AVENTURA NA CAVERNA
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Na terna e doce adolescência,
além de correr de camisa aberta e com o peito nu, as asas da imaginação
me transportavam para bem longe. Além de correr atrás de “papagaio”,
jogar peteca e pião, já havia em mim a curiosidade pelo imponderável, pela
aventura, pelas descobertas. O espírito de liderança aflorava e me fazia
estar sempre cercado de colegas e amigos do mesmo bairro, vizinhos ou não. Foi
assim que chegou aos meus ouvidos a notícia que aguçou minha imaginação:
havia uma caverna em pleno centro da cidade de Porto Velho que se estendia
desde a Av. Farquhar passavando pelas ruas Euclides da Cunha e Norte-Sul ( hoje Av. Rogério Weber ) passava por baixo da antiga
residência oficial do governador e, até onde se sabia, chegava até a
Av. Presidente Dutra. Numa extensão de mais de 400 metros, ou seja, quase meio
quilômetro, isso pelo que se sabia. Havia rumores que as pessoas que teriam se
aventurado a explorar essa caverna teriam penetrado em grandes salões e
ouviam o barulho de carros distantes, na outra extremidade, que
trafegavam na Av, Presidente Dutra. Quando teria sido construída essa
caverna? Quem a teria construído? Com que objetivo? Seria um esconderijo? Um
abrigo? Uma rota de fuga? Depois de várias noites de insônia, pensando
no assunto, resolvi que poderia ser fantástico explorar essa caverna,
desvendar seus segredos. Não foi difícil passar essa ideia aos amigos e
colegas que sempre estavam comigo e geralmente comungavam dos meus
pensamentos. Consegui rapidamente juntar um grupo de mais ou menos uns seis
aventureiros. Adquirimos lanternas, compramos pilhas e cordas. Marcamos o dia
e a hora. Tínhamos que começar bem cedo, pois não sabíamos quanto tempo a
exploração poderia demorar. Combinamos que seria melhor nos amarrarmos pelas
cinturas uns aos outros. Eu iria na frente, seguido pelos outros
aventureiros. Qualquer dificuldade encontrada seria comunicada aos demais com
puxões na corda e assim todos estariam sempre sabendo com que eu estaria me
deparando lá na frente. Combinamos também que conforme o nível de perigo ou
dificuldade que eu encontrasse, eu puxaria uma, duas, três ou mais vezes a
corda. Tudo certo, tudo combinado, partimos para o interior da caverna. A
escuridão era total. A altura era muito baixa, de tal forma que só podiamos
adentrar de bruço, arrastando o peito no chão. Liguei minha lanterna e
comecei a me arrastar pelo chão úmido, amarrado pela cintura e seguido pelos
outros amigos aventureiros. O silêncio era total, mas ao ligarmos as
lanternas e começarmos a nos arrastar pelo chão, esse silêncio foi quebrado
por um barulho ensurdecedor. Eram
milhares de morcegos que, saindo da caverna, passavam sobre nossas cabeças. O
odor ficou insuportável, misturado ao farfalhar estridente e aos voos rasantes dos
morcegos.
Quando aquela nuvem
negra acabou de passar sobre nós, comecei novamente a me arrastar pelo chão,
penetrando cada vez mais naquele interior escuro. Senti que o ar começou a
ficar rarefeito. Foquei a lanterna e, bem a minha frente, uma enorme pedra
obstruía nosso caminho. Arrastei-me até ela e senti que o ar passava apenas
por uma fresta entre a pedra e a parede da caverna. Usando toda a minha
força, consegui empurrar a pedra cerca de meio metro, o suficiente para que
eu pudesse passar esgueirando-me pela
fresta.. Uma grande sala então abriu-se a minha frente. Era um salão amplo
mas que logo se afunilava novamente .Foquei as paredes do salão com minha
lanterna e o que vi foram ainda alguns morcegos dependurados em um lodo
esverdeado, que pareceu-me musgo. Rente as paredes havia praticamente uma
outra parede formada pelas fezes dos morcegos.O odor continuava insuportável, mas não me intimidei. Continuei penetrando
na escuridão. Parei e comecei a ouvir
o longe o ruído de carros que certamente estariam trafegando na Avenida
Presidente Dutra, já próximo Palácio do Governo. Foi então que o odor de
repente ficou insustentável. Pensei então, pela primeira vez, em puxar a corda amarrada na minha cintura
e tentar sair daquele buraco. Foi aí que senti a primeira ferroada na minha
barriga. A seguir outras e outras ferroadas na barriga, no peito e nos braços
foram me colocando em pavorosa. Mas
procurei não perder a calma. Foquei minha lanterna para a frente e fiz uma
varredura no local. O que vi, deixou-me ainda mais nauseado. Um bicho que me
pareceu um roedor, tipo mucura estava em avançado estado de putrefação, devorado
por centenas de vorazes formigões. Foi então que não mais resisti e puxei
três vezes a corda amarrada na minha cintura. Sabia que aquilo desencadearia
um efeito em cascada junto aos amigos aventureiros. Começaram então a me
puxar, mas precisei algum tempo para deslizar de volta para a porta da
caverna. Confesso que me pareceu uma eternidade me arrastar de volta,
tentando manter-me o mais calmo possível. Sabia que só assim poderia
sobreviver aquela situação desesperadora e de pânico. Para piorar minha situação,
minha lanterna começou a ficar fraca e se apagou. As pilhas chegavam ao fim.
Ouvia vozes bem longe pedindo calma que já estavam próximo a porta de saída.
As ferroadas me queimavam e coçavam desesperadamente. Respirei fundo quando
vi a luz no fim do túnel, mas ainda distante. Arrastei-me de costa até chegar
ao salão, onde pude me virar e seguir de frente. Lá fora o sol deve estar
brilhando e o ar rico em oxigênio sem esse odor fétido – pensei. Quando
cheguei a saída, todos estavam desesperados e de olhos arregalados, querendo
saber o que tinha me apavorado tanto a ponto de pedir para voltar. Saí quase
puxado pelos meus amigos, sem forças para caminhar, com câimbra nas
pernas e com feridas sangrando em todo
o corpo. Quando me vi fora da caverna, e todos começaram a me perguntar o que
eu tinha visto lá dentro do buraco, disse-lhes que era um monstro marsupial
morto e em decomposição, que estava sendo devorado por formigas carnívoras!...Desde
então minhas aventuras se limitaram a ser na superfície da terra, longe das cavernas. O mistérios e enigmas
daquele buraco até hoje continuam povoando meus piores pesadelos.
PVH-RO., 07/11/16 |
quarta-feira, 9 de novembro de 2016
AVENTURA NA CAVERNA
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