NOS TEMPOS DO CORONA

Samuel Castiel Jr.








Ele era médico da imagem, mas também misófobo. Aliás, fez especialização em 
radiologia, depois fez ultra-sonografia e ressonância magnética,  pois assim não 
era necessário o contato direto com os pacientes mal-cheirosos, muitas vezes 
vomitados ou defecados. No seu consultório estava sempre lavando as mãos com 
sabonetes, passando álcool em gel. Cada vez que pegava no mouse do seu 
computador, ficava com sensação de sujeira e corria logo para fazer a assepsia 
das mãos. Já tinha até pensado em procurar ajuda de um psicólogo.
     Quando começou a pandemia do corona, começou também  a entrar em pânico! 
Só atendia com hora marcada e poucos pacientes para fazer seus exames de 
ultra-sonografia. Após cada exame, corria para o banheiro e tomava um banho completo, 
fazia assepsia das mãos e braços, usava álcool em gel. Mas sua preocupação maior era 
no plantão no hospital onde fazia exame de ultra-sonografia. Foi numa noite de sábado 
que tudo aconteceu.  O plantão corria dentro do esperado: poucos exames, nenhum 
de risco.  De repente, toca seu telefone e do outro lado a voz da recepcionista informou 
que um paciente estava subindo pelo elevador para realizar um exame de ultra-sonografia 
e que era um paciente com histórico de dores musculares, tosse seca e febre, já com teste 
positivo para Covid 19.  O médico que pediu queria saber se havia algum problema 
abdominal. Começou então seu martírio.  Sentiu o suor frio escorrer da sua testa. 
Sentiu também náuseas. Correu para o banheiro e começou a se vestir com os EPIs: 
duas calcas, duas camisas, dois aventais, óculos, duas máscaras e duas luvas. Enquanto 
se vestia, ouvia aquela tosse seca vindo lá da recepção da sala de exame. Já sentia o 
suor escorrer pela sua coluna até encontrar o sulco gluteo. Chegou a se sentir entubado e 
no ventilador. Suas mãos tremiam.
Quando chegou na sala de exame, o paciente já estava na sala, deitado na maca 
do exame, Tossia muito. Quando o paciente viu o médico todo paramentado e parecendo 
um ET, quis se levantar. Foi então que aconteceu o inesperado: o paciente tossindo muito, 
tentou se levantar da maca e, como se estivesse obnubilado, tentou se abraçar com o 
médico.  O Dr. em pânico  saiu em desabalada carreira rumo ao elevador e quando deu 
por si estava na recepção do hospital, aos gritos com a secretária que não voltaria mais 
para aquele serviço, podiam arrumar outro substituto. Desceu correndo pra garagem e 
pegou seu carro,  ainda todo paramentado e sob os olhares curiosos de funcionários 
que, sem nada entender, queriam saber que bicho tinha mordido o doutor!... E ele gritava:

Olha o vírus, gente!  Olha o vírus!!! Tchau pra vocês!