O
AQUARIO
Samuel Castiel Jr.
“ A ingratidão pode ser
visceral” (Samuel Castiel Jr)
Peixes
ornamentais multicoloridos, espelhados, dourados ou com listras
pretas, nadadeiras diáfanas
ou transparentes, cabeças
vermelhas ou
longas barbatanas , todos
extravagantes e com
nomes curiosos como Beta,
Véu-de-noiva ( Kinguios
Goldfish)
Labius,
Symphysoson
discus, Colisa Lalia, Carassius Auratus, Danio Rerio, etc., todos
nadando naquele aquario que reproduzia um perfeito arrecife com
algas, pedras
e plantas aquáticas. A luz artificial refletia
num grande espelho aquelas criaturinhas nadando elegantemente. E como
mágica, essa visão silente
sempre me trouxe a paz de
espírito, relaxando meu corpo e acalmando minh'alma.
Construi
um aquario grande em uma parede vazada no meu próprio quarto de
dormir, de tal forma que quando acordava, minha primeira visão era
aquele balé dos peixinhos dourados e coloridos. Uma paz interior me
invadia e aquilo era uma sensação agradável que me confortava para
iniciar bem minhas atividades do dia-a-dia.
Nunca
fui muito chegado a pescarias, mas no verão, quando os rios secam,
as águas ficam baixas e os cardumes de peixes ficam mais abundantes,
aceitei o convite para uma pescaria no rio jatuaraninha, onde os
peixes estariam em abundância. Depois de algumas horas tentando
pegar algum peixe incauto, meu companheiro de pesca conseguiu fisgar
um Acará Regional. O peixe
veio aos saltos,
debatendo-se
preso no anzol, num
desespero de quem luta pela vida, com pavor da morte. Imaginei-me
imediatamente sendo aquele peixe e um frio percorreu a minha
coluna vertebral. Meu
parceiro de pesca comemorou sua proeza de fisgar um Acará
Regional.
Realmente, para quem, depois de três horas, perdera todas as iscas
e vários anzóis
presos nas galheiras, era um feito digno de comemoração. Menos para
o pobre
do Acará
Regional.
Depois de retirado o anzol de sua boca, o
peixe foi jogado no assoalho da canoa e ficou lá se debatendo agora
pela falta de oxigênio. Uma ideia
me ocorreu, de levar o peixe para o meu aquario. Mas como salvá-lo
fora da água. Para isso combinamos de colocar um pouco de água no
fundo da canoa e, então, inclinávamos a canoa para o lado que o
peixe se encontrava, fazendo com que se mantivesse oxigenado. Mais
tarde, já em terra firme, colocamos
o Acará
dentro de um balde com bastante água, para que suportasse a viagem
até meu aquario. Ao chegar em casa corri para depositá-lo no
aquario, junto aos outros peixinhos. Mas o Acará
Regional
estava quase inerte, parado, e com os olhos vidrados, opacos,
sugerindo morte iminente. Ficou assim por algumas horas e, aos poucos
foi começando a recobrar suas forças. No dia seguinte estava
nadando e cheio de energia, para minha alegria. Tinha salvo a vida
daquele peixinho, que fora fisgado pelo anzol e passado por maus
pedaços com a falta de oxigêno. Mas felizmente ele estava salvo e
graças a mim que poupei sua vida, livrando-o da frigideira. Mas para
minha surpresa, o Acará
começou a ficar
hostil com os demais peixes do aquario, fustigando-os com tentativas
de mordidas e perseguições em alta velocidade. Os demais peixes
fugiam espavoridos. Acabou-se a paz do meu aquario –pensei! Alguns
dias depois os peixinhos menores tipo Paulistinhas, Neóns,
Collidora, Bandeira, Acará
disco, etc sumiram do
aquario, devorados pelo Acará
Regional. O biólogo que chamei incriminou o novato por ter devorado
tais peixinhos.
--O senhor não pode deixar
esse peixe aí, pois ele é predador e quando está com fome não
respeita os demais, principalmente se forem pequenos.
Mas
aquele peixe significava muito para mim, pois eu o salvara, dando-lhe
a oportunidade de outra
vida. Com o passar dos dias, quando eu me aproximava do aquario para
alimentar os peixes, lá estava ele, maior que todos, devorando a
ração dos demais, com manobras ameaçadoras. Seus olhos me
encaravam com uma expressão recriminadora. Levantava suas nadadeiras
dorsais, em atitude de desafio e ataque. Chegava
a chocar-se com o vidro do aquario na tentativa de me alcançar.
Fiquei alguns dias a interpretar a
atitude agressiva daquele
peixe para comigo.
Porque agia daquela forma? Senti que esse mau humor era só comigo,
pois quando outras pessoas se aproximavam do
aquario, nada disso
acontecia. Ele continuava a nadar normalmente e o seu olhar não era
hostil nem ameaçador como
acontecia comigo. A atitude
daquele peixe começou a me incomodar. Porque seria? Eu que o
salvei, eu que insistia
em deixá-lo no aquario mesmo devorando e incomodando os demais
peixes.
Naquele
sábado, acordei-me como sempre e fiquei com os olhos fixos no
aquario. O Acará
Regional nadava lentamente, as vezes ficava parado e se escondia na
madeira de um adorno que ficava submersa no fundo do aquario.
Levantei-me e aproximei-me do aquario. Foi então que o Acará
Regional quase saltou para fora, levantou os espinhos de sua
nadadeira dorsal e ficou em atitude agressiva, de ataque.
Aproximei-me ainda mais, mas
em vez de jogar ração na água como sempre fazia, mergulhei minha
própria mão. Imediatamente o peixe atracou-se com meu dedo
indicador, mordendo-o a ponto de sangrar. Um filete de sangue
escorreu e misturou-se com as águas
do aquario. Num reflexo, puxei minha mão e o Acará
Regional veio junto, agarrado e mordendo meu dedo. Sacudindo a mão,
atirei-o ao solo. Peguei um balde, coloquei-o dentro com um pouco de
água. Lembrei-me de um velho
amigo que também era
aquarista e criava espécies exóticas, inclusive de peixes
predadores carnívoros e canibais. Quando me dei conta estava na casa
desse amigo.
--Maciel, quero que me faça
um grande favor.
--Pois não amigão! Em que
posso ajudá-lo?
--Trouxe
um
peixe pra você colocar junto com o seu Oscar Tigre. É um Acará
Regional.
--Sam, você sabe o que vai
acontecer, não é?
--Perfeitamente. Quero ver
esse desfecho!
O
peixe Ocar Tigre tem o nome científico de Astronotus ocellatus,
também chamado de Apaiari. Sao peixes vorazes e alimentam-se de
peixes pequenos e carne crua. Os peixinhos menores são engolidos de
uma só vez!
Quando
o Maciel jogou o meu Acará
Regional dentro do seu aquario,
o peixe Oscar imediatamente partiu para o ataque, pois ele tem como
característica ser um territorialista por excelência. O Acará
Regional ainda tentou levantar suas nadadeiras de espinhos mas o
Oscar Tigre foi mais rápido e abocanhou parte do corpo do Acará
Regional, deixando a mostra suas vísceras e espinhas centrais.
Outros ataques foram suficientes para que o Acará
Regional fosse para o fundo do aquario. Aproximei-me então do
aquario e olhei fixo nos olhos do meu peixe que ainda
me fitava com um olhar fulminante, de ódio. Ainda tentou levantar
seus espinhos da nadadeira dorsal, mas estas já não mais
respondiam a seus comandos. Antes de me despedir, o Maciel chamou-me
e perguntou por que tinha trazido aquele peixe para ser devorado pelo
seu Oscar.
--Achei que ele não gostava
de mim!…
E
fui-me embora.
O
Maciel balançando a cabeça,
ficou rindo como se tivesse
entendido a minha
vingança...
PVH-RO., 19/07/16
Aquí torcendo para que seja um conto; que o "cará" ainda esteja entre nós. Sendo crônica lamento. De qualquer forma,excelente narrativa.
ResponderExcluirQualquer semelhança com fatos acontecidos recentemente não terá sido mera coincidência!
Fique tranquilo, aquele Acará ainda nada no meu Aquario...
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ResponderExcluirO final do conto me surpreendeu. Fiquei pensando se o sentimento de vingança do narrador com relação ao peixe, não teria sido "desproporcional", para usar uma palavra da moda. A crônica é muito boa e à Kafka. Gostei.
A imaginação do aquarista neste conto é kafkiana.
ExcluirMas até entre os animais irracionais existe a empatia e a antipatia.