CARNE
DE SOL
Samuel
Castiel & Chico Chagoso
Chicão
da Costela era especialista em churrascos. Gaúcho e apaixonado mesmo
por assar uma carne. Até se oferecia aos amigos nos finais de semana
para preparar a carne. Ele mesmo dizia que não importava o corte nem
a qualidade da carne. Fosse bovina, suína, caprina, carne dura ou
mole. Se fosse dura ele trabalhava a carne até que ela ficasse
mole...Fazia também embutidos como linguiças e calabresas.
Preparava os molhos e vinagretes. Mas, dentre as suas preferidas, a
carne de sol era a que mais ele dava ênfase. Nos mínimos detalhes,
até o carvão que ia para a churrasqueira, ele mesmo gostava de
escolher. As facas e espetos rigorosamente limpos! Não gostava de
afiar as facas e usá-las na sequência. Condenava quem afiava os
facões e, sem lavá-los, ia logo cortando a carne. Dizia que o ato
de afiar deixava um pó de aço ou metal nas facas que poderia
contaminar a carne se não previamente lavadas, causando até
mesmo danos a saúde das pessoas. Quando era convidado para fazer um
churrasco, acordava-se bem cedinho, ia ao açougue escolher as
carnes, comprava tudo que iria precisar. Chegava bem antes do horário
marcado, acendia o fogo na churrasqueira, esperava a fumaça se
dissipar, pois a carne poderia absorver a fumaça e, também, causar
danos a saúde. E disso entendia muito, pois a defumação de seus
embutidos seguia padrões e protocolos internacionais. Sais de cura,
madeiras nobres, fungos específicos, tudo com requinte e rigor de um
mestre. Mas a perfeição é uma virtude incompatível com o ser
humano. Chicão, dentro de sua própria especialidade de
churrasqueiro, tinha um defeito “de nascença”. Não podia ser
contrariado naquilo que dizia ser rito sagrado do churrasco. Não
tolerava sequer ser questionado sobre assunto. Seu saber era soberbo
e absoluto. Ele criava uma verdadeira muralha entre os comensais e a
churrasqueira da qual era o guardião (adjetivo tipo onipresente…).
Contava-se que certa vez, alguém jogou água na churrasqueira para
diminuir a labareda e ele ficou irado a ponto de abandonar e evento
deixando todos na mão.
Pois
bem! Chicão foi convidado pra “queimar uma graxa”, como ele
mesmo dizia nos momentos de descontração. O local era a chácara de
um amigo seu que ficava nos arredores da cidade. Na verdade o patrono
do churrasco estava mais pra conhecido que pra amigo. Nunca estivera
antes no local, por isso inteirou-se com o tal “amigo”
sobre peculiaridades do local, da churrasqueira, numero pessoas,
preferências por cortes, etc, etc. Seria um aniversário de um
cunhado do proprietário. Receberiam em torno de cem pessoas para o
almoço em um sábado de novembro. Ainda na sexta foi em busca dos
insumos… Estava meio desolado: Na relação das carnes que lhe foi
passada não constava aquela que era sua especialidade, a carne de
sol . Ainda pensou em questionar os anfitriões que lhe haviam
convidado. Mas, ficou constrangido em fazê-lo, pois era contratado
apenas para assar e servir o churrasco aos convidados. Mesmo assim,
na véspera da festa, preparou para si mesmo uma picanha maturada, de
boi novo, salgou a carne colocou seus temperos e a colocou ao ar
livre para desidratar. Claro que antes teve o cuidado de cobrir tudo
com um véu fino para impedir a aproximação de moscas e outros
insetos. No dia do evento, saiu bem cedinho para cumprir aquele
ritual, ou seja, acender o fogo, preparar a mesa com as facas
previamente afiadas e lavadas, onde o churrasco seria cortado e
servido. Foi muito elogiado por todos os convidados que adoraram seus
saborosos cortes enfiados nos espetos. Não só o sabor mas
também o cheiro do churrasco atraía a todos que chegavam ao local.
Entretanto, o mais curioso é que aquela carne de sol, que ele fizera
só pra ele, foi a que mais fez sucesso. Todos queriam provar! Não
sobrou quase nada para o Chicão. Os anfitriões chegaram mesmo a vir
questioná-lo porque não fez mais carne de sol.
---
Não estava na relação que vocês me deram. Eu trouxe um pouco, mas
só pro meu uso. Acabou que eu nem provei da minha carne de sol. Os
seus convidados parece que aprovaram e comeram tudo! --- dizia o
Chicão Costela todo orgulhoso.
Naquela
semana, o Chicão ficou matutando e remoendo uma ideia. Porque não
fazer carne de sol pra vender. Muita gente não sabe fazer e compra
qualquer carne nas feiras, açougues ou supermercados. A sua carne de
sol era diferente, especia!. Teria uma boa aceitação. Assim sendo
poderia ganhar uma grana extra que o ajudaria no seu orçamento
mensal. Pensou, pensou e se decidiu. Comprou 100 kg de carne que ele
mesmo escolheu, montou um varal alto na frente de sua casa, no início
da BR 364, Km 14, no sentido Candeias do Jamari, antes do posto da
Polícia Rodoviária Federal. Cortou meticulosamente a carne, salgou
e a pendurou no varal, coberta por um grande véu protetor. Deveria
ficar no varal umas 24 a 36 horas, ao sol, para desidratar o
suficiente. Era uma sexta-feira quando uma camionete Hillux 4 x 4
parou em sua porta e buzinou. Chicão foi ver quem era e deu de cara
com um homem gordo, alto e de chapéu a” la Indiana Jones”.
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Bom dia meu jovem! -- saudou o homem abrindo um sorriso largo. Sou
Jorjão Quintela, mas conhecido com “Jorjão My love”
---
Bom dia. O que o senhor deseja seu “My love”?
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Isso aí no varal é carne de sol? E é pra vender?
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Sim senhor. E da melhor qualidade.
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Quero comprar.
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Quantos quilos o senhor deseja?
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Quero tudo?
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Mas Seu Jorjão, aqui tem 100 kg de carne.
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Eu disse tudo! Pode ir tirando do varal e colocando na minha
camionete.
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Pois não.
Chicão
tirou toda a carne do varal e a depositou na camionete.
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É o seguinte, meu bom amigo --- falou o “Jorjão My Love”. Sou
seu quase vizinho. Minha fazenda fica daqui a uns 50 km, próximo a
Itapoã D’Oeste. Hoje é sexta-feira, você me dá o valor
total dessa compra, quando for na próxima segunda-feira bem
cedo eu estarei de volta, passo por aqui e pago a sua carne, OK?
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Olha aqui Tchê -- respondeu o Chicão mal humorado: eu
já salguei essa carne pra não perder!...
--- Mas...
Muito boa essa experiência de um texto a quatro mãos...
ResponderExcluirParabens pra nós! Espelhado no Porto velho Cultural (http://portovelhocultural.blogspot.com.br/2016/08/carne-de-sol-samuel-castiel-chico.html )