UM SANTO REMÉDIO
Samuel Castiel Jr.
"O ciumento acaba sempre encontrando mais do que procura."
( Madeleine de Scudéry )
( Madeleine de Scudéry )
As primeiras namoradas são as que mais
despertam ciúmes. E muitas vezes encontram verdadeiros paladinos, capazes de
cometer loucuras por elas. Muitos
homicídios ainda continuam sendo registrados e creditados por conta de um cego e tresloucado ciúme.
Era um verão ensolarado, quente e de muita poeira na minha querida Porto
Velho. Estavamos no mês de junho e as quadrilhas, arraiais e boi-bumbás
animavam nossas noites. Pedro Struthos sempre foi um amigo dileto, desde a doce
adolescência quando fundamos e defendemos as cores de um time de futebol de
salão (futsal) o saudoso e aguerrido Santa Cruz Futebol Clube. O Pedro tinha um
pai muito conservador, porém de bom senso. Quando soube que o seu filho
estava pretendendo naquela sexta-feira ir ao arraial da igreja do Rosário, cujo
pároco chamava-se João Feio, condicionou seu consentimento se ele fosse na
minha companhia, uma vez que sempre me considerou uma das melhores amizades de
seu filho Pedro. Entretanto, tínhamos que voltar pra casa até no máximo meia
noite. Tudo combinado, com alguns trocados no bolso, saímos para a noitada no
arraial. Lá encontramos com a minha namorada que estava acompanhada de algumas
amigas. Como todos éramos bons amigos, o clima entre nós ficou ótimo. Meu amigo
Pedro estava de olho em uma dessas amigas, porém nada me disse. Acontece que,
dentre essas amigas da minha namorada, estava uma que terminara recentemente
seu namoro, quase noivado, deixando o Dudu, seu ex, decepcionado e furioso,
pois ela insistia em não mais reatar aquela relação. Enquanto nosso grupo se divertia no arraial, jogando boliche, pescaria de presentes e no “tiro-ao-alvo”, eis
que o ex-namorado nos viu e, achando que sua ex estava dando mole pro meu amigo
Pedro, veio tomar satisfações. Xingou o Pedro, disse-lhe um monte de desaforos
em voz alta, quis bater na moça. Foi aí que apareceu o paladino da moça. O
Pedro tirou seu relógio do pulso, pediu-me que afastasse as moças e saiu no
soco com aquele enlouquecido ex-namorado, que não acreditava ser a outra a sua
pretendida. Não acreditava que a sua ex-namorada apenas estava no grupo de
amigos, sem namorar ninguém, muito menos com o Pedro. Soco pra cá, soco prá lá,
eu tentei e consegui apartar aquela briga sem sentido. Mas acontece que o Dudu
estava bêbado, tentando afogar suas máguas
no copo para esquecer seu grande
amor. Apartei a briga, fiz os dois brigões apertarem-se as mãos, pedirem
desculpas um para o outro e continuamos nossa diversão visitando os jogos e
brinquedos daquele arraial. O Dudu brigão foi embora, os curiosos também. Já tínhamos quase nos esquecido da briga quando
se aproximou uma bicicleta, vindo por trás do nosso grupo. Vinha com
velocidade. Pedalando com força vinha um outro conhecido nosso, Aluizio e
trazia na garupa o Dudu. Quase não deu tempo para avisar o Pedro. O Dudu saltou
em cima dele e os dois rolaram pelo chão, caindo numa vala profunda que ficava
a margem daquele local. Os dois rolaram agarrados um no outro, desferindo socos
e ponta-és. O Aluizio que vinha pedalando a bicicleta, impediu-me de tentar
apartar de novo aquela briga. Os dois tinham que resolver aquela situação na
porrada –dizia ele, com bafo de cachaça. Os dois brigaram no fundo da vala até quando chegou a
polícia e botou um fim naquela briga de rua, presenciada lá de cima por
curiosos que se aglomeravam para ver tudo do melhor ângulo, ora aplaudindo,
oram vaiando. Acabada a luta, cada um foi pro seu lado. Juntei o que tinha
sobrado do meu amigo Pedro: um olho roxo, vários hematomas pelo rosto e pelo
corpo e todo sujo de lama fedorenta. O Dudu também ficou muito amassado! Fomos andando pra casa, relembrando aquela
briga por um motivo banal. Afinal—dizia o Pedro para a ex-namorada ou noiva do
Dudu, não era nem em você que que eu estava de olho. Alguma das garotas
propôs que todos fossemos pra casa de uma delas pra fazer limpeza e curativos
no Pedro. Concordei mas olhei no relógio, e já era quase meia noite. Fizemos a
limpeza dos ferimentos, lavamos os hematomas, mas o rosto do Pedro continuava
horrível, inchado e com aquele olho roxo, quase fechado. A dona da casa propôs
então que colocássemos um bife cru de carne bovina em cima do olho roxo do
Pedro.
---É um santo remédio, dizia ela.
Foi lá pra dentro da casa e voltou
com um bife.
---Pedro, meu filho, esse bife é o
único que tenho na geladeira e já estava até temperado, mas eu o lavei bastante
na torneira. Coloque-o em cima do seu olho machucado e vai ver como logo fica
bom.
O Pedro pegou bife e o colou em cima
do seu olho esquerdo. O cheiro do tempero ainda estava forte e o coitado do
Pedro ficou parecido com um pirata que tivesse tido seu olho enucleado. Depois de mais ou menos
meia hora, sugeri que o Pedro tirasse aquele
bife ridículo do olho para ver o resultado, até porque estava ficando
muito tarde pra gente voltar e o seu pai certamente já estaria impaciente.
Quando ele tirou, a decepção foi total! O olho do Pedro parecia mais roxo.
---Acho que ficou foi pior Pedro,
disse-lhe eu. Acho que o hematoma reagiu
com o tempero, principalmente com o vinagre e o cuminho, puxando ainda mais o
roxo do seu olho. Vamos embora que eu estou imaginando o que vai acontecer!...
Quando chegamos a casa do Pedro, vi
que as luzes da casa estavam todas acessas. Batemos a porta e Seu Paulo veio
nos receber.
---Isso são horas de chegar! – foi
logo dizendo sem nos encarar direito.
Quando olhou para o Pedro, fez uma
cara de espanto, arregalou os olhos e olhou para mim:
---Que foi isso?
Eu já tinha treinado durante o
percurso quais seriam minhas palavras para justificar aquele estado do meu
amigo Pedro.
---Foi o seguinte Seu Paulo: ...
Ele me interrompeu:
---Não precisa dizer mais nada,
Samuel:
Olhando pra cara amassada do Pedro
disse-lhe:
---Você entra! E você fora! Apontou
para a porta da rua.
Confesso que saí sem poder justificar
que o Pedro, seu filho querido, tinha lutado para defender a honra e a
integridade de uma mocinha indefesa, nossa amiga, que corria o risco de ser
massacrada pelo brutamonte de seu ex-namorado.
Com o passar dos dias, o Seu Paulo
ouviu do Pedro a realidade do que acontecera. Arrependido do tratamento que havia
me dado aquela noite, mandou–me um recado que gostaria de fala comigo. Fiquei
apreensivo, pois já tinha esquecido as palavra da defesa do Pedro naquela noite. Mas nem foi preciso, pois
pediu-me desculpas e disse-me que estava arrependido por ter-me mandado embora
naquela noite, daquele jeito. Afinal, seu filho tinha sido um paladino defensor
daquela moça. Que ele, seu pai, no seu lugar, teria feito o mesmo ou pior!
Ficamos mais amigos ainda do que já éramos!
Quando eu já me despedia do Seu
Paulo, ele me chamou outra vez e me disse:
---Eu só não entendi uma coisa,
Samuca: esse bife cru no olho do Pedro!?
---Eu também não, Seu Paulo. Mas
dizem que é um santo remédio!
E fui embora.
PVH-RO, 02/12/13
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