TREVAS DA MORTE
Samuel Castiel Jr.
Descendente de eslavos, branco e louro,
vermelho, olhos verdes e com cerca de
1,85 m de altura, pesando 120 kg, Hilton
Arches Iankoviskev era um homem
excessivamente meticuloso, calculista, misófobo, epiléptico e também hipocondríaco. Claudicava
devido a
sequela de uma necrose avascular
( Doença de Legg-Perthes ) no quadril direito quando ainda adolescente
na Theco-eslovaquia. Mudou-se com seus pais para o Brasil ainda jovem. Seus
pais haviam comprado fazendas no Rio Grande do Sul, e iniciaram no
ramo da pecuária de corte, quase na
fronteira com o Uruguai. Como a região era essencialmente propícia a pecuária, seus rebanhos cresceram e
se multiplicaram. Suas terras e
pastos eram como um imenso gramado verde
de futebol a se perder de vista. A família
Iankoviskev prosperou e continuou abastada e de grandes posses. Com o
falecimento de seus pais, Hilton Arches, herdeiro único, passou a ser o
proprietário absoluto de todo aquele império e de todo aquele gado. Mas Hilton
era excessivamente apegado as coisas materiais. Ao contrario de seu pai que
sempre foi um homem sem muito apego ao dinheiro e aos bens que possuía. Único
herdeiro de toda a fortuna acumulada por seu pai, Hilton não precisava trabalhar, apenas administrava seus bens.
E assim tinha tempo suficiente para dar
vazão as suas neuras, complexos, medos e fobias. Lia muito e passou a
investigar sobre algumas fobias que o atormentavam. Sofria com a possibilidade
de contaminar-se com germes e bactérias
e, por isso, estava sempre lavando suas mãos. Não conseguia ficar em ambientes
fechados ou escuros, pois se isso acontecesse tinha suores frios e vertigens,
podendo mesmo chegar até a um ataque epiléptico. Com o passa dos anos,
começou a ter informações de ancestrais
seus que teriam sido vítimas de uma doença terrível e rara chamada
catalepsia patológica, também chamada de Doença dos Enterrados Vivos. Nessa
doença, a pessoa desenvolve um estado de paralisia geral de toda a musculatura,
principalmente dos membros, que se tornam rígidos, como nos mortos. Essa
condição pode ocorrer associada em portadores de outras doenças, tais como Doença
de Parkinson, síndrome neuroleptica maligna e epilepsia. Também pode ocorrer
como sintoma característico na abstinência de anfetaminas como a cocaína, ou
até mesmo no tratamento de esquizofrenia por um antipsicótico como o haloperidol,
ou até mesmo de um anestésico tipo cetamina. Hilton Arches sabia de tudo isso
mas achava que, como havia estórias de ocorrência em seus ancestrais, poderia
ter a infelicidade de ser também uma vítima desse mal. Lia tudo que continha
esse tema e assim leu Alexandre Dumas ( O Conde de Monte Cristo ) onde seu
personagem Abbé Faria tem frequentes ataques de catalepsia até morrer definitivamente
de um deles. Debruçou-se também sobre as obras de Edgard Allan Poe que tratou
desse tema em sua obra. Leu também o autor brasileiro Alvares Azevedo que na
sua obra “Noite na Taverna” tem um personagem chamado Solfieri que é portador
de catalepsia patológica. Passou então a ter pesadelos, onde se via sendo enterrado vivo, sem que
ninguém pudesse ajudá-lo. Acordava apavorado, molhado de suor. Sua esposa o
aconselhou a procurar um médico, mas de
imediato refutou a ideia. De nada iria adiantar! E cada dia que passava ficava mais
estressado. Não queria ir ao médico, muito menos tomar remédio. Sabia também
que a maioria desses remédios são controlados e causam dependência se usados
por tempo prolongado. Preferia não tomar.
Perdido nessas elocubrações, começou a elaborar em sua mente um projeto
que poderia vir a ser literalmente a sua salvação. Mandaria construir
um mausoléu bem no final de sua propriedade, onde já não passasse ninguém e que ficasse muito distante de sua
residência. Esse mausoléu seria especial, arquitetado e desenhado por ele
mesmo. Teria espaço suficiente para construir prateleiras, onde criaria uma
verdadeira dispensa de gêneros alimentícios
não perecíveis, suficientes para mantê-lo pelo menos por um mês,
inclusive com garrafões de água mineral para saciar sua sede. O mausoléu seria
hermeticamente fechado, apenas com uma pequena grade de aço na parte superior da porta para circulação do ar. Em
cima do mausoléu, teria uma crucifixo em bronze, e também um sino, cuja corda
ficaria para dentro do mausoléu, pois caso ele voltasse do estado cataléptico,
poderia puxar a corda e o sino seria ouvido a distância, atraindo a atenção da
sua criadagem. Não esqueceu ainda de um megafone, onde ele também poderia
chamar por socorro, caso voltasse desse
terrível estado de paralisia. Tudo ficou
pronto, com os mínimos detalhes meticulosamente calculados. Uma vez por mês ele
mesmo ia até ao mausoléu e trocava seus gêneros alimentícios, seus garrafões de
água. Fez um trato com sua mulher que, em caso de sua morte, deveria ser levado
necessária e impreterivelmente para aquele mausoléu que ele construira com
tanto esmero. O tempo foi passando e depois de mais de uma década, poucas
pessoas ainda se lembravam daquele mausoléu abandonado nos fundos da fazenda do
milionário e excêntrico Hilton Arches. Depois de uma tournè pela Europa e
Asia,com sua esposa Ingrid , e que durou aproximadamente um ano,já com seus 71
anos ele foi encontrado morto pela manhã, em seu leito, por sua esposa que saía do banho matinal.
Cumpridas as formalidades legais, o corpo foi liberado para o velório e
sepultamento.
A viúva Ingrid, entretanto, lembrava-se
bem dos desejos de seu marido, ou seja,
sepultá-lo naquele mausoléu que ele mesmo tinha arquitetado e construído lá nos
fundos distantes das terras de sua fazenda. Além disso, recomendara a ela
que a urna deveria ser fechada, porém
jamais parafusada. E como o desejo de morto deve ser sempre cumprido, Ingrid
pediu a funerária que fizesse tudo conforme seu falecido esposo havia
recomendo. Tudo pronto, o corpo de Hilton foi colocado em uma urna de mogno, toda trabalhada, com uma janelinha de vidro
que permitia ver o rosto do morto, o qual parecia dormir, com expressão serena e tranquila! O féretro após a
missa de corpo presente seguiu para o mausoléu nos limites da fazenda. Com o
movimento do carro fúnebre, a rididez
que tomava conta dos músculos de Hilton foi lentamente se desfazendo. Ele abriu os olhos. O que
sempre temeu estava acontecendo! Ele estava sendo enterrado vivo! Seus olhos
estavam abertos, sua consciência perfeita, mas ainda continuava paralizado. Não
conseguia falar, nem mexer um músculo da face sequer! Mas agora via e
sentia perfeitamente as trevas da morte! A urna foi
colocada numa espécie de pedestal no
mausoléu. Foram rezadas as orações de despedida, colocadas as coroas e flores
sobre a urna, trancada a porta e as grades de aço, sendo as chaves entregues a
viúva Ingrid. Naquela mesma noite, quando o silêncio imperava naquela área
distante das fazendas, no limite da mata densa, o corpo de Hilton começou a se
mexer e, como ele tinha previsto, foi fácil arrancar aquela tampa da urna, pois
não estava parafusada. Já fora da urna, foi até o armário onde guardava as
velas e o fósforo. Mas a humidade do local tinha inutilizado os fósforos que
não mais acendiam. Mesmo assim, desesperadamente, tentou em vão atritando um
por um todos os palitos de meia dúzia de caixas que tão bem guardara.
Concentou-se o resto da noite na escuridão, esperando ansiosamente pelo raiar
dia, quando colocaria o restante de seu plano em ação. Mal o dia clareou,
procurou pelos garrafões de água, porém estavam secos, a água havia se
evaporado. Correu para os armários da dispensa, mas quando abriu uma das portas
viu a silhueta de um rato que furtivamente fugiu. Todos os alimentos que guardara haviam de deteriorados. Lembrou-se do sino. Sim, o
sino! Poderia chamar alguém que viesse em seu socorro. Correu para a corda do
sino, mas quando a puxou, a corda que já estava puída, quebrou lá no alto,
próximo ao badalo. Já em pânico,
lembrou-se do megafone. Sim, lá estava ele! Correu para pegá-lo mas quando puxou o
botão para “ON”, o “led” verde não se acendeu. As pilhas tinham
se esgotado, e não havia outras.
Com fome, com sede, desesperado e em pânico, Hilton Arches já não conseguia mais
raciocinar. A noite já chegava outra vez! Correu para a grade de aço da porta. Uma grande lua nascia distante, iluminando tudo por
trás da mata. Uma coruja pousou sobre a folha de uma bananeira que ficava em
frente ao mausoléu. Curiosa, parecia olhar para ele!...
PVH-RO, 29/07/13
Ainda bem que não li a noite... Tétrico.
ResponderExcluirNa minha infância, li vários contos sobre catalepsia, mas não fiquei maníaco, como o seu personagem.
Grande abraço, Zé Carlos