" Nunca se deve cutucar onça ( ou cobra ) com vara curta."
As águas
frias e límpidas, como um espelho, refletiam as nuvens do céu e as frondosas arvores da mata verde. O barco rasgava essa superfície quebrando o silêncio daquelas paragens. Seus companheiros eram: o único filho José de 12 anos, sua mulher Jussara e o cachorro Malboro. O
destino era a cabeceira do Rio Preto, onde pretendiam pescar principalmente a Jatuarana e o Surubim, peixes nobres da região. Esse era o “hoby” de Arthur nos finais de semana há muitos
anos.Ficavam ali acampados, dormindo em barracas de lona. A noite deleitavam-se com o céu estrelado e a lua prateada. O silêncio da mata só era quebrado pelo grito de macacos e pássaros noturnos. Muito longe, as vezes, conseguiam ouvir o esturro de uma onça
pintada. A pescaria geralmente era mais proveitosa no final da tarde
e início da noite, ou então ao raiar do dia, quando os peixes estão
mais vorazes. O barco de Arthur era um Mercury, de 40 HP. Um pequeno
toldo com estampa de listras os protegia do sol inclemente do verão.
Ao passar
por uma curva do rio, todos foram surpreendidos por um forte estrondo
e, na sequência, o barco foi perdendo velocidade até parar.
Imediatamente Arthur coreu até o motor, desligando-o e constatou que
sua hélice havia se quebrado ao chocar-se com uma tábua de madeira
que flutuava nas águas.
---Fiquem
todos calmos, não foi nada de grave – falou Arthur. A hélice do
motor se quebrou ao chocar-se com uma tábua que flutuava e eu não a
vi. Vamos ter que descer um pouco a favor da correnteza para que eu
troque essa hélice. Ainda bem que tenho outra de reserva.
O barco
começou a descer levado pela correnteza até que Arthur conseguiu
jogar a corda e prendê-lo ao galho de uma arvore à margem do rio.
Enquanto Arthur trabalhava na hélice do motor, ao longo do rio
passava uma cobra d'agua nadando sinuosamente na superfície das águas, levada pela correnteza. Era uma visão interessante e curiosa,
pois a cobra, como o barco quando em movimento, também quebrava
aquela superfície lisa das águas, produzindo minúsculas ondas.
Todos no barco estavam com os olhos voltados para a cobra que,
tranquila e ecologicamente, passava. Foi quando o menino José
resolveu pegar sua baladeira (estilingue), juntou algumas pedras e
começou a atirá-las na cobra que passava. Arthur e sua mãe o
repreenderam, mas ele continuou a fustigar a cobra com as pedras de
sua baladeira. Uma dessas pedras acertou em cheio a cobra que afundou
e não mais foi vista na superfície da água. O menino José
comemorou gritando que conseguira acertar seu alvo. Correu em direção
a sua mãe e a seu pai e, de mãos espalmadas, bateu e deu soco como
um vitorioso! Feito o reparo da hélice, Arthur desatracou o barco,
ligou o motor,e
logo estavam novamente navegando em alta velocidade nas águas do Rio
Preto.
De repente
algo aconteceu: um barulho e um chiado de cobra chamou a atenção de
todos no barco. Ao olhar para a traseira do barco, no assoalho e
próximo ao motor, ninguém acreditou no que viu. A mesma cobra que
passava a pouco tranquilamente nadando, encontrava-se agora dentro do
barco, com aspecto ameaçador, chiando e pronta para dar o bote em
quem dela se aproximasse. Arthur sempre foi muito precavido e nunca
deixara de usar e obrigar seus passageiros a usar os coletes
salva-vidas. Foi o que os salvou. Assustados, em pânico e com pouco
espaço para correr, não tiveram nem tempo para raciocinar.
Atiraram-se n'água, tentando se salvar da picada da maldita cobra.
Ninguém soube explicar o que aconteceu. Como aquela cobra foi parar
dentro do barco depois que foi atingida pela pedra da baladeira do
menino José. Nadaram todos para a margem do rio, sob o comando de
Arthur. Outro mistério que não conseguiram decifrar é que quando o
Arthur voltou ao barco, agora armado com um pedaço de pau para matar
a cobra, lá não havia nenhuma cobra, nenhum sinal da serpente.
Antes de retomar a viagem, Arthur todo molhado e com cara de poucos amigos foi até ao José e,
com a mão espalmada disse: bate campeão! Sua pontaria foi quase fatal! O menino José baixou a cabeça. Nenhum dos três disse
mais nada até o destino final da pescaria.
PVH-RO., 07/07/16
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