NO ESCURINHO DO CINEMA
Samuel Castiel Jr.
A noite todos os gatos (e gatas) são pardos.
O gongo já tinha soado pela
terceira vez. O filme estava prestes a começar. Mas ainda havia algumas pessoas
na sua frente para comprar o ingresso.
Foi quando ela passou com outra amiga, apressada para pegar também aquele
cineminha. Marcelão era matreiro para as
mulheres. Gostava sempre de ser um dos últimos a entrar no cinema, quando as
luzes já estavam se apagando. Arriscou uma piscada de olho, pois aquela morena
apressada era alta, tinha seios fartos e um bum-bum arrebitado. Pra
surpresa do Marcelão, ela correspondeu com outra piscada de olho e um leve
sorriso maroto. Tinha chegado a sua vez no guichê e foi preciso a pessoa de
trás tocar no seu ombro para chamar sua atenção, pois ele estava vidrado
naquela morena que acabara de entrar na sala de projeção. Passou na roleta e
entrou quase correndo na mesma porta por onde a morena sumiu por trás das
cortinas. Parou. Deu um tempo para que seus cones e bastonetes se adaptassem a
penumbra. Foi entrando sem enxergar quase nada. De repente aquela mão agarrou o
seu braço e o puxou:
-- Tem um
lugar aqui.
Era a morena, com voz sensual, que
correspondeu a sua piscada de olho quando entrava apressada. Não podia ver
muitos detalhes, mas o seu perfil era interessante, sua voz grave, sensual. Seu
perfume importado, não era cubano. Não largou mais a sua mão durante todo o filme. Ficaram ali de
rostos juntinhos. Chegaram a trocar beijinhos e outras carícias. Marcelão ainda
tentou pegar naqueles seios fartos mas ela delicadamente afastou sua mão.
Insistiu em outras carícias até mais ousadas porém foi sempre sutilmente
desarmado. Lembrava-se apenas que o filme era uma comédia com a Ingrid
Guimarães, a qual de vez enquando arrancava gargalhadas coletivas. Mas, na
realidade, sua atenção não estava na tela. Quando sentiu que o filme caminhava
para o fim, sussurrou ao ouvido da morena que queria o número do seu celular,
mas também não obteve êxito, pois ela o tirou dizendo que não tinha nenhum
celular, estava apenas de passagem pela cidade, devendo viajar ainda aquela
semana, sem saber quando voltaria. Marcelão achou que era um blefe, talvez
apenas para se valorizar. O filme acabou felizmente ou felizmente acabou sem
que ela aceitasse suas mãos quase sempre
atrevidas. Sabia como eram essas zinhas, se fazendo de difíceis pra depois dar
o bote. Quando as luzes do cinema se acenderam, deu um beijinho em seu rosto,
saiu apressada com sua amiga e se perderam na multidão.
Os dias se passaram, o Marcelão continuava
intrigado com aquela morena. Chegou a voltar ao mesmo cinema mas nem sinal da
morena. Até que recebeu um telefonema.
Era a colega da Brigitte, a moça do escurinho do cinema. Disse-lhe que tinha notícias
da Bri e que estava ligando pra transmitir-lhe um recado: a Bri tinha lhe
pedido que o procurasse para dizer-lhe que gostara muitíssimo dele, porém não
teve a oportunidade de dizê-lo, pois havia viajado logo em seguida. Em outras
palavras, estava apaixonada!...Gostaria, se possível fosse, dizer isso pessoalmente
a ele algum dia. O Marcelão ficou desconcertado, mas perguntou:
---Pra onde
a Bri viajou?
---Ela
voltou pra Europa. Mora em Milão já faz mais de dez anos. É o terceiro de cinco
filhos, órfãos de pai, e ajuda sua mãe como pode. De vez em quando vem ao
Brasil visitar sua mãe.
---Espera
um pouco! – disse Marcelão quase gritando. Você se enganou quando falou. Acho
que quis dizer que ela é a terceira filha,
não é?
---Meu
Deus, não tenho autorização para falar desse assunto com você nem com ninguém.
---Agora
quero saber tudo! Você tem que falar.
---Ok! Não
vou esconder nada de você. A Bri na realidade é um traveco! Mas já está toda
siliconisada. Melhor que muitas mulheres por aí. Ela ganha a vida na Europa,
recebe em dólar e assim pode ajudar sua família.
O chão faltou aos pés do Marcelão. Logo ele,
que gozava de todos seus amigos que passavam por situações semelhantes. Não
queria acreditar no que acontecera. Ficou mudo ao telefone, ao ponto da colega
da Bri perguntar do outro lado:
--- Alô!
Você tá me ouvindo? Não desligue.
---Ok, pode
continuar falando. É que estou chocado! Não é fácil ouvir essa revelação. Estou
confuso, pois troquei carinhos com ela, quer dizer, com ele, sei lá!... E os
beijinhos?
Com uma voz conciliadora ela
prosseguiu:
---Não seja
preconceituoso Marcelão! Nos dias de hoje isso tá ficando muito comum.
---Mas...
-- Não diga
mais nada! Se o que eu vou lhe dizer agora vai servir para seu consolo ou fará
você se sentir menos desconfortável, não sei, mas vou informa-lo em primeira mão: a Bri vai se operar
ainda este ano. Irá submeter-se a uma
vaginoplastia ou cirurgia SRS, ou seja,
redesignação sexual. Aí quem sabe você se sinta mais a vontade.
Ele não disse nada.
Ela desligou.
Nota do Autor: Qualquer
semelhança com o fato e os personagens terá sido mera coincidência.
PVH-RO, 22/11/13
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