quarta-feira, 10 de julho de 2013

A CIDADE DO LOBO



Samuel Castiel Jr.











     A lua já estava grande e cheia e ainda era cedo, mal a noite começara a chegar. As ruas empoeiradas, barracos cobertos de lona, paredes erguidas com tabuas toscas, material de construção espalhado por ruas e vielas. Uma brisa começava a soprar, melhorando a sensação do calor causticante que fustigara a todos durante o dia. Alguns moradores ainda tentavam trabalhar sob a meia-luz dourada da lua, ou focando lanternas para acabar de pregar tabuas em seus cômodos improvisados. Alguns meninos corriam brincando naquele cenário que mais parecia um canteiro de obras, abandonado. Aos poucos as crianças foram parando seus folguedos e correrias, os adultos parando seus trabalhos. Alguns cachorros latiam ao longe. A noite foi avançando e a lua subindo rapidamente, como um farol na noite. Já era quase meia noite, o silencio predominava naquela área de invasão da zona sul de Porto Velho. Foi então que lá longe, já nos limites com a floresta, ouviu-se o uivo de um lobo. Os moradores que ali já dormiam, acordaram-se com aquele uivado insistente e começaram a ficar incomodados. Alguns reforçaram as trancas de portas e janelas de seus barracos. As crianças se aconchegaram mais aos pais!... O que ninguém poderia imaginar é que esse lobo fosse ficar voltando  todas as  noites, enquanto a lua estivesse cheia ou crescente. No mês seguinte a estória se repetiu: um lobo uivando naquele cenário de invasão, nas noites de lua. O assunto começou a virar comentário não só no local da invasão mas também em toda a cidade de Porto Velho. A mídia passou a explorar o assunto, dando ampla divulgação e tornando ainda mais misterioso o tal lobo. Alguns moradores da invasão chegaram a dar entrevistas onde diziam ter visto o lobo: “era grande,  muito felpudo, de cor preta e arisco como ninguém, pois ao sentir a aproximação de qualquer ser vivente, fugia em desabalada carreira, sem deixar nenhum rastro!” Todos concordavam que era um lobisomem. Depois de alguns meses dessa aparição uivante, as autoridades policiais e da prefeitura resolveram investigar o assunto, pois a imprensa escrita, falada e televisada estava fazendo muito estardalhaço em cima desse bicho e, por isso mesmo, aquela área de invasão passou a ser chamada a Cidade do Lobo. Alguns outros bairros da cidade também já tinham recebido nomes sugestivos que iam desde nomes de novelas da época como “Meu Pedacinho de Chão”, a primeira novela a ser exibida nesta cidade e que, por motivo de incêndio nos estúdios  TV Globo, em São Paulo, seu final não pode mais ser retransmitido por aqui e seus atores principais foram contratados pelo Governo para contar ao vivo o final da novela no Cine Resky. A criadora e incentivadora desse bairro, por sinal, foi Dona Gilsa Guedes, esposa de um dos governadores do antigo Território Federal de Rondônia, o Cel. Humberto da Silva Guedes;   até outros como o “Caladinho”que por ser invasão, recebeu esse nome por motivos óbvios,  já que surgiu da noite para o dia, na calada da noite!...
         Mobilizada a comunidade através da Defesa Civil,  com o reforço de alguns policiais civis e militares, foi programada uma mega operação com o objetivo de capturar o lobisomem uivante. Tinha que ser em noite de lua cheia! Tudo foi então programado em sigilo para uma noite de lua, quando era certo o aparecimento do bicho peludo. Cercado o bairro, os agentes se posicionaram em pontos estratégicos,  armados com facões, fuzis, pistolas ponto 40, pedaços de pau, estilingues, pedras, etc, a espera da fera. Meia noite em ponto começaram a ouvir os uivos do lobo que fizeram muitos abandonar seus postos e  “vazar” trêmulos rumo a cidade, já contando e aumentando...Uns diziam que chegaram a ver um bicho peludo horrível!  Talvez um ET, um “Chupa-Cabra” quem sabe? Outros diziam que o chão tremeu quando o bicho  uivou, e assim por diante! Mas os agentes policiais e destemidos homens da Defesa Civil ficaram nos seus postos e foram se aproximando do local onde a fera se encontrava uivando, e que era numa estreita viela, já quase no limite da floresta. Dentro de uma pequena barraca coberta de lona, toda fechada e sem portas ou janelas, era de lá que saiam os uivos selvagens e também outros gemidos... Foram se aproximando pé-ante-pé, como verdadeiros tigres para não afugentar suas presas. Cercada a barraca, não havia como o bicho escapar! O comandante da operação, então, segurou o megafone e deu a voz de prisão:

--Fique onde está, você está cercado e preso! Caso tente fugir será morto a tiros!
   Houve um silêncio sepulcral que pareceu uma eternidade.  A seguir, aos poucos, parecendo que se moviam em câmara-lenta, foram levantando a lona da barraca e saindo, com os braços p’ra cima, primeiro um homem alto e magro e logo em seguida outro homem vestindo uma fantasia de lobo, com pelos pretos e um rabo felpudo que descia até ao chão. A luz da lua cheia, aquela cena parecia sulrrealista. Todos estavam perplexos! Sem nenhuma palavra o comandante ordenou que fossem revistados e, depois,  já com os  braços e mãos para trás, colocou-lhes as algemas. Foram “agasalhados”  no “camburão” da polícia militar e conduzidos a delegacia para lavrar o respectivo Boletim de Ocorrência (BO).
        Após ampla exploração midiática, onde as  chamadas de telejornais eram explicitas:  “O Lubsomem era um ”Lubsgay”!..., as autoridades policiais divulgaram o depoimento dos presos, os quais foram encaminhados a uma junta de médicos psiquiatras e  psicólogos antes de serem levados ao presídio. Tratava-se de mais um caso grosseiro de fetiche, onde o relacionamento homosexual  chegava as raias das chamadas perversões sexuais ou parafilias. Nesse caso, o parceiro ativo da relação, somente sentia prazer e chegava ao orgasmo se a relação ocorresse em circunstâncias difíceis e incomuns, além de que o parceiro passivo ainda tinha que estar travestido de lobo e uivando como tal. Como o próprio “lubsgay” se manifestou quando lhe foi perguntado:
--Porque você se arriscava tanto? E ainda mais vestindo essa fantasia ridícula  de lobo?
--Doutor, o que a gente não faz por amor, não é mesmo?
   Foram enquadrados e tipificados como perturbadores  da ordem, dos costumes  e da moral da comunidade. Cumpriram pena de 1 ano  em regime fechado, pois ainda não havia a chamada pena alternativa nem a progressão do regime. O bairro foi chamado por muito tempo Cidade do Lobo, hoje Conceição e Cidade Nova,  na zona sul da cidade
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                                                                                                    PVH-RO, 10/07/13

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