quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O JOGADOR

O JOGADOR

Samuel Castiel Jr.


" Malandro é malandro, Mané é mané! "
           ( Diogo Nogueira)







                                                                                                                                      Era viciado em jogo. Chegava a ser compulsivo. Futebol, basquete, vôlei, tênis de mesa, baralho, etc. Gostava de tudo, mas principalmente de apostar. Apostava na Mega-Sena, na Quina, na Loto-Fácil, etc. Comprava qualquer bingo que aparecesse. Muitas vezes chegava em casa com um frango assado que ganhara num bingo quando passava numa rua do centro. Quantas vezes chegava em casa altas horas da madrugada com um giz enfiado atras da orelha que se esquecia ao terminar a última rodada da sinuca. Criava galos de briga para lutas de rinha, sempre apostando em seus galos que recebiam revestimento de aço em seus esporões afiados.Ficava até altas horas da madrugada jogando pôquer com jogadores profissionais, em cassinos clandestinos. Já tinha perdido carro e até a residência, morando agora de aluguel. Sua mulher fazia promessa pra que ele parasse com essa fissura pelo jogo e pelas apostas. Mas não alcançava essa graça!
              Certa vez saiu na sexta-feira pro trabalho e não voltou. O sábado inteiro não deu notícias. No domingo, já passava do meio dia quando chegou. Vestia-se sempre todo de linho branco puro –como dizia,  com sapado de duas cores, chapéu panamá, com estilo malandrão. Mas estava sempre bem amarrotado. Nesse domingo, porém, além de amarrotado, estava todo sujo. Refletia bem o jogo perdido, sem revanche. Vinha acompanhado de um parceiro do jogo que tinha a cara de todos os malandros!
---Olha Barbosinha, acho que sua patroa não vai acreditar no que você perdeu! – disse o malandro, com um sorriso maroto  no canto da boca.
--- Ela sabe que dívida de jogo tem que ser paga!
      Foi entrando na casa e chamando pela mulher:
---Maria, vou te apresentar o Val, que é o meu parceiro no baralho. Ele veio comigo porque eu perdi você!
---Como assim? – pergunta a Maria com ar de incrédula.
       Era uma mulher de meia idade, porém nova e formosa, que tinha as coxas grossas e  um traseiro redondo, proeminente.         
---No baralho, é claro! Você tem que ir com ele e se deitar com ele. Leva e traz você no carro dele que tá lá fora. Você sabe muito bem que dívida de jogo tem que ser paga, não é?
---Filho da Puta é o que você é! Mas você me paga!
       Foi lá pra dentro e, quando voltou, tava com outro vestido mais colado, uma rasteirinha nova e tinha os lábios pintados de um vermelho forte.
---Vamos logo Seu Val, não gosto que esse traste fique devendo a ninguém!
        O malandro Val incrédulo saiu na frente e ela atrás.
         Meia hora depois, Barbosinha pede a sua esposa Clotilde pra servir o almoço e abrir uma garrafa do vinha chileno que comprara  recentemente. Pega o celular e liga:
---Alô, Val! Só pra lembrar, você me deve agora Cem Mil Reais.
        E desligou.


PVH-RO, 31/10/13

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A "VACINA" DE SAPO

A “VACINA” DE SAPO

Samuel Castiel Jr.











            Sempre fui curioso. Algumas vezes paguei caro por isso! Certo dia, em conversa com um amigo do Acre, fiquei sabendo da chamada “vacina” de sapo, extraída do veneno de um sapo da Amazônia, e que estava fazendo verdadeiro prodígio nas pessoas que recebiam esse tratamento naquele Estado vizinho.  Imediatamente procurei inteirar-me e fui atrás de maiores informações, pois padecia de uma sinusite crônica que não curava com nada. Segundo esse amigo acreano, essa vacina era produzida por índios de varias tribos da Amazônia, tais como os Kanamaris, Katukinas, Kaxinawa, Marubos, Matses, Yaminawa, etc., e estava indicada pra cura da diabetes, colesterol, reumatismo, asma, sinusite e mais uma infinidade de males, além de produzir uma verdadeira desintoxicação no organismo, tornando as pessoas mais saudáveis e longevas. Produzia também uma enlevação da alma, fazendo com que as pessoas se tornassem mais puras e tementes a Deus.  O sapo, na realidade, é um anfíbio local chamado de kampô ou kambô, cujo nome científico é Phyllomedusa bicolor. O seu veneno é poderoso, raspado da costa dessa perereca e armazenado em palhetas de madeira. Nas tribos é sempre aplicado pelo curandeiro, também chamado de sapeiro, que primeiramente queima a pele do braço( nos homens) ou da perna ( nas mulheres)  com a brasa de um palito, fazendo vários pontos onde é aplicado o veneno do sapo. Dizem os indígenas que as mulheres que tomam essas vacinas ficam mais fortes para ajudar na caça, servindo também para curar a “panema”, uma espécie de depressão do índio.
            Depois de ter todos esses conhecimentos, confesso que já estava de malas prontas para viajar para o Acre, quando fui informado que um índio curandeiro estaria de passagem aqui em Porto Velho e faria a vacina naquelas pessoas que se interessassem. Iria atender apenas naquele final de semana, pois tinha que retornar ao Acre, as pressas, onde sua tribo o esperava. Custaria R$ 100,00  (cem reais) a aplicação. Não tive dúvida, eu seria um candidato em potencial! Recebi orientação para fazer uma dieta três dias antes, evitando comidas sólidas. No dia da aplicação, o jejum tinha que ser absoluto. Nem água eu deveria tomar antes da “vacina”.Como a mídia já tinha feito um alarde sobre esse tema, noticiando inclusive a morte de uma pessoa em Pindamonhangaba – SP.,  em 2008, o curandeiro estava preocupado com a Polícia Federal que estava investigando essa situação, inclusive visitando as tribos indígenas no Acre e em outras aldeias da selva amazônica. Sabia-se até de estrangeiros vindos  dos Estados Unidos, da Europa e da Asia no afã de tomar a tal vacina de sapo ou então levar algumas palhetas para seus países, cometendo assim a chamada  biopirataria, crime internacional, alvo de investigação pelos órgãos federais.
            Depois de ler o depoimento de varias autoridades no assunto, inclusive do biólogo Missawa que fez uma parceria com os índios Huni-Kui (Kaxinawa) sem êxito na tentativa de obter autorização para estudos das características e dos efeitos imunológicos do veneno do sapo, através do Institto Butantan, eu resolvi que deveria experimentar essa “vacina”, uma vez que ela já estava incorporada na cultura da chamada terapia da selva.
             Chegou o meu dia. Era  sábado e eu estava ansioso para saber qual seria a minha reação frente aquela “vacina”. Estava juntamente com outras pessoas em uma chácara nos arredores de Porto Velho, onde havíamos dormido por recomendação do sapeiro. As 5:30 da manhã o curandeiro mandou que nos acordassem. Recomendou mais uma vez que ficássemos em absoluto jejum. Levou-nos para o terreiro que ficava próximo a um igarapé, recomendando que deveríamos ter em mente as coisas que mais nos incomodavam, não apenas as doenças mas também os enigmas  espirituais para os quais não temos explicações. Pediu novamente que nos concentrássemos, fez algumas orações em língua indígena, que nada entendi. Depois levou todos para outro aposento da casa, dizendo que a vacina tinha que ser aplicada um por um de cada vez. Cada aplicação levaria aproximadamente uma hora, pois algumas pessoas poderiam necessitar de cuidados mais demorados. Perguntou se alguém gostaria de ser o primeiro e eu imediatamente me apresentei. Levou-me então para fora da casa e nos dirigimos para a beira do igarapé. Ali estavam uma mulher índia e seu auxiliar também índio, o qual meteu a mão em um saco de pano e tirou de lá de dentro uma perereca verde, que já veio com as perninhas amarradas cada uma  por um fio barbante. A seguir o sapinho foi amarrado em duas varetas que estavam fincadas no chão, em paralelo.  O sapinho então ficou estirado, amarrado pelas pernas. Aí foi que o curandeiro se aproximou de mim, pediu-me que tirasse a camisa e se dirigiu a uma pequena fogueira, retirando de lá um palito longo e com a ponta em brasa. Voltou-se para mim e disse:
---Vou fazer pequeninas queimaduras no seu braço.
             Encostando aquela tala com ponta de brasa na pele do meu braço, fez uns sete  furos de queimadura, produzindo muita  dor, porém suportável. Na sequência  pegou uma palheta de madeira e foi até onde o sapo se encontrava esticado pelos fios barbantes. Com a palheta ele raspou o dorso verde do sapo, tirando uma substância gosmenta e ligeiramente esverdeada. Voltou-se para mim e esfregou aquela substância em cada foco de queimadura no meu braço. Em trinta segundos comecei a sentir tonteira e mal-estar. A seguir vieram náuseas e fortes dores no estômago que me fizeram vomitar. A dor de cabeça parecia que ia explodir meus miolos. Minha pressão arterial subiu rapidamente. Meus olhos parece que iam saltar das órbitas. Consegui me acalmar, pensando que tudo era passageiro e que dentro dos próximos cinco minutos eu estaria melhor. Não estava e continuei piorando. Veio a diarreia com cólicas intensas. Um suor frio saia de todos meus poros. A respiração estava ficando difícil.  Acho então que desmaiei.
            Foi aí que tudo aconteceu. O ambiente era diáfano, havia uma paz absoluta e seres transparentes passavam por mim. Havia uma musicalidade suave de fundo e uma sensação de conforto pleno. Um ser angelical aproximou-se de mim e perguntou o que eu desejava ali.
--Quero falar com Deus! – disse-lhe.
            O ser afastou-se e fez um gesto para que eu o seguisse. Entramos em vários ambientes de luz, como se fosse um túnel, e onde cada vez mais a sensação de bem estar tomava conta de mim. Finalmente, abriu-se uma grande porta e vi sentado em uma poltrona brilhante muito grande e alta aquela figura também diáfana, com uma aureola dourada. Estava de costa para mim. Não precisava falar comigo através de palavras, pois eu entendia tudo o que me dizia e bastava que eu pensasse para que Ele me respondesse.
--Que queres aqui meu querido e curioso filho?
--Senhor, perdoai-me por ser curioso e não compreender muitas coisas da vida.
--O que queres saber filho querido?
--Porque existem pobres e ricos? Porque existem abastados e miseráveis? Porque uns esbanjam enquanto outros milhares amargam a fome cruel e vergonhosa? Porque crianças já nascem condenadas a morte ou com doenças incuráveis para sofrerem o resto de suas vidas? Porque existem pessoas boas e íntegras e outras são vis e de mau caráter? Porque tanta violência?Porque os povos fazem guerra, onde morrem milhares de inocentes? Porque?
              Quando Ele girou sua poltrona e ficou de frente para mim, o que vi deixou-me ainda mais perplexo, a ponto de explodir:  o rosto de Deus era o meu rosto! Foi então que recebi um forte jato de água fria no meu rosto, acordando-me de vez.
--Já chega! Já chega, meu caro amigo cara pálida! Você delirou muito e deu muito trabalho pra nós. Vá dar um mergulho naquele igarapé pra passar de vez essa lombra! --disse o curandeiro, já um tanto mal humorado.
              Guardo até hoje as sete cicatrizes da “vacina”de sapo no meu braço esquerdo. Nunca mais voltei a sofrer de sinusite.


PVH-RO, 22/10/13

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

ASSALTO AO BANCO DO BRASIL

ASSALTO AO BANCO DO BRASIL

Samuel Castiel Jr.


















          Hidemburgo havia sido transferido de Maceió como gerente da mais nova agencia do Banco do Brasil em Porto Velho, Rondonia. Além da árdua missão de administrar a nova agencia, tinha um outro problema que era o de adaptação sua e de sua família, pois deixara uma capital litorânea beijada por um mar de águas azuis, com os ventos constantes agitando os coqueirais, e agora estava numa cidade de clima quente, em plena Amazônia tropical.
          Com o passar dos meses, Hindemburgo aos poucos foi se adaptando a nova realidade. Ao contrario, sua esposa sempre reclamava do clima inóspito da cidade, bem como da violência. Soubera que a construção das hidroelétricas de Santo Antônio e Jirau no rio madeira acabou atraindo ladrões e assassinos profissionais de outras regiões do país,  aumentando significativamente os índices da violência no Estado. Tinha um casal de filhos adolescentes, já se preparando para o curso superior. Como estava acostumado a caminhar na orla em Maceió, Hindemburgo todo dia fazia suas caminhadas ao sair do Banco no final da tarde. Costumava andar pelo menos uns 6 km, voltando já a noite para casa. Tinha esteira em sua casa, mas preferia caminhar na pista, a não ser quando chovia naquele horário. Nesse dia, ao chegar de sua caminhada e abrir o porão automático da garagem, foi surpreendido por dois assaltantes que puseram o revolver 38 em sua cabeça. Ordenaram que entrasse e fechasse o portão, antes porém fizeram entrar também mais cinco homens e uma mulher, todos encapuzados.  Aí começou uma longa noite de terror e sofrimento pra toda a família. Juntamente com sua  esposa foi amarrado, com olhos e boca vedados por vendas e fitas adesivas, mãos e pés imobilizados. Foram presos num quarto da casa e, quando seus filhos chegaram tiveram o mesmo tratamento e o mesmo destino.
--Quem são vocês? O que querem de mim? –perguntava Hindemburgo muito nervoso.
--Não vamos te fazer mal algum se  colaborar com a gente –dizia um dos assaltantes que devia ser o chefe do bando. Só queremos que você vá conosco até a sua agência e abra o cofre. O resto é por nossa conta!
--Vocês ficaram loucos? Jamais faria isso, e mesmo que fizesse não conseguiria abrir, pois o cofre tem um sistema de abertura programado para determinadas horas. Ninguém sabe o segredo, tudo funciona automaticamente. Existe um “timer” que controla o tempo de abertura e de fechamento.
--Fique tranquilo, senhor Hindemburgo! Nós já sabemos como tudo funciona! Sabemos também que existe um código de emergência, que faz o cofre se abrir como se fosse uma varinha de condão!...E sabemos também que só o gerente é que tem esse segredo. Portanto, você precisa colaborar com a gente, caso queira viver e ainda ver sua queridinha família. Aliás, que mulher gostosa essa tua, cara!...
--Não toque nela seu infeliz!
--Calma! Você tá muito bravo pra quem tá na tua situação. Quem manda aqui agora sou eu! Mas eu juro que não vou tocar nela caso você colabore com nosso plano. Caso contrário, eu juro que vou tirar as vendas dos seus olhos só pra você ver como se estupra uma vadia como essa! Portanto, trate de colaborar. Vou fazer  rapidamente um resumo do nosso plano e trate de absorvê-lo, pois não costumo repetir as coisas que já falei. Vamos ficar instalados aqui nessa sua casa até as 6:00 h da manhã, quando eu, você e mais uns três amigos iremos ao Banco. Você se identifica e pede pro vigilante deixar você entrar, pois tem que pegar uns papeis que esqueceu e está indo pro aeroporto viajar. Na sequência nós entramos, rendemos o vigilante, vamos até ao cofre e você digita seu código de emergência. Quando a porta se abrir, nós teremos 5 minutos pra fazer o limpa. Sabemos que o dinheiro está todo arrumado em pacotes com notas de cem e de cinquenta reais. Os pacotes com as notas menores não nos interessam, pois além de mixaria, vão fazer muito volume.
          Enquanto ele falava, Hindemburgo ficou pensando como ele poderia estar sabendo até da arrumação do dinheiro? Naquela exata sexta-feira o Banco estaria fazendo o pagamento de parte dos funcionários do Governo do Estado.
--Nós vamos ser muito rápidos, tirar o que for possível e vazar do Banco sem deixar nenhuma pista –continuava o chefão encapusado. Lá fora, para não chamar a atenção de ninguém, vamos estar estacionados com um carro forte, que já foi providenciado. Enquanto isso você vai ser bonzinho, pois sua família vai estar aqui na sua casa esperando por você. Qualquer tentativa de fuga ou de desobediência, mataremos sua mulher e seus dois filhos. Entendeu, seu abestado?
          Enquanto o assaltante falava, os outros estavam postados com as armas em punho. A mulher, acompanhada de dois comparsas começaram a entrar nos outros aposentos e revirar tudo que encontravam. Mas, mesmo sem ter nenhuma visão, pois estavam com os olhos vendados, um pequeno detalhe chamou a atenção de Viviane,  esposa do Hindemburgo, que era enfermeira: entre os assaltantes que se moviam no interior da casa, havia um deles que tinha uma tosse seca irritante, um pigarro próprio de fumante crônico e inveterado: cof...cof...cof... Pensou que aquele maldito não teria muito tempo de vida, pois talvez já tivesse até um câncer de pulmão ou de laringe.
--Como vê, meu caro Hindemburgo, nossa noite vai ser longa. Precisamos de comida e bebida, pois teremos ainda muito tempo até o amanhecer. Quero avisar a todos vocês que as câmaras e os telefones, inclusive os celulares já foram cortados e destruídos. Portanto, tentem se adaptar e rezem pra dar tudo certo, Ok?! Pessoal, vamos nos revezar nessa vigília, pois eu acho que vou ver um pouco de TV. Ou melhor: você tem algum filme pornô, Hindemburgo? Quero ficar bem atento e excitado, pois caso algum de vocês  tente nos enganar, vou ter que estuprar primeiro essa mocinha linda e depois a coroa. Onde está seu whisky, cara? Pega lá, ô Minhocão! E traz gelo também. Serve pro resto da rapaziada. Coroa, onde tem um tira-gosto pra gente salgar a boca, hem?
--Procure na geladeira seu miserável! Gostaria de ter colocado veneno nessa comida pra matar vocês todos!
--Calma, Dona Coisinha! Só queremos um tira-gosto!
            E foi assim que a noite foi passando, parecendo uma eternidade de horrores e ameaças pra toda a família. Beberam, comeram deitaram nas camas e nas poltronas da casa, viram TV e DVD até que chegou o momento crucial. Eram 5:30 h. Pegaram o Hidelbrando e o levaram até a varanda da garagem. Antes de o colocarem no carro, fizeram outra revista rigorosa na roupa e em todo seu corpo. Postaram-se em três no banco de trás, tiraram sua venda e o chefe do bando ordenou:
--Chegou a hora, meu caro! Dirija com muito cuidado até o Banco, pois atrás de você tem uma pistola com silenciador, sem contar que sua família está muito bem guardada!
          Como estava previsto, o gerente Hindemburgo fez com que o vigilante abrisse a porta dos fundos do Banco e enquando ele entrava na agência, o vigilante foi rendido, recebeu uma coronhada na cabeça, ficando amarrado, com venda nos olhos e fita adesiva na boca. Foram todos rapidamente para o cofre, como se fossem habituais frequentadores do Banco. Hindemburgo sempre empurrado ia na frente, ameaçado pela pistola do assaltante-chefe.
--Vamos, vamos, seu palerma! Não temos todo o tempo do mundo. Lembre-se que se tentar atrasar sequer nossa operação, nunca mais verá sua família.
          Hindemburgo inseriu a senha de emergêngia e esperou alguns segundos. A pesada porta de aço foi girando a coroa do segredo, algumas luzes amarelas e verdes se acenderam, ficando acessas apenas as verdes e, a seguir, houve um estalido metálico e a grande porta então se abriu. Quando foi puxada pelo assaltante-chefe, mostrou o interior do cofre repleto de blocos e blocos de cédulas de reais. Imediatamente o homens do bando começaram uma frenética retirada dos blocos de cédulas de cinquenta e de cem reais, jogando-as dentro de sacos apropriados que tinham trazido e rapidamente levadas para o carro-forte estacionado nos fundos do Banco. Em cinco minutos conseguiram tirar vários sacos de dinheiro que eram jogados pra fora do cofre enquanto outros assaltantes corriam com eles para alcançar o carro-forte. Após os cinco minutos, a grande porta produziu um “clic” metálico e começou a se fechar. Hindemburgo que já estava novamente amarrado e de olhos vendados, foi arrastado para traz do gigantesco cofre, enquanto os assaltantes ganhavam a rua e fugiam em três carros diferentes. Eram profissionais, não foi necessário disparar um tiro sequer! Os familiares do gerente ficaram amarrados, porém livres dos assaltantes que fugiram assim que receberam uma ligação pelo celular.
          O assalto ao Banco do Brasil foi amplamente coberto pela mídia local e nacional. A polícia militar e a polícia federal entraram de cabeça nas investigações, com seus serviços de inteligência. Foram fechadas todas as barreiras e saídas da cidade, pelo ar, por terra e fluvial. Ninguém poderia escapar daquele cerco. O Chefe do Serviço de Inteligência da Policia Federal estava furioso. A movimentação no seu gabinete era intensa, o telefone não parava de tocar.
--Alô, coronel. Sim já estamos com todas as barreiras fechadas. Quero uma relação de todos os funcionários daquela agência, com seus respectivos tempos de serviços. Vou ouvir agora o gerente e todos de sua família. Só depois poderemos ter uma linha de ação.
         O depoimento de Hindemburgo e de sua família, não tinham quase nada que pudesse ser usado para formular um raciocínio lógico, a não ser o detalhe que sua esposa relatara e que consistia no fato de que um dos assaltantes tinha uma tosse seca e irritante, que vinha em acessos e que demorava para se acalmar. Nada mais de relevante podia ser considerado. Outras oitivas cansativas foram feitas naquele dia, mas nenhuma delas se mostrou consistente ou importante.
           O relatório com nomes dos  funcionários foi minunciosamente estudado. Havia  pessoas desde simples vigilantes, serventes e “ofice-boys” até contadores, gerentes e consultores. Alguns foram ouvidos aleatoriamente mas nenhum mostrou-se suspeito. Não havia pistas dos assaltantes. 
                 Os dias foram se passando até que o Inspetor da Inteligêngia e Segurança da Policia Federal, pediu ao Banco uma outra relação de funcionários. Ele queria dessa vez uma relação dos ex-funcionários, ou seja, os que foram demitidos ou pediram para sair do Banco e também daqueles que se aposentaram nos últimos cinco anos. Dessa análise, com os endereços checados, despachou vários agentes para “visitar” pessoalmente essas pessoas, colhendo informações. Mas, o seu faro dizia que aquele nome Max Juliano, aposentado do Banco a quase cinco anos, precisava ser visitado pessoalmente por ele. Morava num sítio a mais ou menos uns 20 Km da cidade.
             Max Juliano, de 70 anos, era um homem solitário, morava sozinho naquele sítio. E, naquela manhã acordara feliz! Espreguiçou-se, levantou cantarolando, agachou-se e  puxou uma tabua falsa do assoalho, embaixo de sua cama.  De joelhos, tirou de lá um saco cheio de notas verdinhas de cem. Jogou algumas notas pra cima e as aparou com suas mãos bem abertas. Algumas notas se espalharam pelo chão. Nisso ouviu batidas fortes na sua porta. Quem seria? Imediatamente juntou e escondeu novamente as notas sob a tabua falsa, em baixo de sua cama. Quando abriu a porta, era o Delegado Inspetor da Polícia Federal.
--Bom dia seu Max! Posso entrar? Meu nome é Charles, sou da Policia Federal.
          Mostrou-lhe seu distintivo de policia, com o Brasão da República.
--Claro, delegado. Pode entrar. Não repare a casa está muito desarrumada. Sabe como é, vivo sozinho, minha mulher foi embora já faz alguns anos. Ninguém mais dá importância pra esse velho. Em que posso lhe ajudar?
--O senhor foi funcionário do Banco do Brasil?
--Sim, mas já estou aposentado a alguns anos. Vida dura aquela do Banco. Mas até que eu gostava!
--O senhor sabe que aquela sua agência do Banco foi assaltada?
--Sim. Vi pela televisão. Levaram uma grana preta, não foi?
--Levaram muito dinheiro sim! O senhor tem alguma informação que possa ajudar as investigações?
--Infelizmente não, Delegado! Faz tempo que não passo nem perto daquela agência.
           Charles ainda adentrou pelo quarto e foi até a cozinha, mas nada de suspeito encontrou, a não ser desarrumação.
--Ok! Caso o senhor se lembre de alguma coisa que possa ajudar, aqui está o meu cartão com o meu telefone.
             Quando  o Delegado já estava na porta saindo, ouviu um acesso daquela tosse seca e irritante. Voltou-se rapidamente e encarou  o aposentado:
--Cof...Cof...Cof...


PVH-RO, 15/10/13

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

E AGORA, O QUE QU'EU FAÇO DOUTÔ?

E AGORA O QUE QU’EU FAÇO DOUTÔ?

Samuel Castiel Jr.



















          Ele era mau e batia nela. Tinha dado graças a Deus o dia que se enrabichou por uma periguete e foi embora morar com ela na cidade. Não tinha filhos. Vivia sozinha naquele sítio distante, cuidando da roça. Trabalhava de sol a sol, tinha as mãos calejadas. Mas, com o passar do tempo, a solidão doendo, começou a sentir falta do companheiro, do aconchego, e dos carinhos da cama que não tinha mais.  As insônias eram frequentes, ficava rolando na cama com o travesseiro entre as coxas. Via o dia clarear. Ainda era jovem, apesar de maltratada. Os dias se passaram, meses e anos. Já estava até conformada, aceitando a solidão. Afinal, pensava, estava bem melhor assim, pois não tinha que aturar os desaforos e as surras que deixavam seu corpo cheio de dor e hematomas.
          Nesse dia, tinha chegado da roça e se preparava para o jantar quando, ao olhar pela janela, viu entrando na porteira do seu sítio, montado a cavalo, aquela figura que muito conhecia. Sim, não tinha dúvida, era ele o Valadão. Aproximou-se, desceu da montaria e amarrou a corda do cabresto na arvore mais próxima. Estava sujo, com a barba por fazer a dias, e usava um chapéu amarrotado, de abas grandes. Entrou e foi logo pedindo desculpas, estava arrependido. Aquela vagabunda da periguete  não era a mulher que ele pensava. Maria ficou assustada e desconfiada com aquela mudança e arrependimento. Disse a Maria que agora ele seria outra pessoa. Iria ajudá-la na roça e até nos serviços da casa. E afinal, carente e cheia de tanta solidão, acabou aceitando de volta o Valadão. No início até que cumpriu sua palavra, ajudando-a na roça. Mas, aos poucos, voltou a beber e passava os dias deitado na rede armada na varanda e bebendo cachaça. Maria já estava amargamente arrependida de ter aceito de volta aquele traste, principalmente porque tudo voltou a ser como antes. Voltou também a bater nela. Quando não queria ou não podia ir pra cama com ele era mais um estupro e mais uma surra que levava. As vezes ficava tão machucada que não conseguia levantar-se no dia seguinte pra ir trabalhar na roça. Não sabia mais o que fazer!...
          Nesse dia estava bem machucada e cheia de hematomas, mas mesmo assim conseguiu levantar-se para trabalhar na roça, de sol a sol. Já era quase noite quando voltou para casa. Mal chegou e o Valadão foi logo gritando:
--Ô infeliz, vê se apressa logo esse jantar que estou morrendo de fome! Ou quer levar outra surra?
--Já vou preparar tudo Valadão! Tenha um pouco de paciência home!
          Ele estava visivelmente bêbado. E quando ficava assim, tornava-se mais agressivo e violento.
          Calada e tremendo de medo, foi para a cozinha. Esquentou rapidamente uma sopa de carne com legumes que já estava pronta.
--Maria, filha d’uma égua! Cadê a porra dessa comida? Acho que tu tá querendo levar outra peia, né?
--Doutô Delegado,  eu juro pro senhor que quando eu levei o prato de sopa ele tava sentado na cama e eu tremia mais que vara verde. Mandou que eu puxasse  suas botas sujas de barro, o que eu fiz prontamente. A seguir dei seu prato de sopa bem quentinha. Ele tomou umas duas colheradas, cuspiu pro lado e atirou o prato na parede espatifando e derramando tudo!
--Sua filha da puta! Isso é comida que tu sirva pro teu macho? Trata de trazer outra comida pra mim agora senão tu vai apanhar de cinturão, sua vagabunda!
--Calma, Valadão, eu vou trazer outra comida em outro prato.
          Eu juro pro senhor , Seu Delegado, quando eu voltei com o outro prato, ele tava deitado na cama de peito pra cima, dormindo, roncando alto e espumando pelo canto da boca de tão bêbado! Aí então, peguei a minha trouxinha de roupa e piquei a mula, andei a noite inteirinha sem parar pra chegar até aqui. Tenho certeza que se ele acordasse, dessa vez ia me matar. E agora, o que qu’eu faço doutô?

PVH-RO, 09/10/13