sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

SALA DE ESPERA
Samuel Castiel Jr.




 
    

     Ninguém gosta de esperar. Mas esperar na sala de médico ainda é pior. Talvez se equipare a sala de dentista quando você fica ouvindo aquela broca comendo solta. Mesmo sabendo que a anestesia evita a dor, aquele ruído de alta rotação parece que tem a propriedade de queimar os nervos!
    Fazendo essas conjecturas e comparações, totalmente absorto com meus pensamentos, encontrava-me na sala de espera do proctologista para o exame anual do novembro azul. Foi quando a batida em minha costa tirou-me dos meus pensamentos. Era o Jurandir, um velho amigo da época ginasial.
--Ei rapaz! Quanto tempo! Vais fazer também?...--e mostrou-me o dedo médio em riste.
--Não, quer dizer, vim só pra uma consulta de rotina.
--Já sei!  --exclamou triunfal o Jurandir! Estás com Hemorroida, não é? Dizem que esse médico  é muito bom!
    Parecia que o Jurandir se deliciava com o meu desconforto.
--Não Jura, não é hemorroida não!
    Ele não me deixava falar:
--Já sei então: é só fissura anal.
    Não tive mais dúvidas que o Jura queria mesmo era infernizar minha vida. Sabia que todos os pacientes daquela sala estavam se esforçando para segurar o riso. Ele falava alto, gesticulava,  não dava tempo pra defesa!
--Tive um amigo que sofreu muito de fissura anal e depois de hemorroida. Dizem que pode virar câncer...
--Calma Jurandir, não tenho nada disso! É só uma consulta de rotina.
--Eu sei, eu sei. Ninguém assume que tem hemorroida. Mas quando começa sangrar meu caro, não tem mais jeito, só o bisturi.
    O Jurandir continuou a falar até que a porta do médico se abriu e, sorrindo, o médico apareceu. Vestia um jaleco branco e meus olhos logo buscaram  suas mãos: eram enormes! Um frio correu minha espinha dorsal. Dirigiu-se a todos:
--Quem está na vez?
    Todos se entreolharam mas todos sabiam que a vez era minha.
--Pode ir Jurandir --disse-lhe eu apressado.
--De jeito nenhum! Você chegou primeiro, a vez é sua!
--Vocês vão ficar discutindo até quando? --falou o médico. Não posso ficar esperando. A recepção está cheia.
    Finalmente o Jurandir decidiu-se a entrar na minha vez. Mas antes que a porta se fechasse ainda fez um comentário em voz alta como sempre:
--Não fique nervoso Valfrido, esse medico é muito jeitoso!...
    A vontade que eu tinha naquele momento era uma mistura de vergonha e desejo de esganar o inconveniente Jurandir. Precisava fazer ou dizer alguma coisa.
--É isso aí gente! O Jurandir sempre foi assim, muito brincalhão, extrovertido!...
    Quando o médico novamente abriu a porta e anunciou:
--O próximo por favor!
    Houve um silêncio que foi quebrado pela voz do próprio Jurandir que vinha lá de dentro ainda arrumando a roupa e fechando o cinto:
--Agora é você Valfrido, não tem escapatória!
    Como não viu mais o amigo no recinto, comentou com o médico e com os demais pacientes:
--Eu sabia, doutor! Esse cara sempre foi um frouxo! Vai ver que fugiu com medo do seu dedo!...
Mas tinha me garantido que era apenas uma fissura anal...
--Próximo --chamou o médico.

PVH-RO., 13/01/17