O MISTERIOSO SAMBISTA
Leutério estava impecavelmente vestido. Antes de sair, completou seu traje habitual colocando aquele chapéu-coco branco que sempre estava pendurado no cabide atras da porta. Era uma sexta-feira, 13, e seu destino era uma roda de samba e pagode, que estava na moda na zona leste de Porto Velho. Precisava pegar um taxi. Mas ali, nas proximidades do cais do porto, aquela hora da noite, seria difícil passar qualquer taxi. Teria que andar a pé alguns quarteirões. Apesar da lua cheia que clareava o chão, não queria nem poderia suar, estragando seu perfume e molhando sua camisa de seda de marca Dudalina, impecavelmente passada. Seu sapato bicolor preto-e-branco também não poderia ser sujo de poeira ou lama. Enfim, chegando na roda-de-samba, Leutério foi logo se destacando pelo samba habilidoso e ligeiro que trazia nos pés. Ninguém por ali o conhecia. Alguns chegaram a comentar que seria um sambista famoso de uma escola de samba do Rio de Janeiro. Dançava como ninguém! Logo se formou uma roda em sua volta, e Leutério escolhia e tirava pra sambar a garota que quisesse. Quase todas se apaixonavam a primeira vista pelo malandro. Fumando um charuto cubano, soltando grandes baforadas, o sambista aproveitava o intervalo das musicas para bebericar fartos goles de tequila. Mas, o que todos ficavam ainda mais intrigados é que ele não não ficava embriagado nem tonto sequer, e dançava cada vez melhor. As vezes fazia passos e reverências que lembravam um verdadeiro mestre-sala, de uma grande escola do Rio.
Gertrudes era uma
negra, de 17 anos, com pernas torneadas e bumbum arrebitado. A noite
toda foi uma das principais parceiras do malandro Leutério. Passos
e firulas incríveis saiam dos seus pés , arrancando aplausos da
galera sambista.
Alguém chegou até a
comentar que o sambista Leutério teria sido aluno do Carlinho de
Jesus no Rio, pois o seu chepéu-coco branco jamais caia de sua
cabeça, sempre enfiado até a altura do nariz, não deixava boa
visão de seu rosto. Mesmo quando fazia os passsos e firulas mais
mirabolantes, seu chapéu permanecia imóvel.
As horas foram se
passando e o sambista enigmático sambando com maestria, cada vez
melhor. Indiscutivelmente, Gertrudes estava caidinha pelo sambista. A
lua já estava bem alta mas seu clarão ainda iluminava o terreiro do
samba, quando Leutério convidou sua parceira Gertrudes para dar uma
volta, pegar um ar num cantinho mais reservado que ele conhecia muito
bem, próximo ao rio… Sem titubear, Gertrudes aceitou o convite do
sambista. Despediu-se de suas amigas dando uma desculpa esfarrapada qualquer e
foi-se na noite, andando graciosa como se estivesse a sambar,
pendurada nos braços do passista. Ao chegar próximo ao rio, os dois
enveredaram por uma viela tortuosa, muito deserta aquela hora.
Chegaram enfim ao barraco tosco do sambista. No seu quarto, uma vela
iluminava um ambiente singelo, que os olhos não conseguiam
distinguir quase nada mais que uma cama, forrada com lençol branco.
Era o suficiente para os sambistas se amarem, agora num compasso mais
lento e cadenciado, porém que foi ficando frenético. Quando
Leutério passou sua mão nas coxas da sambista, ela quis beijá-lo,
porém foi suavemente desestimulada, com o Leutério virando seu
rosto. Gertrudes ficou ainda mais intrigada quando o sambista
levantou-se e soprou a única vela que iluminava o ambiente:
–-
Não sei fazer amor no claro! – disse o sambista.
Até então ela não tinha se
dado conta que o sambista ainda continuava com o chapéu-coco enfiado
em sua cabeça.
Quando os primeiros raios de
sol prenunciaram o novo dia, Gertrudes abriu seus olhos e, incrédula,
viu o sambista ainda dormindo profundamente. Levemente levantou seu
chapéu-coco branco e ficou estarrecida com o que viu: havia um
buraco na calota craniana do sambista. Pensou em acordá-lo mas
preferiu sair rapidamente dali. Quando contou para uma amiga e
confidente, as duas resolveram voltar aquele lugar para conversar com
o sambista. Afinal, aquele buraco em sua cabeça poderia ser a
sequela de alguma cirurgia, algum acidente e que ele trazia
escondido. Ao chegarem ao local, ali não havia nenhum barraco,
nenhuma casa, nenhum sambista.
---Gertrudes,
amiga, é doloroso mas agora tenho duas coisas a lhe dizer: primeiro
- faça o teste de gravidez; segundo – tenho a certeza absoluta que
você foi mais uma vítima do boto negro do Amazonas.
PVH-RO.,
17/10/16
Magnifico conto. O boto levava muita culpa.
ResponderExcluirMuito bom, famosas lendas contadas de forma sensacional.
ResponderExcluirQue bela, quanto realismo no texto. Para mim a lenda só foi confirmada com a chegada do BELO.PARABÉNS AMIGOZ
ResponderExcluirBELO BOTO
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