CARTA AO WALDEN
Samuel Castiel Jr.
Faz um ano e três meses que você
se foi. Não tivemos nem sequer a chance de nos dizer adeus. Só vim a saber
muito depois quando liguei pra falar com você e sua filha me disse que você
não estava mais entre nós. Confesso que fiquei abalado e pensativo. Bateu uma
saudade grande. Uma saudade que me paralisou por algum momento em algum tempo do passado. Liguei para o
nosso amigo Iuji, que confirmou o seu passamento e acrescentou que achava que
tinha sido melhor assim, pois o seu sofrimento era grande demais. Não sei se
você também pensa assim. O que sei é que você deixou uma grande saudade! As
vezes me pego a pensar como a vida foi cruel com você. Lembro-me de como você
era vaidoso, como gostava de viver e das coisas boas da vida. Com a doença,
cheio de limitações físicas, parecia um prisioneiro de você mesmo. Quando o
visitei pela última vez, vi e presenciei todo seu sofrimento. Passamos aquela
tarde juntos a nos divertir com as lembranças do passado que parece tão
recente!...Nosso tempo de faculdade em Belém, quando caminhávamos ao sair das
aulas até o bairro de Nazaré onde nos despedíamos e cada um ia pra sua casa depois
de uma parada no bar Avenida para uma cerveja bem gelada. Bons tempos aqueles
Walden, quando apenas o estudo da medicina era a nossa preocupação. Lembro-me
do seu cabelo comprido, estilo Beatle, que lhe resultou o apelido de cabelão.
Como você gostava de azarar e esnobar as minas, hem? Aos sábados depois das
aulas quase sempre íamos para a Avenida João Alfredo, onde havia um desfile
de muitas garotas consumistas. Ficávamos quase sempre na Loja LR, onde havia
um espaço para beber nosso choop ou
cerveja. Lá encontramos certa vez aquela figura impoluta, chamado Pedrinho,
lembra? Tornou-se um amigo daquelas ocasiões, pois sempre o encontrávamos por
lá. Confesso que as lembranças daquela época são ainda muito vivas na minha
memória. O japonês Iuji que por ser muito metódico, deixava nossa companhia
alegando que precisava voltar para o Laboratório do Hospital Amazonas para
fazer a análise dos hemogramas. E assim ele quase nunca seguia nossos passos
boêmios.O Adilson, que não tinha limites, gostava de sair e se perder na
multidão, deixando todos da sua família preocupados. O Fabiano “Pato”, com
sua escaleta também era um bom companheiro. O Jovino, sempre querendo se dar
bem, chegava a noite pra estudar conosco na sua casa e ficava de olho na
merenda que sua mãe ia servir para pegar o maior quinhão. Ficava louco de
vontade quando eu falava que ia comer um bifão no restaurante e não o
convidava. E como você teve dificuldade de apreender o fenômeno do k-Kaptura da aula de Biofísica! Enfim, todas essas recordações ainda povoam minha mente, como se
fossem muito recentes. A Waldenice, por quem você era apaixonado e que acabou
se casando com o Ohana, lembra? Nossos mestres da faculdade, todos também
desfilam nos corredorers das minhas lembranças: a Professora Betina, da
cardiologia, o Mussalem e o Rezende clinica médica, o Ronaldo Araujo e o Ronaldo
Leite da patologia, o Rosado da Neurologia, que apelidamos de Urtigão, O
Sampaio da Histologia, o Paulo Azevedo, patrono da nossa turma, o Herminio Pessoa, o Julio Cruz da ortopedia
e outros tantos que também nos
ensinaram tudo que aprendemos de medicina.
Hoje, Walden, a Belém que conhecemos está muito diferente
daquela que vivemos. Acho que você chegou a ver o camelódromo que se instalou
na Av. Presidente Vargas, onde os trombadinhas promovem todo tipo de assaltos
impunemente. Não se pode mais andar pelas ruas de Belém sem sobressaltos. De
uma hora pra outra um pivete noiado pode puxar teu cordão ou relógio, levar
tua carteira ou até mesmo de matar. Tive muita pena de ver aquele jardim que
eram a praça da República e a praça Batista Campos, abandonadas e invadidas
por marginais. Os pedintes nas ruas cresceram assustadoramente, a pobreza da
população é bem maior do que era. Condorda? A revitalização e reforma das
Docas do Pará parecem que foram a grande conquista da cidade. A chuva
impreterível que cai todo dia as 15:00 h continua a ser a marca temporal da
nossa querida Belém. Por aqui, Waldem, tudo continua como sempre, agora atravessando
um inverno rigoroso, com chuvas torrenciais e contínuas que fizeram o Rio
Madeira encher mais de 20 m acima do
seu nível normal, transbordando e inundando a mata, as cidades e vilas
ribeirinhas, desabrigando milhares de pessoas. O sol quando aparece logo dá
lugar a nuvens escuras que não demoram a se precipitar. Muitos estão culpando
as usinas hidroelégtricas que estão sendo contruidas no Madeira. Mas creio
que essas usinas não tem muito a ver
com essa enchente que é histórica nesta região. Este ano o carnaval foi
suspenso aqui em Porto Velho por causa dessa enchente. Mas, enfim, neste ano
e alguns meses que você partiu, as coisas que já estavam em crise, só
pioraram. A política está cada vez mais descarada. Os corruptos de plantão
agora perderam de vez a vergonha. Quando são julgados e presos, a Justiça
volta atrás e manda soltá-los. A lei do mais forte e mais rico agora é bruta.
A população, composta por grandes bolsões de miséria, continua sem saber
escolher seus representantes. Elege e reelege sempre os mesmos e piores. E assim nossos governantes só se
locupletam e nada fazem em benefício do povo, do social. E as pessoas de bem
não querem mais participar nem concorrer para um meio de corrupção, mentiras
e fraudes. É lamentável que seja assim. Mas falando agora de amenidades, nossa MPB
foi invadida por duplas caipiras, Funk, Sertanejo Universitário e Batidão.
Não que eu tenha qualquer tipo de preconceitos com esses rítimos, mas já vão
longe os grandes nomes com Maria Bethânia, Gal Costa, Chico Buarque, Emílio
Santiago, Nelson Gonçalves, etc. Acho que os dias atuais de agora, merecem
esse tipo de música.Voce também acha? Pois é, a violência que impera nos dias
de hoje não tem nada a ver com a voz mansa daqueles nossos ídolos da música
popular brasileira. Não sei se você ainda chegou a ver alguma edição dos
Realyt Show. No caso dos Big Brothers, a Globo fatura horrores de reais,
confinando marmanjos musculosos e pirigetes saradas, ratas de academia, enche
todos de cachaça e faz tudo acontecer diante de câmaras que são vistas por
todo o País. Além desse escrache, temos também agora, com muita audiência num
programa de lutas da UFC, “The Ultimate Fighter”, onde o sangue dos
participantes jorra e mancha o tablado. O pico de audiência desse programa é
elevadíssimo. Chego agora a compreender porque na Roma antiga os imperadores
brindavam o povo com lutas mortais entre os gladiadores, ou os soltava nas
arenas junto com leões famintos para serem devorados enquanto o publico
delirava e ia a loucura. O ser humano é assim mesmo: adora ver sangue, desde
que não seja o seu. Mas fazer o que? Essa é a essência da humanidade, que de vez em quando é explorada de forma torpe.
Para não ser mais longo,
Walden, vou ficando por aqui, com muita saudade dos nossos velhos tempos.
Espero que você continue com esse seu espírito alegre, agora livre por toda a
eternidade.
Um abraço forte
Do amigo de sempre,
Samuel
PVH-RO, 10/03/14
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