ARRIBA TOURO
Matar aula não é um exercício de cidadania.
Principalmente quando seus pais estão se matando pra pagar a mensalidade do seu
colégio. Vivíamos nossa mansa e venturosa adolescência. Naquela sexta-feira
quando cheguei ao curso de Admissão da Professora Elvira, antes de entrar no
prédio, fui convidado a participar do grupo que iria "gazetar"a
aula. O plano era ir tomar banho no igarapé das Pedrinhas, um balneário que
tinha água fria e límpida. Como não dispúnhamos de carro, iríamos andando até
lá. Entretanto, para chegar a esse balneário, tínhamos que passar por dentro da
pista do antigo aeroporto, que começava onde fica hoje o Ginásio Claudio
Coutinho, indo em direção aos Milagres, na nossa antiga Porto Velho. Nesse
local, além de aviões havia também búfalos
nômades e selvagens que vez por outra entravam na pista, colocando em risco
pousos e decolagens.
O igarapé
das Pedrinhas era realmente um oásis, cercado de arvores frondosas, água limpa
e fria, deixando que se enxergasse o fundo do igarapé, composto por pedrinhas
como se fosse brita, porém eram pedrinhas lisas que não machucavam nossos pés.
Havia o galho de uma arvore que pendia por cima das águas e nós
o utilizávamos como trampolim. Atirávamo-nos lá de cima dando mergulhos
espetaculares. Alguns ainda davam saltos chamados de mortais, virando cambalhotas no
ar. Depois de muitos mergulhos, estava na hora de começar a voltar
pra casa. O sol já começava a se por e não podíamos chegar em casa a
noite, pois nossa aula acabava as 18:00h. Entre os seis gazeteiros,
estava o Zé Roberto, amigo de todas as horas e um pouco gago, principalmente
quando ficava nervoso. Era o mais empolgado com o passeio naquela tarde de
verão. Antes de deixarmos o balneário das Pedrinhas, fomos apanhar frutas que
estavam maduras nas fruteiras que ficavam no entorno do igarapé. Colhemos
pitangas, cajus, tucumãs e goiabas. Amarramos essas frutas com nossas camisas,
enfiando uma varinha e carregando tudo sôbre o ombro, como se fosse uma
trouxinha de roupa. Mas o Zé Roberto, disse que não iria levar nenhuma
fruta pra casa, pois se assim o fizesse iria acabar se denunciando para
os seus pais. Estava vestido com uma camisa vermelha, que tirou e a pendurou no
seu próprio ombro. Começamos então a voltar para casa pelo mesmo caminho que
fomos, ou seja, tendo que passar pelo bairro dos Milagres e também pela pista
do aeroporto. Quando avistei de longe aqueles búfalos, fiquei preocupado. Eram
gigantes negros colossais de mais ou menos uns 500 kg, chifres sinuosos e
pontiagudos. Estavam agrupados dentro de uma grande poça de lama e, ao
nos avistar, começaram a dar sinais de inquietação. Alguns deles saíram da poça
de lama e arrastavam ruidosamente suas patas dianteiras e cascos no solo. Foi então que o Zé Roberto pra fazer
gaiatice, pegou sua camisa vermelha que trazia sobre seu ombro e começou a
fazer gestos de toureiro, de frente para os búfalos.
--0lé!... Olé!...Vem touro!...
Nós que vínhamos atrás,
vimos um dos búfalos soltar ruidosamente um ruído pela venta como se fosse
um espirro, arrastou seus cascos no solo e partiu pra cima do Zé. O coitado do
Zé, assustado e pêgo de surpresa, partiu numa desabalada carreira com o touro
no seu encalço. Nós que continuávamos atrás, também começamos a correr para
fora da pista que era cercada por arames lisos enviados em morões de
madeira. Mas o assustado Zé, em vez de correr pra lateral tentando ficar fora
da pista, ou seja, fora do alcance do enfurecido touro, correu em linha
reta e quase foi alcançado pelo búfalo quando no ultimo segundo se jogou ao
solo e rolou pra fora da pista, por baixo dos arames. Em pânico, o Zé
continuava agarrado a sua camisa vermelha, o que enfurecia e atraía ainda mais
o bicho. Muito ofegante, sem graça, mas já fora do alcance do búfalo, ainda
ouvi a voz do Zé todo sujo de lama, gaguejando e olhando pra nós com cara de
bobo:
--A A -RRI-RRIBA TOURO!...
PVH-RO, 20/02/14
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