A “VACINA” DE SAPO
Sempre fui
curioso. Algumas vezes paguei caro por isso! Certo dia, em conversa com um
amigo do Acre, fiquei sabendo da chamada “vacina” de sapo, extraída do veneno
de um sapo da Amazônia, e que estava fazendo verdadeiro prodígio nas pessoas
que recebiam esse tratamento naquele Estado vizinho. Imediatamente procurei inteirar-me e fui atrás
de maiores informações, pois padecia de uma sinusite crônica que não curava com
nada. Segundo esse amigo acreano, essa vacina era produzida por índios de
varias tribos da Amazônia, tais como os Kanamaris, Katukinas, Kaxinawa, Marubos,
Matses, Yaminawa, etc., e estava indicada pra cura da diabetes, colesterol,
reumatismo, asma, sinusite e mais uma infinidade de males, além de produzir uma
verdadeira desintoxicação no organismo, tornando as pessoas mais saudáveis e
longevas. Produzia também uma enlevação da alma, fazendo com que as pessoas se
tornassem mais puras e tementes a Deus. O
sapo, na realidade, é um anfíbio local chamado de kampô ou kambô, cujo nome
científico é Phyllomedusa bicolor. O seu veneno é poderoso, raspado da costa
dessa perereca e armazenado em palhetas de madeira. Nas tribos é sempre aplicado
pelo curandeiro, também chamado de sapeiro, que primeiramente queima a pele do
braço( nos homens) ou da perna ( nas mulheres)
com a brasa de um palito, fazendo vários pontos onde é aplicado o veneno
do sapo. Dizem os indígenas que as mulheres que tomam essas vacinas ficam mais
fortes para ajudar na caça, servindo também para curar a “panema”, uma espécie
de depressão do índio.
Depois de ter todos esses
conhecimentos, confesso que já estava de malas prontas para viajar para o Acre,
quando fui informado que um índio curandeiro estaria de passagem aqui em Porto
Velho e faria a vacina naquelas pessoas que se interessassem. Iria atender
apenas naquele final de semana, pois tinha que retornar ao Acre, as pressas, onde
sua tribo o esperava. Custaria R$ 100,00
(cem reais) a aplicação. Não tive dúvida, eu seria um candidato em
potencial! Recebi orientação para fazer uma dieta três dias antes, evitando
comidas sólidas. No dia da aplicação, o jejum tinha que ser absoluto. Nem água
eu deveria tomar antes da “vacina”.Como a mídia já tinha feito um alarde sobre
esse tema, noticiando inclusive a morte de uma pessoa em Pindamonhangaba – SP.,
em 2008, o curandeiro estava preocupado
com a Polícia Federal que estava investigando essa situação, inclusive visitando
as tribos indígenas no Acre e em outras aldeias da selva amazônica. Sabia-se
até de estrangeiros vindos dos Estados
Unidos, da Europa e da Asia no afã de tomar a tal vacina de sapo ou então levar
algumas palhetas para seus países, cometendo assim a chamada biopirataria, crime internacional, alvo de
investigação pelos órgãos federais.
Depois de ler o depoimento de
varias autoridades no assunto, inclusive do biólogo Missawa que fez uma
parceria com os índios Huni-Kui (Kaxinawa) sem êxito na tentativa de obter
autorização para estudos das características e dos efeitos imunológicos do
veneno do sapo, através do Institto Butantan, eu resolvi que deveria
experimentar essa “vacina”, uma vez que ela já estava incorporada na cultura da
chamada terapia da selva.
Chegou o meu dia. Era sábado e eu estava ansioso para saber qual
seria a minha reação frente aquela “vacina”. Estava juntamente com outras
pessoas em uma chácara nos arredores de Porto Velho, onde havíamos dormido por
recomendação do sapeiro. As 5:30 da manhã o curandeiro mandou que nos
acordassem. Recomendou mais uma vez que ficássemos em absoluto jejum. Levou-nos
para o terreiro que ficava próximo a um igarapé, recomendando que deveríamos
ter em mente as coisas que mais nos incomodavam, não apenas as doenças mas
também os enigmas espirituais para os
quais não temos explicações. Pediu novamente que nos concentrássemos, fez
algumas orações em língua indígena, que nada entendi. Depois levou todos para
outro aposento da casa, dizendo que a vacina tinha que ser aplicada um por um
de cada vez. Cada aplicação levaria aproximadamente uma hora, pois algumas
pessoas poderiam necessitar de cuidados mais demorados. Perguntou se alguém
gostaria de ser o primeiro e eu imediatamente me apresentei. Levou-me então
para fora da casa e nos dirigimos para a beira do igarapé. Ali estavam uma
mulher índia e seu auxiliar também índio, o qual meteu a mão em um saco de pano
e tirou de lá de dentro uma perereca verde, que já veio com as perninhas
amarradas cada uma por um fio barbante.
A seguir o sapinho foi amarrado em duas varetas que estavam fincadas no chão,
em paralelo. O sapinho então ficou
estirado, amarrado pelas pernas. Aí foi que o curandeiro se aproximou de mim,
pediu-me que tirasse a camisa e se dirigiu a uma pequena fogueira, retirando de
lá um palito longo e com a ponta em brasa. Voltou-se para mim e disse:
---Vou fazer pequeninas queimaduras
no seu braço.
Encostando aquela tala com ponta
de brasa na pele do meu braço, fez uns sete
furos de queimadura, produzindo muita
dor, porém suportável. Na sequência
pegou uma palheta de madeira e foi até onde o sapo se encontrava
esticado pelos fios barbantes. Com a palheta ele raspou o dorso verde do sapo,
tirando uma substância gosmenta e ligeiramente esverdeada. Voltou-se para mim e
esfregou aquela substância em cada foco de queimadura no meu braço. Em trinta
segundos comecei a sentir tonteira e mal-estar. A seguir vieram náuseas e
fortes dores no estômago que me fizeram vomitar. A dor de cabeça parecia que ia
explodir meus miolos. Minha pressão arterial subiu rapidamente. Meus olhos
parece que iam saltar das órbitas. Consegui me acalmar, pensando que tudo era
passageiro e que dentro dos próximos cinco minutos eu estaria melhor. Não
estava e continuei piorando. Veio a diarreia com cólicas intensas. Um suor frio
saia de todos meus poros. A respiração estava ficando difícil. Acho então que desmaiei.
Foi aí que tudo aconteceu. O
ambiente era diáfano, havia uma paz absoluta e seres transparentes passavam por
mim. Havia uma musicalidade suave de fundo e uma sensação de conforto pleno. Um
ser angelical aproximou-se de mim e perguntou o que eu desejava ali.
--Quero falar com Deus! –
disse-lhe.
O ser afastou-se e fez um gesto
para que eu o seguisse. Entramos em vários ambientes de luz, como se fosse um
túnel, e onde cada vez mais a sensação de bem estar tomava conta de mim.
Finalmente, abriu-se uma grande porta e vi sentado em uma poltrona brilhante
muito grande e alta aquela figura também diáfana, com uma aureola dourada.
Estava de costa para mim. Não precisava falar comigo através de palavras, pois
eu entendia tudo o que me dizia e bastava que eu pensasse para que Ele me
respondesse.
--Que queres aqui meu querido e
curioso filho?
--Senhor, perdoai-me por ser
curioso e não compreender muitas coisas da vida.
--O que queres saber filho querido?
--Porque existem pobres e ricos?
Porque existem abastados e miseráveis? Porque uns esbanjam enquanto outros milhares
amargam a fome cruel e vergonhosa? Porque crianças já nascem condenadas a morte
ou com doenças incuráveis para sofrerem o resto de suas vidas? Porque existem
pessoas boas e íntegras e outras são vis e de mau caráter? Porque tanta
violência?Porque os povos fazem guerra, onde morrem milhares de inocentes?
Porque?
Quando Ele girou sua poltrona e
ficou de frente para mim, o que vi deixou-me ainda mais perplexo, a ponto de
explodir: o rosto de Deus era o meu rosto! Foi então que recebi um
forte jato de água fria no meu rosto, acordando-me de vez.
--Já chega! Já chega, meu caro
amigo cara pálida! Você delirou muito e deu muito trabalho pra nós. Vá dar um
mergulho naquele igarapé pra passar de vez essa lombra! --disse o curandeiro, já um tanto mal humorado.
Guardo até hoje as sete
cicatrizes da “vacina”de sapo no meu braço esquerdo. Nunca mais voltei a sofrer
de sinusite.
PVH-RO, 22/10/13
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