UMA QUESTÃO DE FÉ
Samuel Castiel Jr.
Até hoje os terreiros de umbanda existem
em grande número na cidade de Porto Velho. Se mergulharmos no passado,
vamos encontrar essa cultura enraizada tanto no negro quanto no índio. Segundo estatísticas recentes, já
contam com mais de cem terreiros umbandistas em pleno funcionamento. São
frequentados por pessoas de todas as classes, desde as mais simples até
empresários, passando por profissionais liberais e também políticos. Todos
vão em busca de objetivos os mais
diversos possíveis, porém todos ou quase todos tem uma coisa em comum: a fé.
Aqueles que não acreditam e vão lá apenas por mera curiosidade, geralmente não
são bem vistos pelos pais de santo ou babalourixás. Quando os tambores começam
a tocar, forma-se uma grande roda de homens e mulheres que começam a dançar. A
medida que o ritmo vai ficando mais frenético, aproxima-se o ápice do ritual
que é a “incorporação” do caboclo, e que pode ser em qualquer pessoa, ou em
mais de uma, desde que ela seja médium. Antes disso porém, ainda com os
tambores batendo suavemente, existe a necessidade de extrema concentração para
que a “entidade” possa baixar nos seus “cavalos” como eles chamam esses irmãos
que recebem os caboclos. As pessoas vão rodando e dançando, dançando e rodando,
procurando o máximo de concentração.
No passado, alguns terreiros se
destacaram, como por exemplo o Terreiro ou Batuque de São Benedito ou Samburucu, da Dona Chica
Macaheira, o Terreiro ou Batuque de Santa Bárbara da Dona Esperança, cujo pai
de santo, um dos mais famosos era o Albertino, o Terreiro ou Batuque de São
Sebastião, cujo dono e pai de santo era o Celso. Esses certamente foram
os Batuques mais frequentados e mais importantes nas
décadas de 50 e 60.
Cangati, Nelson, Melba e mais alguns
outros, eram amigos de festas e gostavam mesmo de se divertir. Combinaram que
naquele sábado, antes iriam tomar uns whiskys e quando fosse lá pelas tantas, quando o Terreiro de Santa Bárbara fosse
começar, todos iriam pra lá, pois queriam ver de perto o batuque dos tambores e
também – quem sabe? – pegar alguma daquelas neguinhas que ficavam rodando de
pés descalços naquele terreiro. A proposta partiu do Cangati e foi logo aceita
por unanimidade. Próximo das 22:00h, já com alguns whiskys na cabeça, o Cangati
e seus amigos partiram para o Terreiro de Santa Barbara. Estavam todos vestindo
roupas brancas, como era recomendado para visitantes que estivessem dispostos a
assistir a sessão de incorporação. Chegaram, cumprimentaram o pai de santo
Albertino, que pediu a eles que tirassem seus sapatos antes de ingressar no
Terreiro. Na sequencia postaram-se sentados nos tapetes que cobriam o chão, em
volta de todo o círculo do terreiro. Ouviu-se então o toque dos primeiros
tambores e imediatamente a roda de pessoas foi se formando, dando as primeiras
voltas naquele salão de chão-batido. O Albertino vinha na frente, todo de roupa
branca, com um pesado colar de conchas do mar e um turbante também branco. Depois
de algumas voltas, o Cangati começou a ficar inquieto, pois queria beber whisky
ou qualquer outra bebida. Perguntou aos amigos se não iriam servir nada mas
ninguém sabia informar. O som dos tambores começava a ficar mais alto! O
Cangati esperou o Albertino passar e perguntou a ele:
--E aí Albertino, não tem nenhuma
bebida pra nós?
Acontece que o Albertino estava
concentrado, de olhos fechados, e ainda com o som do batuque, não ouviu nada e
passou no ritmo do batuque, com os braços ora
pro alto ora pra baixo, como se cumprimentasse alguém invisível!... O
Cangati, ainda chamou pelo Albertino mais duas vezes, mas não teve nenhuma
resposta. Na terceira vez, já irritado e possesso, esperou o Albertino passar
dançando bem perto dele e meteu a mão na
bunda do Albertino, que deu um grito:
--Não faça isso, meu rapaz!!! Assim
você corta a corrente!...
O Cangati se levantou e chamou os
outros amigos que o seguiram rumo a
porta da saída. Quando já iam saindo, um dos amigos do Cangati caiu no solo,
tendo convulsões e se retorcendo todo. Todos tentaram juntá-lo para socorrê-lo
mas foi então que ele se levantou sozinho, o rosto contraído, olhos vermelhos e
quase saindo das órbitas, cabelo todo arrepiado, com a voz muito rouca e
falando alto, palavras incompreenssivas, em outra língua, foi pegando o Cangati e, com uma força
descomunal, o atirou no meio da rua, numa poça de lama. Na sequencia, pegou um
por um dos amigos e os sacudiu no mesmo rumo do Cangati. Depois caiu outra vez
ao solo, teve outras convulsões e dormiu um sono profundo!.. O Cangati e seus
amigos, todos sujos de lama não estavam entendendo nada! Correram pra juntar
outra vez o amigo que dormia profundamente. Foi aí que o Albertino apareceu na
porta do Terreiro e disse para o Cangati:
-- Olha aqui, rapaz! Nunca mais
volte aqui pra zombar do que você não conhece nem merece. Tudo se resume numa
só frase: É uma questão de fé! E pelo que eu vi, você e seus amigos são uns
incrédulos! Não tem (féde mais) nem
(féde menos! São uns ateus atoas!
Nunca mais o Cangati e seus amigos voltaram a qualquer dos Terreiros. Sempre eram vistos aos domingos, na missa das 8, atentos ao sermão do padre Emílio.
PVH-RO, 08/08/13
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