Quando nasceu já era um bebê grande, branca e
chorando forte! Seus olhos azuis e
os cabelos loiros, faziam-na parecer de descendência nórdica. Segundo seus pais
e as próprias fotos mostravam como ela era linda desde que nasceu. Ainda para completar chamava-se Diana, deusa da mitologia grega, como ela. Assim, costumava gabar-se de sua beleza para todos seus
amigos. Na adolescência fez do seu colégio uma passarela, onde desfilava todos
os dias não só para seus colegas mas, principalmente, para os professores.
Incentivada pelos pais, entrou para a escola de modelo, tendo conquistado
alguns resultados positivos e
comentários de que levava jeito para o “fashion”. Não queria quase nada com o
colégio, apenas frequentava as aulas, conseguindo passar a custa de colegas
generosos que lhe davam seus gabaritos. Assim, vivia como uma “patricinha”
mimada e rebelde. Matriculou-se no Wise Up para aprender inglês, mesmo sem ter
nenhuma vontade. Frequentava a Academia onde malhava para melhorar ainda mais
sua aparência. Mas, sabia-se linda e tinha certeza que despertava a inveja na
maioria das amigas. Era cobiçada pelos meninos, mas esnobava a todos! Não
queria se envolver com ninguém. Achava-se bela, linda e maravilhosa. Sua cútis
era branca e rosada, sem mancha nenhuma
sequer. Seu nariz afilado e olhos ligeiramente puxados, azuis, davam-lhe a
certeza do rosto angelical. Para completar esse potencial, tinha a altura de
1,70m, pernas grossas, torneadas, pescoço esguio e longo, lábios carnudos e um
bumbum arrebitado que fazia toda a macharada olhar quando ela passava. Mas ela
não tava nem aí! Não queria se envolver com ninguém! Tinha um ritual, que
chegou a virar mania: pela manhã ao levantar-se, corria para o
banheiro e, frente a um grande espelho
do seu closet, admirava-se por tempo indeterminado, vasculhando pequeninos
detalhes da sua beleza incomum. Olhava cada curva de seu rosto, o nariz, os cílios longos e ligeiramente virados, a
sobrancelha perfeitamente desenhada, os cabelos loiros, lisos e com discretas
ondulações nas pontas. As orelhas eram proporcionais a sua cabeça, com uma
inclinação perfeita, que lhe davam uma silhueta frontal majestosa, algo
lembrando Nefertiti, do antigo Egito.
Ficava horas a olhar-se naquele espelho, e perdidamente apaixonada por sua
estonteante beleza, perguntava mentalmente para o espelho, lembrando-se de
Narciso:
-- Espelho,
espelho meu, diga-me se existe neste mundo alguém mais linda do que eu?
O espelho então nem precisava
responder-lhe –pensava, pois quem cala
consente! E sem nenhuma dúvida a sua
beleza era única, universal!
Com o passar dos anos, os seus
hormônios sexuais aflorando, chegou o momento de namorar. Mas... com quem? Ninguém lhe interessava, os meninos ou eram
“gays” efeminados ou simplesmente abestalhados, despidos de qualquer coisa
interessante!... E, além do mais, a sua beleza descomunal fazia com que quase
ninguém dela se aproximasse com intenção de namoro. Aos poucos, sentiu a necessidade do aconchego
de alguém, mas não sabia ao certo de quem.
Tinha certeza de que não eram seus pais, pois queria sentir um carinho
diferente, alguém que tocasse o seu corpo, seus seios, seu sexo...Que lhe dissesse
palavras de amor, de carinho, que
beijasse a sua boca perfeita, sentisse seus lábios carnudos. Mas como isso iria
acontecer, se ninguém se aproximava dela. Sua única paixão, entretanto, era ela
mesma! Amava toda aquela sua monumental beleza! Ficava horas frente aquele
espelho de seu closet, a admirar-se todas as manhãs e a noite
antes de deitar-se para mais uma noite de sono. Quando sonhava, sonhava com ela
mesma, admirando a sua beleza descomunal!
Aconteceu um dia, quando voltava pra
casa, deu carona a uma colega e percebeu que algo lhe atraía para aquela moça.
Não que fosse linda como ela (isso seria
impossível) nem mesmo bonita, mas era meiga e dócil, tinha um carinho todo
especial por ela. Chamava-se Susi, e já se conheciam a algum tempo, mas só
agora começava a prestar atenção nessa colega. Aos poucos também começou a
admitir que era não só amizade, nem só desejo, era mesmo um amor homossexual. E
foi ficando cada vez mais apaixonada, só andava com a Susi, não queria mais
ficar longe dela. Até que descobriu que a Susi não era a pessoa que ela
imaginara. Também não correspondia ao seu amor. Era vulgar, podia-se dizer até mesmo promíscua!
Mas fazer o que? Amava-a assim mesmo. Sujeitava-se até aceitar suas mentiras,
só lhe pedia que jamais queria vê-la com outra mulher. Não suportaria! Mas um dia isso aconteceu, foi inevitável! E isso representou um transtorno radical em sua vida! Passou
dias trancada em seu quarto, sem querer falar com ninguém, sem querer
alimentar-se, apesar dos insistentes chamados
e mimos de seus pais. Já fazia
dias que não procurava seu espelho. Num desses dias de profunda e solitária depressão, resolveu olhar-se no
espelho. Após fixar seu olhar por alguns minutos no seu velho amigo espelho,
com a voz baixa, quase murmurando, perguntou-lhe:
- Espelho, espelho meu, existe alguém neste mundo mais bela do que eu?
-- Você
está horrível! Feia, com sua imagem difusa, olheiras profundas,
rugas e marcas de expressão, com cabelos ressecados, quebradiços e depenteados...
Todas as mulheres do mundo hoje são mais belas que você!...
Num ataque de histerismo e fúria,
atirou seu vidro de perfume francês sobre
o espelho, que se partiu em pequeninos
pedaços.
Levada ao Hospital foi medicada na
emergência e encaminhada ao serviço de pisiquiatria ambulatorial para
acompanhamento. O pisiquiatra encaminhou a Diana ao analista, que depois de umas cinco sessões com a Diana
no divã, chamou seus pais e disse-lhes:
-- O caso
da Diana é um caso grosseiro de narcisismo associado a homossexualismo. Para
que vocês entendam melhor, é como se
existissem duas almas em cada pessoa.
Uma interior e outra exterior. A exterior é aquela que todos vem, associada ao "status", ao narcisismo, ao social, ou seja, como a pessoa é vista exteriormente. A interior é aquela real, que só ela, as vezes, vê. E geralmente vê quando se despe de todo exterior, ficando a sós consigo mesma. O espelho as vezes ajuda a mostrar a essas pessoas sua outra alma
interior que ninguém conhece, nem elas próprias.
A Diana vai precisar de apoio psicológico por algum
tempo e talvez de um psicoterapeuta. O prognóstico é bom, porém ela vai
precisar muito do apoio também da família. Creio que isso ela sempre teve com
vocês, mas é importante que seja dito.
Já saindo e depois de se despedir dos
apreensivos pais, o analista os interrompe e adverte:
--
Desculpem, já ia esquecendo: evitem colocar espelho no quarto da Diana pelo
menos por uns seis meses...
PVH-RO,13/07/13
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