quarta-feira, 24 de julho de 2013

O TREM E A LINHA DE SEROL






     





             Na irriquieta adolescência, de acordo com as estações do ano, tínhamos as diversas brincadeiras. Na época das chuvas fortes, por exemplo, brincávamos de  solotex, que era o futebol de botão ou de mesa, cujos jogadores eram feitos de caroços de tucuman serrados, lixados e polidos com cera de lustrar sapatos. Petecas e piõe vinham na sequência. As petecas coloridas, algumas com o núcleo trazendo desenhos que imitavam carambolas, eram as que tinham maior valor, chamadas petecas colombianas. Chegavam as vezes a valer cerca de 5 ou 6 tecos, ou seja, para ganhar a posse de uma dessas petecas, o jogador adversário tinha que ganhar 5 ou 6 vezes a mesma partida! Tinhamos também os bolôs de aço pra quebrar petecas de outros meninos que se aventuravam a jogar com a gente. Aquele que gritava  primeiro“FONA” era o que comandava o início do jogo de petecas! Assim, quando tocava a campainha pro recreio na escola, saiamos correndo e já íamos gritando de longe: --“FONA!” pra ganhar o mando do jogo. Os piões e carrapetas eram torneados do tronco da goiabeira, mogno, cedro ou mesmo da favera-ferro. Tinham que ser resistentes para suportar as picadas de outros piões sem partir! As carrapetas tinham que ser mais leves, pois eram jogadas e aparadas na mão! Os piões coloridos e de corda, da marca Estrela, não tinham nenhum  valor para nós, eram brinquedos de“pirralhos”como costumávamos dizer! Nos meses mais quentes brincávamos de “PATELA”, tomávamos banho nos igarapés dos arredores da cidade, como por exemplo, o Banho do Pe. Pio, o “Três-e-Meio”, as “Pedrinhas”, os “Milagres”, etc. As baladeiras ou estilingues atravessavam o ano inteiro, mas eram mais vistos quando floravam os cajueiros e coqueiros, pois chegavam em bandos papagaios, curicas e periquitos! As patelas nada mais eram que aquelas borrachas com ranhuras paralelas do solado dos sapatos que, arrancadas, eram arremessadas para retirar de um círculo previamente riscado no chão, papéis de carteira de cigarro que eram dobrados como se fossem cédulas de dinheiro! Quando não tínhamos campo de grama pra jogar, fechávamos a rua e com tijolos marcávamos as traves do gol e jogávamos até anoitecer, quando nossas mães já cansadas de chamar para o banho vespertino, pegava o cinturão e acabava com o jogo!  E assim se passava o ano inteiro com as várias brincadeiras se alternando por temporadas. Mas de todas essas brincadeiras, a que mais me marcou e fascinou foi o papagaio ou pipa! Em algumas outras cidades do Norte, também chamado de rabiola. Tinha que ser verão, com muito sol e vento! Fazer e empinar um papagaio era minha melhor distração! Confeccionavamos os papagaios usando talas de buriti e papel de seda. Os desenhos usados eram os mais variados. Tinhamos desde os mais simples, de uma única cor até os mais sofisticados como de xadrez, em “T”, “Banda-de-Asa, de “Caveira”,de “Losângulos”, de“Listra”, etc. Fazer o papagaio “catar”, ou seja, descer como uma flexa de ponta-cabeça, com a rabiola retilínea e depois correr de banda cortando a linha de outros papagaios que aparecessem pela frente! Era demais!...Ver a garotada correndo como enloquecidos, com varas nas mãos pra pegar aqueles  papagaios que, cortados, já não tinham mais donos!...Alguns usavam colocar giletes  encastoadas na rabiola de seus papagaios para cortar  os incautos que tentassem pendurar seus adversários trançando suas linhas nas rabiola. Particularmente, eu não gostava desse método! Achava que era um artifício covarde! Pra cortar um outro papagaio, tinha mesmo que ser no serol!  A linha era encerada de duas maneiras: esticando-a entre dois postes de rua, ou com o papagaio já no ar, encerando e “descaindo” a linha. Mas, dessa última forma, o vento tinha que estar forte e o papagaio com “força”! Tinha ainda os que não usavam serol, preferindo brincar de “linha branca”. Esses eram facilmente abatidos ou tinham que fazer a chamada “bolada”, que nada mais era do que trançar os papagaios lá no alto e puxados para baixo com toda rapidez possível! Aquele que fosse mais rápido seria o vencedor, quebrando com suas próprias mãos a linha do adversário!... O serol sempre foi o grande segredo! Era previamente preparado, usando-se cola de sapateiro em tabletes ou barras, que eram fervidas em água até ficarem liquefeitas. A seguir adicionávamos o vidro pilado ou moído e estava pronto o serol para passar na linha!
      Havia nessa época uns três impinadores de papagaio que reinavam como campeões absolutos: Nézio Guimarães, seu irmão Alexandre Guimaães ( o Xanda ) e o “Pau-Sêco”. Cada um tinha seu estilo próprio de exibir seus papagaios! Um colocava longas rabiolas, outro gostava de papagaios menores, com linha mais fina e que “pegava” melhor o serol. Quando esses campeões estavam com seus papagaios no ar, todos imediatamente recolhiam suas linhas se não quisessem ficar sem os seus papagaios!
      Mas, depois de algum tempo fiquei sabendo que o grande segredo do serol chamava-se “preparo”! Esse preparo na realidade era um aditivo que quando colocado no serol, ajudava-o a secar mais rápido e também a ser mais eficiente em cortar a linha do adversário! Depois de procurar informações mais detalhadas, colocar olheiros infiltrados, fiquei sabendo de  alguns “preparos”tipo ácido muriático, solução de bateria e outros, e com o tempo cheguei a conclusão de que esses “preparos” só apodreciam nossas linhas mais rapidamente!... Um outro segredo que também descobri, é que o vidro a ser pilado ou moído era de fundamental relevância! O vidro azul que vinha como embalagem do “Leite de Magnésia” era ideal, pois quando pilado ou moído, dava um serol afiadíssimo! Alguém descobriu também que em vez de pilar o vidro em pilão de ferro, o melhor e mais prático era colocar os vidros  nos trilhos do trem! Quando o trem passava era só ir juntar o vidro moído e preparar o serol.  E, assim, quando fechavam o Escritório da Estação da EFMM, eu e minha turma levávamos nossos vidros de Magnésia e outros tipos de vidros para colocar sobre os trilhos do trem. No dia seguinte íamos buscar o pó do vidro! Nunca entendi que diferença fazia o serol com vidro pilado em pilão de ferro e o vidro moído nos trilhos do trem! A verdade é que, enquanto a EFMM tinha seus trens partindo para Guajará-Mirim, eu também entrei para a lista seleta dos campeões de papagaios! Só não me perguntem o porque!?...
                                                                                                

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