terça-feira, 30 de julho de 2013

TREVAS DA MORTE

TREVAS DA MORTE
 Samuel Castiel Jr.













               Descendente de eslavos, branco e louro, vermelho, olhos verdes e  com cerca de 1,85 m de altura, pesando 120 kg, Hilton  Arches Iankoviskev  era um homem excessivamente meticuloso, calculista, misófobo, epiléptico  e também hipocondríaco. Claudicava devido  a  sequela de uma necrose avascular  ( Doença de Legg-Perthes ) no quadril direito quando ainda adolescente na Theco-eslovaquia. Mudou-se com seus pais para o Brasil ainda jovem. Seus pais  haviam comprado  fazendas no Rio Grande do Sul, e iniciaram no ramo da pecuária  de corte, quase na fronteira com o Uruguai. Como a região era essencialmente  propícia a pecuária, seus rebanhos cresceram e se multiplicaram.  Suas terras e pastos  eram como um imenso gramado verde de futebol a se perder de vista. A família  Iankoviskev prosperou e continuou abastada e de grandes posses. Com o falecimento de seus pais, Hilton Arches, herdeiro único, passou a ser o proprietário absoluto de todo aquele império e de todo aquele gado. Mas Hilton era excessivamente apegado as coisas materiais. Ao contrario de seu pai que sempre foi um homem sem muito apego ao dinheiro e aos bens que possuía. Único herdeiro de toda a fortuna acumulada por seu pai, Hilton não precisava  trabalhar, apenas administrava seus bens. E  assim tinha tempo suficiente para dar vazão as suas neuras, complexos, medos e fobias. Lia muito e passou a investigar sobre algumas fobias que o atormentavam. Sofria com a possibilidade de contaminar-se com  germes e bactérias e, por isso, estava sempre lavando suas mãos. Não conseguia ficar em ambientes fechados ou escuros, pois se isso acontecesse tinha suores frios e vertigens, podendo mesmo chegar até  a  um ataque epiléptico. Com o passa dos anos, começou a ter informações de ancestrais  seus que teriam sido vítimas de uma doença terrível e rara chamada catalepsia patológica, também chamada de Doença dos Enterrados Vivos. Nessa doença, a pessoa desenvolve um estado de paralisia geral de toda a musculatura, principalmente dos membros, que se tornam rígidos, como nos mortos. Essa condição pode ocorrer associada em portadores de outras doenças, tais como Doença de Parkinson, síndrome neuroleptica maligna e epilepsia. Também pode ocorrer como sintoma característico na abstinência de anfetaminas como a cocaína, ou até mesmo no tratamento de esquizofrenia por um antipsicótico como o haloperidol, ou até mesmo de um anestésico tipo cetamina. Hilton Arches sabia de tudo isso mas achava que, como havia estórias de ocorrência em seus ancestrais, poderia ter a infelicidade de ser também uma vítima desse mal. Lia tudo que continha esse tema e assim leu Alexandre Dumas ( O Conde de Monte Cristo ) onde seu personagem Abbé Faria tem frequentes ataques de catalepsia até morrer definitivamente de um deles. Debruçou-se também sobre as obras de Edgard Allan Poe que tratou desse tema em sua obra. Leu também o autor brasileiro Alvares Azevedo que na sua obra “Noite na Taverna” tem um personagem chamado Solfieri que é portador de catalepsia patológica. Passou então a ter pesadelos,  onde se via sendo enterrado vivo, sem que ninguém pudesse ajudá-lo. Acordava apavorado, molhado de suor. Sua esposa o aconselhou  a procurar um médico, mas de imediato refutou a ideia. De nada iria adiantar!  E cada dia que passava ficava mais estressado. Não queria ir ao médico, muito menos tomar remédio. Sabia também que a maioria desses remédios são controlados e causam dependência se usados por tempo prolongado. Preferia não tomar.  Perdido nessas elocubrações, começou a elaborar em sua mente um projeto que poderia vir a ser literalmente a sua salvação. Mandaria  construir  um mausoléu bem no final de sua propriedade, onde já não passasse  ninguém e que ficasse muito distante de sua residência. Esse mausoléu seria especial, arquitetado e desenhado por ele mesmo. Teria espaço suficiente para construir prateleiras, onde criaria uma verdadeira dispensa de gêneros alimentícios  não perecíveis, suficientes para mantê-lo pelo menos por um mês, inclusive com garrafões de água mineral para saciar sua sede. O mausoléu seria hermeticamente fechado, apenas com uma pequena grade de aço na parte  superior da porta para circulação do ar. Em cima do mausoléu, teria uma crucifixo em bronze, e também um sino, cuja corda ficaria para dentro do mausoléu, pois caso ele voltasse do estado cataléptico, poderia puxar a corda e o sino seria ouvido a distância, atraindo a atenção da sua criadagem. Não esqueceu ainda de um megafone, onde ele também poderia chamar por  socorro, caso voltasse desse terrível estado de paralisia.  Tudo ficou pronto, com os mínimos detalhes meticulosamente calculados. Uma vez por mês ele mesmo ia até ao mausoléu e trocava seus gêneros alimentícios, seus garrafões de água. Fez um trato com sua mulher que, em caso de sua morte, deveria ser levado necessária e impreterivelmente para aquele mausoléu que ele construira com tanto esmero. O tempo foi passando e depois de mais de uma década, poucas pessoas ainda se lembravam daquele mausoléu abandonado nos fundos da fazenda do milionário e excêntrico Hilton Arches. Depois de uma tournè pela Europa e Asia,com sua esposa Ingrid , e que durou aproximadamente um ano,já com seus 71 anos ele foi encontrado morto pela manhã, em seu leito,  por sua esposa que saía do banho matinal. Cumpridas as formalidades legais, o corpo foi liberado para o velório e sepultamento.
        A viúva Ingrid, entretanto, lembrava-se bem  dos desejos de seu marido, ou seja, sepultá-lo naquele mausoléu que ele mesmo tinha arquitetado e construído lá nos fundos distantes das terras de sua fazenda. Além disso, recomendara a ela que  a urna deveria ser fechada, porém jamais parafusada. E como o desejo de morto deve ser sempre cumprido, Ingrid pediu a funerária que fizesse tudo conforme seu falecido esposo havia recomendo. Tudo pronto, o corpo de Hilton foi colocado em uma  urna de mogno,  toda trabalhada, com uma janelinha de vidro que permitia ver o rosto do morto, o qual parecia dormir, com  expressão serena e tranquila! O féretro após a missa de corpo presente seguiu para o mausoléu nos limites da fazenda. Com o movimento do carro fúnebre, a rididez  que tomava conta dos músculos de Hilton foi lentamente  se desfazendo. Ele abriu os olhos. O que sempre temeu estava acontecendo! Ele estava sendo enterrado vivo! Seus olhos estavam abertos, sua consciência perfeita, mas ainda continuava paralizado. Não conseguia falar, nem mexer um músculo da face sequer! Mas agora via e sentia perfeitamente as trevas da morte! trevas da noite.jpgA urna foi colocada numa espécie de pedestal  no mausoléu. Foram rezadas as orações de despedida, colocadas as coroas e flores sobre a urna, trancada a porta e as grades de aço, sendo as chaves entregues a viúva  Ingrid. Naquela mesma noite,  quando o silêncio imperava naquela área distante das fazendas, no limite da mata densa, o corpo de Hilton começou a se mexer e, como ele tinha previsto, foi fácil arrancar aquela tampa da urna, pois não estava parafusada. Já fora da urna, foi até o armário onde guardava as velas e o fósforo. Mas a humidade do local tinha inutilizado os fósforos que não mais acendiam. Mesmo assim, desesperadamente, tentou em vão atritando um por um todos os palitos de meia dúzia de caixas que tão bem guardara. Concentou-se o resto da noite na escuridão, esperando ansiosamente pelo raiar dia, quando colocaria o restante de seu plano em ação. Mal o dia clareou, procurou pelos garrafões de água, porém estavam secos, a água havia se evaporado. Correu para os armários da dispensa, mas quando abriu uma das portas viu a silhueta de um rato que furtivamente fugiu. Todos os alimentos que guardara haviam de deteriorados. Lembrou-se do sino. Sim, o sino! Poderia chamar alguém que viesse em seu socorro. Correu para a corda do sino, mas quando a puxou, a corda que já estava puída, quebrou lá no alto, próximo ao badalo.  Já em pânico, lembrou-se do megafone. Sim, lá estava ele! Correu para pegá-lo  mas quando puxou o botão para “ON”, o “led” verde não se acendeu. As pilhas  tinham  se esgotado, e não havia  outras. Com fome, com sede, desesperado e em pânico, Hilton Arches já não conseguia mais raciocinar. A noite já chegava outra vez! Correu para a grade de aço da porta. Uma grande lua nascia distante, iluminando tudo por trás da mata. Uma coruja pousou sobre a folha de uma bananeira que ficava em frente ao mausoléu. Curiosa, parecia olhar para ele!...


PVH-RO, 29/07/13

Um comentário:

  1. Ainda bem que não li a noite... Tétrico.
    Na minha infância, li vários contos sobre catalepsia, mas não fiquei maníaco, como o seu personagem.
    Grande abraço, Zé Carlos

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