E AGORA O QUE QU’EU FAÇO DOUTÔ?
Samuel Castiel Jr.
Ele era mau e batia nela. Tinha dado
graças a Deus o dia que se enrabichou por uma periguete e foi embora morar com
ela na cidade. Não tinha filhos. Vivia sozinha naquele sítio distante, cuidando
da roça. Trabalhava de sol a sol, tinha as mãos calejadas. Mas, com o passar do
tempo, a solidão doendo, começou a sentir falta do companheiro, do aconchego, e
dos carinhos da cama que não tinha mais. As insônias eram frequentes, ficava rolando na
cama com o travesseiro entre as coxas. Via o dia clarear. Ainda era jovem,
apesar de maltratada. Os dias se passaram, meses e anos. Já estava até
conformada, aceitando a solidão. Afinal, pensava, estava bem melhor assim, pois
não tinha que aturar os desaforos e as surras que deixavam seu corpo cheio de
dor e hematomas.
Nesse dia, tinha chegado da roça e se
preparava para o jantar quando, ao olhar pela janela, viu entrando na porteira
do seu sítio, montado a cavalo, aquela figura que muito conhecia. Sim, não
tinha dúvida, era ele o Valadão. Aproximou-se, desceu da montaria e amarrou a
corda do cabresto na arvore mais próxima. Estava sujo, com a barba por fazer a
dias, e usava um chapéu amarrotado, de abas grandes. Entrou e foi logo pedindo
desculpas, estava arrependido. Aquela vagabunda da periguete não era a mulher que ele pensava. Maria ficou
assustada e desconfiada com aquela mudança e arrependimento. Disse a Maria que
agora ele seria outra pessoa. Iria ajudá-la na roça e até nos serviços da casa.
E afinal, carente e cheia de tanta solidão, acabou aceitando de volta o
Valadão. No início até que cumpriu sua palavra, ajudando-a na roça. Mas, aos
poucos, voltou a beber e passava os dias deitado na rede armada na varanda e
bebendo cachaça. Maria já estava amargamente arrependida de ter aceito de volta
aquele traste, principalmente porque tudo voltou a ser como antes. Voltou
também a bater nela. Quando não queria ou não podia ir pra cama com ele era
mais um estupro e mais uma surra que levava. As vezes ficava tão machucada que
não conseguia levantar-se no dia seguinte pra ir trabalhar na roça. Não sabia
mais o que fazer!...
Nesse dia estava bem machucada e
cheia de hematomas, mas mesmo assim conseguiu levantar-se para trabalhar na
roça, de sol a sol. Já era quase noite quando voltou para casa. Mal chegou e o
Valadão foi logo gritando:
--Ô infeliz, vê se apressa logo
esse jantar que estou morrendo de fome! Ou quer levar outra surra?
--Já vou preparar tudo Valadão!
Tenha um pouco de paciência home!
Ele estava visivelmente bêbado. E
quando ficava assim, tornava-se mais agressivo e violento.
Calada e tremendo de medo, foi para a
cozinha. Esquentou rapidamente uma sopa de carne com legumes que já estava
pronta.
--Maria, filha d’uma égua! Cadê a
porra dessa comida? Acho que tu tá querendo levar outra peia, né?
--Doutô Delegado, eu juro pro senhor que quando eu levei o prato
de sopa ele tava sentado na cama e eu tremia mais que vara verde. Mandou que eu
puxasse suas botas sujas de barro, o que
eu fiz prontamente. A seguir dei seu prato de sopa bem quentinha. Ele tomou
umas duas colheradas, cuspiu pro lado e atirou o prato na parede espatifando e
derramando tudo!
--Sua filha da puta! Isso é comida
que tu sirva pro teu macho? Trata de trazer outra comida pra mim agora senão tu
vai apanhar de cinturão, sua vagabunda!
--Calma, Valadão, eu vou trazer
outra comida em outro prato.
Eu juro pro senhor , Seu Delegado,
quando eu voltei com o outro prato, ele tava deitado na cama de peito pra cima,
dormindo, roncando alto e espumando pelo canto da boca de tão bêbado! Aí então,
peguei a minha trouxinha de roupa e piquei a mula, andei a noite inteirinha sem
parar pra chegar até aqui. Tenho certeza que se ele acordasse, dessa vez ia me
matar. E agora, o que qu’eu faço doutô?
PVH-RO, 09/10/13
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