sábado, 30 de abril de 2016

A FESTA DO BALBINO

A FESTA DO BALBINO

Samuel Castiel  Jr.


"Escolha  e selecione bem antes de convidar para sua festa!..."  







        Já era aposentado, mas como médico, continuava a trabalhar nesses postos municipais de saúde, pois tinha pavor do ostracismo e da solidão. Por isso mesmo Balbino estava sempre procurando fazer novas amizades. Nos finais de semana costumava frequentar os ambientes onde se encontrava com velhos amigos bebedores de cerveja. Ali ele se divertia ouvindo lorotas e também contando as suas. Nesse sábado, Balbino chegou mais cedo no Bar do Bigode, mas nem desceu do seu carro. Fez sinal chamando seu velho amigo e colega médico Luciano para ir até ele:
-Amigão, você não sabe mas hoje é o dia do meu aniversário!      
Passei aqui só pra convidar você. É um pequeno almoço que estou 
fazendo na minha casa. Logo mais a partir das 13 horas. Você vai?
Chame também o Julinho e todos os outros amigos que estão com você.
     O Luciano ainda tentou justificar que se encontrava ali com outros amigos e que talvez não pudesse se liberar tão cedo.

---Vou tentar Balbino, mas você sabe como é!…São muitas

estórias, cada um quer contar as suas e o tempo vai passando.

__Não tem problema algum: você convida a todos que estiverem 

aí, em meu nome, e vão vocês todos lá pra casa. Vou comprar mais cerveja. Ah! Já ia esquecendo: leve o  sax pois quero ouvir canções românticas ao sôpro do seu saxofone.

    O Luciano, mesmo preocupado, voltou para seus amigos e, em voz alta, pediu a atenção de todos e fez o convite recomendado pelo aniversariante

       Na mesa dos bebedores de cerveja, encontrava-se o Zé do Porco, um velho e fanfarrão amigo de todos.  Depois de explicado onde era a casa do aniversariante, todos acertaram que iriam festejar com o Balbino. Além do mais, o almoço deveria ser farto!...
     O Zé do Porco que se encontrava acompanhado de sua nova ”gata”, uma loura oxigenada, de baixa estatura, bem acima de seu pêso, perguntou ao Luciano se poderia levar com ele o seu novo amor.
---Claro Zé do Porco! O Balbino foi bem claro: convidou a todos, inclusive o dono do estabelecimento.
Ao chegar a casa do Balbino, por volta das 13:00h, já havia uma aglomeração de carros estacionados nos entornos da residência do Balbino. Bem na entrada da casa, postara-se a esposa de um amigo, dando o peito a seu filho, num gesto materno de amor. Mas o que  tornava essa cena mais hilariante era o sol equatorial escaldante e um calor insuportável, fazendo a mãe e o bebê quase se derreterem. Luciano ao entrar no recinto observou logo que havia vários amigos conhecidos da Loja Maçônica, a qual pertencia o Balbino. Num corredor da casa, estava postada a mesa decorada e fartamente servida, onde se podia escolher pratos de mariscos com grandes camarões, lagostas, lulas e mexilhões. Outros pratos de carnes bovina, suína, galetos e frangos. Frutas tropicais como mamão papaya, abacaxis, cajus e laranjas decoravam a mesa. Tudo impecavelmente preparado. O Balbino e sua mulher não mediram esforços nem economizaram para aquele almoço – pensou Luciano.
Apertado, la no final do corredor, um conjunto de pagode animado tocava e batucava os pagodes da época, que tinham como interpretes Zeca Pagodinho, Almir Guineto, entre outros tantos.
A casa do Balbino não era pequena, mas pela quantidade de convidados que não paravam de chegar, as pessoas começaram a se esbarrar, acomodando-se como era possível. O Balbino se desdobrava para receber e atender bem todas as pessoas que chegavam. Quando começou faltar assento, ele trouxe as cadeiras da sala de jantar, depois pegou até uma poltrona velha  do seu quarto de dormir. A bebida oficial era a cerveja, a princípio bem gelada, mas depois nem tanto.
     O Zé do Porco que tinha se aboletado num banco escorado na parede, junto com sua loura oxigenada, estava tranquilo tomando sua “gelada” quando sua “gata” lhe avisou que iria sair na sua Kombi para buscar uma amiga, pois estava se sentindo meio deslocada naquele ambiente. Apesar dos protestos do Zé, sua amada pegou a chave do carro e foi-se embora. A festa continuou e parecia que tinha atingido seu equilíbrio. Os convidados pararam de chegar. Os amigos da maçonaria começaram a deixar o recinto.

O conjunto de pagode parou de tocar. O Balbino, com uma cara de

felicidade, chamou o Luciano e disse-lhe que queria ouvir o saxofone. Como o Luciano tinha prometido, pegou seu instrumento e chamou seu parceiro Genésio. Postaram-se na entrada da casa, pois a mulher que amamentava já tinha mudado de lugar e a criança  suada dormia em seu colo.
Depois de algumas canções com o sax, aplaudidas por todos, o Luciano percebeu que uma Kombi parou em frente a casa do Balbino. Vinha com lotação absolutamente completa! Dela saltaram várias mulheres, desconhecidas e mal arrumadas. Foram entrando e sem cumprimentar a ninguém, apertaram-se entre os convidados. Uma delas, então, disse que não bebia cerveja e pediu uma dose de whisky. O Balbino que não bebia whisky nem tinha whisky em sua casa, lembrou-se que ganhara uma garrafa de presente de algum daqueles amigos, naquele dia. Pediu que a mulher fosse até a cozinha e pedisse o whisky ao seu mordomo, que também servia de garçon.
       A festa continuava quase no seu ápice. Todos já  falavam muito   alto, o vozerio era intenso. O Luciano continuava tocando canções no seu sax e o Balbino se deleitando. Foi então que no meio do vozerio, ouviu-se gritos histéricos, impropérios e palavrões que vinham lá da cozinha do Balbino. Com certeza alguém se desentendeu lá por dentro – pensou Luciano. Mas continuou a tocar, até porque talvez encobrisse um pouco aquele barulho da confusão. Na realidade, a mulher que foi pedir a dose de whisky recebeu um NÃO do mordomo-garçon, que se negou a abrir a garrafa, pois era um dos presentes de aniversário do Dr. Balbino.
---Não vou abrir nada, não vou servir nada! Se quiser beba cerveja como todos! 
---Você é um troglodita ignorante, infeliz e imbecil!...
    E a coisa começou a desandar até as vias-de-fato. Ficou caótico! Uns a favor do mordomo-garçon e outros contra. Brigaram todos.       Para a surpresa do Luciano, a briga veio da cozinha, passou pelo corredor, e atingiu a frente da casa onde o sax tocava.
    O parceiro e guitarrista do Luciano ainda ponderou:
--- Olha Lu, não é melhor a gente parar? A coisa tá ficando “preta”
 rapaz!
---Calma aí, Genésio! Não podemos parar agora. Pode ser pior.
Continuamos então até que, sem esperar, uma das mulheres que chegaram na Kombi veio se embolando com a mulher do Zé do Porco, a qual, mesmo com seu excesso de pêso, deu um “salto-mortal” numa cambalhota mirabolante e caiu de pé em cima da sua adversária. Parecia uma cena de circo. Nisso uma taça de vinho explodiu na frente do Luciano. Era uma vizinha que, injuriada com o barulho e os palavrões, jogara a taça por cima do muro. Foi aí que o Luciano resolveu parar de vez de tocar seu sax, seguindo o conselho de seu parceiro Genésio. Quando o Luciano olhou para o Balbino, este parecia em transe. Parecia que estava em outro mundo, vivendo um pesadelo. O Luciano fechou rapidamente seu sax, colocando-o no estôjo e saiu as pressas correndo , chamando o Genésio para correr  também  e sair dali.
---Mas Luciano, porque nós temos que correr? Afinal não temos 
nada a ver com essa briga!…
--- Vai por mim cara! Não te falei nada mas eu tô na "condicional," se a "dura"  me pega vou ver o “sol quadrado!...” E eu já tô ouvindo as sirenes da viatura se aproximando. Corre neguinho!…

PVH-RO., 29/04/16

quinta-feira, 7 de abril de 2016

SERESTA & SERESTEIROS

SERESTAS & SERESTEIROS
Samuel Castiel Jr.











     A lua sempre despertou no ser humano sentimentos de mistério e encantamento. A lenda do lobisomem que nas noites de lua cheia sai para espreitar suas vítimas, o canto da sereia a luz do luar levando o navegante para o mar aberto, e também o bôto que nas noites enluaradas vem conquistar e engravidar as mocinhas do vilarejo. Mas, dentre tantos encantamentos despertados pela lua, a seresta e os seresteiros são os mais românticos  desse mistério e encantamento que a lua induz aos homens. Desde tempos imemoriais o homem olhava para o céu e ficava com uma sensação de beleza e encantamento.        O poeta sempre cantou a beleza das noites de lua. Mas o som de um plangente violão e a voz de um seresteiro, parecem que formam a perfeita harmonia nas noites de lua.
     Levado pelo encantamento da lua, Euclides estava ansioso naquela noite. Queria fazer uma seresta inesquecível para sua musa e namorada. Convidou os amigos seresteiros: Marquinho no violão de sete cordas, Paulinho da Flauta, Magna com o repique, Fernandinho do Cavaco e o “Cabeça”, como croner. A proposta era fazer uma seresta memorável, que ficasse na estória. Como todos já estavam acostumados a tocar e cantar juntos, bastaria um pequeno ensaio de última hora pra “passar”as músicas. Foi combinado que se encontrariam as 21:00h na praça Aluizio Ferreira, já que a sua namorada morava no bairro Caiari, um dos bairros nobres de Porto Velho. Tudo certo, tudo acertado. A grande lua iluminava o céu e clareava a noite. A praça estava lindíssima, solitária e perfumada com o aroma das rosas e begônias plantadas em seus magníficos canteiros. Tudo conspirava para uma inigualável seresta!...As 21:00h Euclides ansioso já esperava por todos sentado num dos bancos da praça. Cabelo brilhando penteado e esticado pra trás as custas de um gel fixador discretamente perfumado. Tinha escolhido minunciosmente um repertório eclético que incluía sambas, boleros e guarânias, algumas em castelhano, sucessos na América Latina. Selecionara também meticulosamente samba-canções que fizeram sucesso nas vozes de  Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Lupicínio Rodrigues, Vinicius de Morais, etc. Os amigos de Euclides foram chegando e a proposta era ficar “passando”as músicas ali na praça até que as luzes da cidade se apagassem pois por questões de economia a energia da cidade era cortada as 23:00h e só retornava as 5:00 h, quando a cidade começava se acordar.
    Uma garrafa de pinga servia para dar inspiração e afinar as cordas vocais dos seresteiros. Depois de algum tempo, finalmente aconteceu o que todos esperavam: a luzes se apagaram!...Foi aí então que todos puderam ver a punjância daquele luar. --Parece um Dia!-- exclamou o “Cabeça”.--vai ser A SERESTA!
   Euclides avaliava tudo e saboreava antecipadamente o sucesso que seria aquela serenata!
    Chegou finalmente o momento final. O relógio de Euclides marcava meia noite. Todos então começaram a se dirigir rumo a casa da Aninha, a namorada e musa do Euclides.
    Soaram mágicos os primeiros acordes do plangente violão do Marquinho, solando  a introdução do “Meu Violão Meu Amigo” para a seguir entrar a voz do “Cabeça” cantando essa belíssima canção. E a seresta continuou, impecável fazendo uma harmonia com aquela noite enluarada. Tudo conspirava para o romântico apogeu.
   O Elclides estava em transe, só esperava a sua amada abrir a janela para recepcionar os seresteiros e agradecer tão harmoniosa demonstração de amor!...Trazia uma rosa vermelha no bolso de sua camisa para ofertar e atirar para sua amada no momento que ela abrisse e aparecesse naquela janela.
   Como ainda não havia asfalto na cidade, os carros ao se deslocarem levantavam muita poeira, deixando como rastro uma nuvem de pó avermelhado.
  O "Cabeça" cantava uma canção de Lupicínio quando um carro dobrou na esquina da casa da Aninha e freou bruscamente, com faróis altos em cima dos seresteiros que ficaram todos envoltos pela nuvem de poeira avermelhada. Na sequência saiu do carro um homem alto e magro, gesticulando e vociferando impropérios. Tudo parou! Acabou o encantamento e desapareceu a harmonia do luar. Reinou o silêncio e a perplexidade.
--É o pai da Aninha! --disse o Euclides quase gritando.
Foi tudo muito rápido. O homem sacou de uma pistola e começou a atirar na direção dos seresteiros. Em desabalada todos fugiram como puderam e em rumos diferentes.
   Momentos depois, com o violão nas costas, língua pra fora e ofegante, o Marquinho se encontrou no Mercado Central com o Euclides que também ainda estava assustado e ofegante. Perguntou-lhe então:
--Não entendi nada, Euclides! O que aconteceu?
--Acho que aquele cara não gostou do nosso repertório!…



PVH-RO., 06/04/16