Samuel Castiel Jr.
A lua já estava grande e cheia e ainda era
cedo, mal a noite começara a chegar. As ruas empoeiradas, barracos cobertos de
lona, paredes erguidas com tabuas toscas, material de construção espalhado por
ruas e vielas. Uma brisa começava a soprar, melhorando a sensação do calor
causticante que fustigara a todos durante o dia. Alguns moradores ainda
tentavam trabalhar sob a meia-luz dourada da lua, ou focando lanternas para
acabar de pregar tabuas em seus cômodos improvisados. Alguns meninos corriam
brincando naquele cenário que mais parecia um canteiro de obras, abandonado. Aos
poucos as crianças foram parando seus folguedos e correrias, os adultos parando
seus trabalhos. Alguns cachorros latiam ao longe. A noite foi avançando e a lua
subindo rapidamente, como um farol na noite. Já era quase meia noite, o
silencio predominava naquela área de invasão da zona sul de Porto Velho. Foi
então que lá longe, já nos limites com a floresta, ouviu-se o uivo de um lobo.
Os moradores que ali já dormiam, acordaram-se com aquele uivado insistente e
começaram a ficar incomodados. Alguns reforçaram as trancas de portas e janelas
de seus barracos. As crianças se aconchegaram mais aos pais!... O que ninguém
poderia imaginar é que esse lobo fosse ficar voltando todas as
noites, enquanto a lua estivesse cheia ou crescente. No mês seguinte a
estória se repetiu: um lobo uivando naquele cenário de invasão, nas noites de
lua. O assunto começou a virar comentário não só no local da invasão mas também
em toda a cidade de Porto Velho. A mídia passou a explorar o assunto, dando
ampla divulgação e tornando ainda mais misterioso o tal lobo. Alguns moradores
da invasão chegaram a dar entrevistas onde diziam ter visto o lobo: “era
grande, muito felpudo, de cor preta e
arisco como ninguém, pois ao sentir a aproximação de qualquer ser vivente,
fugia em desabalada carreira, sem deixar nenhum rastro!” Todos concordavam que
era um lobisomem. Depois de alguns meses dessa aparição uivante, as autoridades
policiais e da prefeitura resolveram investigar o assunto, pois a imprensa
escrita, falada e televisada estava fazendo muito estardalhaço em cima desse
bicho e, por isso mesmo, aquela área de invasão passou a ser chamada a Cidade
do Lobo. Alguns outros bairros da cidade também já tinham recebido nomes sugestivos
que iam desde nomes de novelas da época como “Meu Pedacinho de Chão”, a
primeira novela a ser exibida nesta cidade e que, por motivo de incêndio nos
estúdios TV Globo, em São Paulo, seu
final não pode mais ser retransmitido por aqui e seus atores principais foram
contratados pelo Governo para contar ao vivo o final da novela no Cine Resky. A
criadora e incentivadora desse bairro, por sinal, foi Dona Gilsa Guedes, esposa
de um dos governadores do antigo Território Federal de Rondônia, o Cel.
Humberto da Silva Guedes; até outros
como o “Caladinho”que por ser invasão, recebeu esse nome por motivos
óbvios, já que surgiu da noite para o
dia, na calada da noite!...
Mobilizada a comunidade através da
Defesa Civil, com o reforço de alguns
policiais civis e militares, foi programada uma mega operação com o objetivo de
capturar o lobisomem uivante. Tinha que ser em noite de lua cheia! Tudo foi
então programado em sigilo para uma noite de lua, quando era certo o
aparecimento do bicho peludo. Cercado o bairro, os agentes se posicionaram em
pontos estratégicos, armados com facões,
fuzis, pistolas ponto 40, pedaços de pau, estilingues, pedras, etc, a espera da
fera. Meia noite em ponto começaram a ouvir os uivos do lobo que fizeram muitos
abandonar seus postos e “vazar” trêmulos
rumo a cidade, já contando e aumentando...Uns diziam que chegaram a ver um
bicho peludo horrível! Talvez um ET, um
“Chupa-Cabra” quem sabe? Outros diziam que o chão tremeu quando o bicho uivou, e assim por diante! Mas os agentes
policiais e destemidos homens da Defesa Civil ficaram nos seus postos e foram
se aproximando do local onde a fera se encontrava uivando, e que era numa
estreita viela, já quase no limite da floresta. Dentro de uma pequena barraca
coberta de lona, toda fechada e sem portas ou janelas, era de lá que saiam os
uivos selvagens e também outros gemidos... Foram se aproximando pé-ante-pé,
como verdadeiros tigres para não afugentar suas presas. Cercada a barraca, não
havia como o bicho escapar! O comandante da operação, então, segurou o megafone
e deu a voz de prisão:
--Fique onde está, você está
cercado e preso! Caso tente fugir será morto a tiros!
Houve um silêncio sepulcral que pareceu uma
eternidade. A seguir, aos poucos,
parecendo que se moviam em câmara-lenta, foram levantando a lona da barraca e
saindo, com os braços p’ra cima, primeiro um homem alto e magro e logo em
seguida outro homem vestindo uma fantasia de lobo, com pelos pretos e um rabo
felpudo que descia até ao chão. A luz da lua cheia, aquela cena parecia
sulrrealista. Todos estavam perplexos! Sem nenhuma palavra o comandante ordenou
que fossem revistados e, depois, já com os braços e mãos para trás, colocou-lhes as
algemas. Foram “agasalhados” no
“camburão” da polícia militar e conduzidos a delegacia para lavrar o respectivo
Boletim de Ocorrência (BO).
Após ampla exploração midiática, onde
as chamadas de telejornais eram
explicitas: “O Lubsomem era um ”Lubsgay”!...,
as autoridades policiais divulgaram o depoimento dos presos, os quais foram
encaminhados a uma junta de médicos psiquiatras e psicólogos antes de serem levados ao
presídio. Tratava-se de mais um caso grosseiro de fetiche, onde o
relacionamento homosexual chegava as
raias das chamadas perversões sexuais ou parafilias. Nesse caso, o parceiro
ativo da relação, somente sentia prazer e chegava ao orgasmo se a relação
ocorresse em circunstâncias difíceis e incomuns, além de que o parceiro passivo
ainda tinha que estar travestido de lobo e uivando como tal. Como o próprio “lubsgay”
se manifestou quando lhe foi perguntado:
--Porque você se arriscava
tanto? E ainda mais vestindo essa fantasia ridícula de lobo?
--Doutor, o que a gente não
faz por amor, não é mesmo?
Foram enquadrados e tipificados como perturbadores
da ordem, dos costumes e da moral da comunidade. Cumpriram pena de 1
ano em regime fechado, pois ainda não
havia a chamada pena alternativa nem a progressão do regime. O bairro foi
chamado por muito tempo Cidade do Lobo, hoje Conceição e Cidade Nova, na zona sul da cidade
.
PVH-RO,
10/07/13
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