A ÚLTIMA CAÇADA
Samuel
Castiel Jr.
Seu principal e único lazer
era a caça. Ainda adolescente acompanhava seu pai nessas aventuras no seringal
São Carlos, no alto Jamari. Saiam bem cedo pela manhã e se embrenhavam mata
adentro, sempre procurando rastos de animais noturnos, que só saem a noite para se alimentar e que pudessem
passar por aquelas veredas da floresta densa. Levavam consigo armas tipo espingarda caibre 12 ou 20,
munição para elas, facas e facões bem amolados, sacolas com sal grosso para
salgar e conservar a carne dos animais abatidos. Levavam também uma boa lanterna e algum alimento em conserva,
pois as vezes tinham que passar vários dias em busca de um animal de médio ou
grande porte. Qualquer pista servia para orientá-los. Pegadas na lama, fezes
desses animais que pudessem indicar se recentes ou antigas, se continham residos
tipo sementes, pedaços de fruta e que pudessem constituir numa pista. Pelos nos
troncos de arvore, por exemplo, podia indicar a presença de animais de médio a
grande porte, marcando seu território. Muitas vezes seguiam esses rastos ou pistas e geralmente acabavam sob o pé de
tucumã ou coquinhos selvagens, onde pequenos e médios roedores vinham fazer seu
repasto na escuridão da noite. Aí então, armavam sua “espera”, que era feita de
pedaços de pau bem amarrados no alto de uma árvore e que pudesse suportar o
peso do caçador. Lá ficavam, cada um em uma arvore, muitas vezes bem distantes
uma da outra. Na total escuridão, não podiam fazer nenhum tipo de barulho, nem
fumar ou riscar fósforo, pois o animal tem um olfato capaz de detectar a
distancia a presença do perigo. Por isso
mesmo tinham que perceber qual era o sentido do vento, ou seja, se do norte para
o sul ou do sul para o leste e etc., pois sua “espera” tinha que ficar
posicionada a favor do vento, nunca contra, ou seja se estivesse esperando o
animal chegar pelo norte, o vento deveria soprar do norte para o sul, caso
contrario o animal de olfato aguçado,
poderia sentir a presença do homem a sua espreita. Quando o disparo ecoava na
escuridão da noite, sabia que a caça estaria lá embaixo da arvore para ser por
ele apanhada, esfolada e salgada. Aprendeu tudo isso e muito mais com seu velho pai, um seringueiro que
sempre caçava para suprir de carne sua família, morando solitária no meio da
mata densa, onde colhia o látex das
frondosas arvores da seringa. Ali a vida era dura e tudo era muito
difícil. De dia as pragas como piuns, borrachudos, e maruins, hematófogos
sempre ávidos e insaciáveis de sangue. Também havia as abelhas e outros insetos
que vinham atraídos pelo suor. A noite chegavam os carapanãs, pernilongos ou
“suvelas” também sedentos do sangue humano.
Mas, até uma vida como essa tão sacrificada e dura, com o tempo passava
a ser encarada com naturalidade pelas pessoas que ali viviam.
Dentre as coisas boas que Julio aprendeu com seu pai, é que o homem
só deve caçar quando for pra comer.
--- Nunca mate um animal só por
matar! – dizia seu velho pai Alzenor.
Mas Julio gostava
tanto de caçar que não pensava como seu pai. Matar um animal para ele era um
esporte. Claro que se fosse uma caça de médio ou grande porte, alimentava sua
família. Mas, gostava mesmo era de caçar tudo e matava desde pequenos roedores,
como também pássaros que não serviam nem para comer. Atirava as vezes apenas
para treinar sua pontaria, como dizia. Tinha prazer em matar os animais, fosse
qual fosse, para comer ou simplesmente para jogar fora!...
Para caçar capivara ou
anta, tinha que descer o rio de canoa, a noite, sem fazer qualquer barulho,
embalado apenas pela correnteza do rio. Quando ouvia o barulho do bicho na
margem do rio, focava com a lanterna e atirava. Uma anta adulta tem o tamanho
de um bezerro grande, e chega a pesar cerca de 200 Kg. Quando é atingida pelo
disparo, ela mergulha na água e morre no
fundo. Então o caçador tem que mergulhar para amarra-la e tentar iça-la
até a margem do rio.
Quando sentia no ar o
odor nauseabundo de carniça, tinha que ter muito cuidado,
pois podia ter por perto uma feroz onça pintada! Certa vez estava com
seu pai em uma canoa no meio do rio quando ouviu o esturro de uma onça. Era um
som aterrador! Parecia que até a terra tremia!
Encostaram a canoa na margem, onde havia uma espécie de matagal, que se
afunilava parecendo uma caverna. O odor da carniça começou a ficar mais forte. Seu pai sugeriu que fossem embora dali, porém
a curiosidade de Julio fez com que ele fosse explorar o interior daquela moita.
Ao entrar, Julio focou no interior escuro daquele matagal e o que viu foi uma
ninhada com três filhotes de onça. Chamou seu pai que, ao ver os filhotes, saiu
puxando pelo braço do Julio para a saída daquela moita e forçou uma desabalada
carreira rumo a canoa. Já na canoa, ouviram bem perto deles outro esturro da
onça que quase os fez cair n’agua. O pai
do Julio explicou então que a onça-mãe estava por perto, e que deveria ter
saído da toca para se alimentar. Sentindo a presença dos intrusos voltou
correndo. Se os pegasse não sobraria nada de ninguém pra contar a estória, pois
as onças quando tem crias, ficam muito mais ferozes e agressivas! Escaparam por
pouco, graças a experiência de seu pai.
Quando conseguiam abater uma onça pintada, uma jaguatirica , um queixada
(porco do mato) uma anta ou um veado, sabiam que seus coros valiam um bom
dinheiro quando vendidos para o dono do seringal ou para compradores
clandestinos que passavam por lá periodicamente.
Tinha muito receio
também de pisar em cobras venenosas que infestavam aquelas matas. Matavam em poucos minutos caso
picassem na perna de alguém, principalmente a “pico-de-jaca”, a surucucu, a cascavel, a coral verdadeira, etc.
O macaco gogó-de-sola
era outro bicho que não queria encontrar por perto, pois vinha sorrateiro pelas
arvores e, de repente, saltava no pescoço das vitimas, sufocando-as até a
morte!
Aprendeu também com
seu pai algumas sabedorias de sobrevivência na selva. Quando estivessem perdidos
ou sem alimentos, poderiam alimentar-se de larvas ou “tapurus” encontrados em
algumas espécies de cocos selvagens, pois são ricas fontes de proteínas, assim
também como gafanhotos. Da mesma forma poderiam comer frutas selvagens, tendo o
cuidado de não comer aquelas que não tinham sido bicadas pelos passarinhos,
pois essas geralmente são muito venenosas ou toxicas. Na falta absoluta de água, poderiam colher água
da chuva em folhas de bananeiras, ou mesmo cortar o caule de alguns tipo de bromélias, os quais
possuem água límpida e potável que serve
para matar a sede.
Certo dia, caminhando
sozinho pela floresta, abrindo “picadas”
na mata com seu facão para seguir o rasto de um roedor, deparou-se com um bando
de grandes macacos “ pregos ” ou guaribas que estavam na copa de uma imensa
samaumeira. Imediatamente parou, aproximou-se sorrateiramente da arvore e,
engatilhando sua espingarda apontou para o alto. O alvo era uma macaca que
carregava na costa um macaquinho. Quando ela sentiu a presença do caçador,
rapidamente pulou para um galho bem visível ao caçador e, num gesto totalmente inesperado,
pegou o macaquinho e mostrou para o
caçador, que já estava com o dedo no gatilho. Seus olhares se entrecruzaram.
Sem entender porque, Julio foi tomado de um súbito e total arrependimento que o
fez baixar a espingarda. Nesse dia ficou perdido na mata, não conseguia voltar
pra casa, pois não encontrava mais o caminho de volta. Quando finalmente chegou
a sua casa, teve uma febre muito alta
que o fez delirar a noite toda. Nesses delírios, falava coisas
incompreensíveis. Sua mulher apenas entendia palavras que falavam de perdão e um juramento que não mais iria caçar
nem matar qualquer tipo de animal.
Contam que quando a febre passou, o Julio ficou abobalhado das ideias e
nunca mais voltou
a caçar. Quando via um macaco, onde
quer que fosse chorava copiosamente e tinha febres muito altas! Ninguém sabia o
quê, mas todos juravam que algo muito estranho acontecera ao Julio naquela sua última
caçada, quando voltou triste
e calado da mata, teve febre alta e
delírios a noite toda. Achavam também que foi aquilo tudo que deixou pra sempre
o pobre Julio “mole dos miolos”!...Alguns juram até hoje que ele foi mais uma vitima da “mãe-da-mata”!...
PVH-RO, 12/08/13
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