão de segunda, sobre a mesa parecia sorrir de olhos fechados, como se fosse mais uma de suas gozações.

            Dona Guiné, confortadas pelas amigas beatas, recebia os pêsames pelo neto que batera as botas, ainda tão moço!

            A noite seria longa! Alguém sugeriu que se preparasse um café com biscoitos para enfrentar essas horas todas, onde ninguém sabe o que dizer!...

            Quando o terço começou a ser rezado por Dona Guiné, Zequinha e Zé do Pandeiro já haviam se instalado na cozinha da casa, onde parecia ter menor movimentação. Logo depois,  a eles se juntaram mais dois amigos do peito, “Biritinha” e “Beija-Copo”. Todos constrangidos, ninguém aceitava a morte do “51”. O Zé do Pandeiro, como sempre, chegou com seu macaco de estimação no ombro,  bichinho do qual não se separava jamais. Era um macaco prego.

            - Como é que pode morrer assim rapaz? De repente! dizia um.

            - Pois é, cara, ninguém vale nada mesmo! respondia o outro com ar de revoltado.

            O tempo começou a passar, quando “Biritinha” sugeriu ir lá fora tomar um trago. Ninguém aceitou! A casa lotada, a reza do terço, o olhar triste mas recriminador de Dona Guiné!...

            Essa não! Afinal, “pé-de-cana” tudo bem! Mas tem que ser respeitador!

            - Se vocês toparem propôs “Biritinha”, eu mesmo vou lá no bar e trago uma garrafa de pinga, bem escondida é claro! A noite vai ser longa!...

            - Vai pegar mal insinuou Zequinha, a casa é de beata, a reza lá fora, o morto...

            É só a gente tomar cuidado! Bebemos com discrição, ninguém fica sabendo.

            Foi feita a coleta, a garrafa de pinga veio embrulhada e escondida nas roupas folgadas de “Biritinha”. Era preciso ter cuidado, toda discrição seria pouca!

            Nos primeiros goles, o dedo indicador era colocado entre a boca e o copo, para evitar o barulho do atrito dos vidros ao servir a pinga. E assim foi.

            Depois da primeira garrafa, esqueceram alguns detalhes. Na segunda e terceira discutiram o futebol do “Brasileirão” e depois ensaiaram a batucada na caixa de fósforo, lembrando o “Mal acostumado” do Araketu. Todos já falavam e cantavam bem alto, acompanhados por um pandeiro, concorrendo de forma desleal e acintosa com o terço puxado que vinha lá da sala do morto.

            Foi quando Dona Guiné, entrou na cozinha e colocou todo mundo pra fora!

            - O “51” iria gostar Dona Guiné, se estivesse aqui e agora. Ainda tentou argumentar um dos bêbados.
              Foi nesse momento que o macaco do Zé do Pandeiro recebeu um “cascudo” do Biritinha e saltou gritando e fazendo um escândalo no ambiente. Acabou saltando em cima do caixão que, no alvoroço e corre-corre das beatas,  caiu no chão com o defunto dentro.

            Mas Dona Guiné apressou-se em pegar um cabo de vassoura e foi assim que todos os amigos do “51” saíram trôpegos, mas todos com o dedo indicador na parede que era para não perder o rumo da porta.  Acontece que, uma das beatas amigas de Dona Guiné, vendo a confusão do macaco e dos bêbados na cozinha, não vacilou em ligar para a polícia e, para a surpresa dos amigos "alegres" do "51", o "Camburão" já os aguardava na porta da casa, com as luzes vermelhas piscando!.... 

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