TERROR NO
AR
Quando a comissária anunciou que o vôo A 340-500 da Cingapore Airlines iria nos próximos minutos efetuar os procedimentos de decolagem, cujas portas já estavam no automático, virei-me para trás e constatei que aquele vôo estava completamente lotado. Sua rota era saindo de Dubai para Los Angeles, com uma escala em Singapura e duração de vôo das mais longas da aviação internacional, de aproximadamente 17h e 35 min., num super Airbus.
Na próxima meia hora após a decolagem, concentrei-me nas nuvens que passavam rápidas cortadas por um dos mais modernos e avançados Airbus do mundo. Com os ouvidos sentindo a rápida altitude que ganhávamos, adormeci. Acordei com a voz de uma comissária de olhos orientais perguntando-me em inglês se aceitaria um lanche ou um drink.
--Um Martini Seco, Duplo com gelo, cereja e
bastante soda, por favor. Fiquei ali me deliciando com aquele drink até que
depois da comissária ter servido pela terceira vez comecei a me sentir mais leve
e agradavelmente bêbado. Adormeci Acordei com alguns gritos que vinham lá de
trás do avião. Era uma voz enérgica de homem, falando um inglês arrastado, mas também gritava e bradava em japonês. Quando olhei pra trás não entendi
nada: um ninja vestindo roupas negras e com o rosto parcialmente coberto,
gritava e fazia gestos ameaçadores, portando duas pistolas, uma em cada mão.
Outro ninja saiu do toalete da frente da aeronave, portando um sabre e também
gritando impropérios, com gestos ameaçadores. Tinha feito uma comissária refém
e numa gravata de pescoço arrastava-a pelo corredor da aeronave. Houve então ao
mesmo tempo um misto de espanto e perplexidade coletivos. Ordenou que todos
baixassem suas cabeças se não quisessem que elas fossem decpitadas.
__ Sou Dakufaiã Haráchi e meu companheiro é o discípulo mais aplicado que já tive, Hattori Hanzo. Somos
ninjas dos mais elevados dans. Estamos lutando
em nome do Japão, contra a política expansionista chinesa. Não queremos
nem aceitamos que os membros da Asean (Associação de Nações do Sudeste
Asiático) sejam tratados como idiotas e ludibriados e ultrajados pelo poderio imperialista
da China. Por isso, declaramos este vôo seqüestrado e refém da nossa luta, até
que as autoridades chinesas se sensibilizem por nossa causa.
Ainda com a cabeça zonza dos drinks e sem
querer acreditar no que estava acontecendo a 12.000 m de altitude, pus-me a pensar: Porque ninjas? Quem são os ninjas?
Pelo que li e aprendi como Historiador e Pesquisador de Civilizações Antigas,
disciplina que lecionava como Fellow na
Universidade de Tóquio, os ninjas são guerreiros japoneses, também conhecidos
como assassinos das sombras tanto pelas suas vestes escuras como também pelas estratégias
silenciosas, furtivas e ardilosas para surpreender e matar seus inimigos. Tiveram sua origem na
idade média, pelo que se sabe surgiram
no reinado de Shotoku (718-770) tendo se difundido por todo o Japão durante o
período conhecido como Sengoku (1467-1568). O Japão atravessava um período
de guerras civis, e as técnicas ninjas
começaram então a ser adotadas por famílias que habitavam as montanhas no
centro da ilha de Honshu, a maior do país. Quando havia necessidade, as
famílias se uniam para enfrentar inimigos comuns. Praticamente desapareceram
entre os anos de 1603 a 1.868, no chamado período Edo, quando acabaram-se as
guerras e conflitos internos. Nessa época, os ninjas foram perseguidos pela
sociedade feudal vigente, sendo submetidos a taxas e impostos exorbitantes. Os
principais inimigos dos ninjas eram os samurais, que ajudavam a manter o poder
dos senhores feudais. No período seguinte, iniciado pelo império de Meiji, em
1868, tanto ninjas como smurais foram proibidos de usar armas, pois o objetivo
do imperador era integrar o país a era moderna e ao resto do mundo. No início
do século XX, entretando, os ninjas voltaram a ser usados durante a ocupação da
Manchúria, pelo Japão. Na época atual, além das telas do cinema em Hollywood,
acredita-se que os ninjas ressurgem, eventualmente, como mercenários ou lutando
por causas geopolíticas de países orientais. Mas, o que fazer agora com esses
ninjas loucos seqüestrando nosso avião e ameaçando matar todos nós? Afinal que
nós tínhamos a ver com essa causa expansionista da China? Enquanto meus pensamentos rebuscavam a
história desses, ouvimos a voz do comandante anunciando que o avião estava
realmente seqüestrado e desviando sua
rota oficial, sob ameaça de ninjas mercenários. Pedia ainda que mantivéssemos a
calma que tudo poderia acabar bem. A seguir o silêncio instalou-se, quebrado
apenas pelos gemidos e suspiros roucos da pobre comissária, mantida sob a
“gravata” de braço apertada de um dos ninjas seqüestradores. Alguns minutos se
passaram quando gritos histéricos foram ouvidos lá atrás da aeronave. Era uma
mulher vestindo burca preta, com o véu encobrindo quase todo o seu rosto, e
que, partindo pra cima do ninja, com gritos histéricos e falando impropérios em
árabe, tentou esganar o ninja. A explosão que ouvi foi o disparo de uma das
pistolas do ninja. A bala zuniu e acertou a cúpula do Airbus, fazendo com que
houvesse uma imediata despressurização e
as máscaras de oxigênio caíssem. O gigantesco avião mergulhou num vácuo que
pareceu não ter mais fim. O segundo disparo acertou a perna na mulher de burca,
jogando-a a distância no chão. Houve um momento de pânico, com gritos histéricos
que vinham de quase todos os assentos. A calma voltou a ser restabelecida com a
voz do comandante novamente pedindo que todos permanecessem calmos e tentassem
manter o equilíbrio, pois caso contrário as conseqüências poderiam ser bem
piores. O ninja que atirou na mulher tornou a avisar que qualquer outra
tentativa de desarmá-lo seria fatal para todos. A mulher de burca preta
continuava gritando e praguejando no chão, com a perna quebrada e perdendo
muito sangue. O ninja pegou o megafone e perguntou se havia algum médico no vôo
que pudesse atender aquela mulher árabe, acometida de um ataque histérico e que
certamente estava servindo para mostrar como os seqüestradores não estavam
blefando. Foi aí que eu registrei uma das cenas que jamais vou esquecer: um
médico judeu de kipar na cabeça, levantou-se de seu assento e dirigiu-se para a
mulher árabe caída no chão da aeronave. Todas as diferenças milenares entre seus
povos tinham que ser esquecidas em favor da vida. O médico se ajoelhou perto da
mulher, tirou um lenço branco do seu
bolso e com ele fez um torniquete na
tentativa de estancar a hemorragia. A seguir, levantou-a com delicadeza e a
carregou em seus braços de volta para seu assento, fazendo com que ficasse
deitada em sua poltrona, com as pernas elevadas.
O
Airbus voava baixo e podíamos ver lá embaixo a imensidão azul do oceano índico.
Voamos assim por mais ou menos uma hora, quando percebi que havia um certo nervosismo dos ninjas
seqüestradores. Olhando de soslaio pela minha janela, percebi que estávamos
sendo seguidos por aviões caças chineses. Tive um sensação estranha, pois algo
me dizia que nosso fim ou nossa salvação estavam próximos. A voz do comandante voltou a ser ouvida,
anunciando que os chineses detectaram o desvio súbito de rota do Airbus e estavam
com caças seguindo nosso vôo. Teria sido o celular de uma criança, que não foi
recolhido pelos seqüestradores, e que transmitiu uma mensagem feita por sua mãe relatando o seqüestro. Nesse
momento saiu da cabine o terceiro ninja com o sabre encostado no pescoço do
comandante. Aos gritos falou algo ameaçador, gesticulando e, pelo que entendi,
ameaçando cortar o pescoço do comandante. Fazendo gestos com suas mãos, o
comandante mais uma vez pediu calma a todos. Usando um megafone que lhe foi
entregue, o comandante mesmo com o aço frio do sabre em seu pescoço, explicou que o seqüestro fora descoberto
pelo serviço de inteligência chinesa, a qual por via satélite, localizou a
aeronave seqüestrada e determinou sua interceptação através de seus caças.
Todos precisariam ter bom senso, ou seja, os passageiros e tripulantes, bem
como os guerreiros ninjas também, que deveriam fazer uma avaliação da situação.
O comandante se oferecia para ficar como refém dos ninjas e tentar uma
negociação que fosse melhor para os seqüestradores, quem sabe até mesmo
livrando-os da pena de morte, imposta
pelo governo chinês para tais crimes, considerados hediondos. Houve uma
rápida e ríspida troca de palavras entre os ninjas, acho que num dialeto
japonês arcaico, pois nada entendi. A
seguir uma explosão quase me matou de um ataque cardíaco e uma espessa nuvem de fumaça branca encheu o ambiente. Quando eu pude enxergar alguma coisa a minha
frente, fiquei sem entender nada: os ninjas tinham sumido do corredor do
avião. Também não estavam na cabine de
comando nem nos lavatórios do avião. A mulher da burca preta continuava
sentada, gemendo, com as pernas
elevadas, o torniquete improvisado com o lenço branco do médico judeu e
sangrando menos. A comissária que
juntamente com o comandante virara refém
permanecia lívida e estática, em pé e em estado de choque no corredor do avião.
O odor de pólvora impregnava o ar. Onde estariam os seqüestradores ninjas? A
voz do comandante voltou a ser ouvida anunciando que o avião estava em segurança,
bem como o co-piloto e todos a bordo. O Airbus estava sendo monitorado pelos
caças chineses e retomando sua rota original, devendo em algumas horas fazer um
pouso estratégico num aeroporto próximo a Singapura, quando a aeronave seria
rigorosamente vistoriada e inspecionada pela polícia e por outras autoridades
chinesa.
Sempre
soube de feitos misteriosos, mágicos ou mesmo sobrenaturais praticados por
esses guerreiros conhecidos por ninjas, mas o que se passou naquele vôo e o enigmático sumiço que aqueles
seqüestradores tomaram, desaparecendo na fumaça, ficou comigo para sempre na
conta do absoluto imponderável.
PVH-RO, 26/06/14
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