Samuel Castiel Jr.
Na antiga Porto Velho o lazer para
adolescentes era uma coisa muito restrita. Tirando as brincadeiras e folguedos que ainda restavam da infância,
como empinar as pipas ou papagaios, futebol de grama e futebol de salão,
restavam muito poucas alternativas. O aeromodelismo apenas começava a surgir, e
conheci apenas o nosso vizinho Melba,
irmão do ilustre Tribuno Almino Afonso,
que solitário brincava de decolar e pousar seus aviõesinhos naquela área
em frente a Catedral, onde está erguido hoje o Palacio 31 de março, sede da
Prefeitura Municipal de Porto Velho. Fora isso, nossa distração de final de
semana eram as matinês, as 16:00h ou primeira sessão de cinema, as 19:00h, no
Cine Resky ou no Cine Brasil. Os filmes que estavam em cartaz quase sempre eram
de Tarzan, faroeste americano com Gary Cooper, John Wayne, Henry Fonda, Wyatt
Earp, Victor Mature, etc, ou as chançadas brasileiras da Atlântica,
com Oscarito, Grande Otelo, Costinha, Ankito, Zé Trindade, Golias, Renata
Fronzi, Anselmo Duarte, etc. Chegavamos cedo, comprávamos os ingressos, e
ficávamos rodando na praça Mal. Rondon, trocando gibi, mascando chiclete ou tomando sorvete e
namorando, esperando que soasse o terceiro gongo do cinema para entrarmos para
o recinto escurinho que cheirava a mofo
e era cheio de grandes
ventiladores! Quando acabava a sessão,
saíamos todos e os que tinham namoradas iam andando para deixá-las em
suas respectivas casas, na esperança de um “ amassa” e/ou mais um beijinho
final!...Os que já eram mais velhos, entravam na boate do Porto Velho Hotel,
alguns até se arriscavam a dançar coladinhos, em cima de um só mosaico, as
canções do Elvis Presley, Beatles ou Barry White. A volta pra casa era triste e
perigosa, pois a luz apagava em toda a cidade exatamente a meia-noite! As ruas
ficavam um”breu!”—como dizia minha saudosa mãe: -- Não sei como você não tem
medo de se arriscar por essas ruas desertas e escuras!...Mas, realmente, as
vezes não valia a pena! Muitas vezes o
pai da moça era bravo, ficava esperando a filha chegar e botava a gente pra
correr!...Pra fazer uma seresta então, era preciso muito amor ou coragem!
Quantas vezes a praça Aluizio Ferreira nos escondia de pais enfurecidos que queriam quebrar nossos
violões!...
Algumas vezes, aos domingos, feriados ou
datas comemorativas, a Banda Musical da Guarda Territorial vinha tocar no
coreto da praça Mal. Rondon. Era também conhecida como “FURIOSA”, acho que
devido aos dobrados e hinos cívicos que executava, sempre comandada pela batuda empolgada
de seu maestro, o Mestre Neves! Juntava muita gente pra ver aquela banda
tocar! Era realmente empolgante! Mas, como sempre, em todo lugar, sempre
aparece um “espírito de porco”, alguns
moleques cortavam um limão e se postavam frente aos músicos de sôpro da”
Furiosa” chupando o limão! O maestro Neves
tinha que correr atrás desses
moleques, pois os músicos do sôpro não conseguiam mais tirar as notas dos
instrumentos de tanto salivar! Só muitos anos depois, quando entrei para a
escola de sax é que viria a entender aquela cena do maestro, com sua
batuta, correndo atrás dos moleques que
iam chupar limão na frente da “Furiosa”!...
Quando comecei a tocar sax, fiz amizade
com antigos músicos saxofonistas que fizeram parte da Banda de Música da Guarda
Territorial, que me relataram também outros fatos e estórias curiosos!
Em Guajará-Mirim, município fronteiriço
com a Bolívia, a 366 Km de Porto Velho, havia um clube social que era o
melhor não só do município mas de toda
aquela região, e chamava-se Helênico. Sua diretoria era conhecida por ser muito
rigorosa não só na admissão de novos sócios, mas também nos trajes e até nos
repertório musical que tocavam em suas festas! E esse clube realmente promovia
festas antológicas e tradicionais, como o Baile do Havaí, quando iam para lá
pessoas de vários lugares do Estado e também de outras regiões. Pois bem, esse
clube promoveu uma festa em comemoração a Independência do Brasil, no dia 7 de
setembro. E para tocar nesse baile, solicitou ao Governador que enviasse para
lá a Banda da Guarda Territorial, no que foi prontamente atendido. Até a
relação das músicas e suas repectivas partituras foram enviadas com bastante
antecedência para que a Banda pudesse ensaiar com seus músicos. Tudo pronto, a
“Furiosa” partiu para Guajará no Trem da EFMM com uns quatro dias antes para evitar transtornos. Lá chegados, os músicos ficaram no alojamento
do Exercito, onde eram muito bem tratados! Na véspera da festa, o meu amigo
Dantas, vulgarmente chamado EDÔBO, saxofonista da Banda, convidou seu colega Manelzinho, tocador de
clarineta, também da “Furiosa”, para dar umas voltas a noite pela cidade.
Sairam andando, “jogando conversa fora”!
Quando a lua cheia clareou a noite, os dois que eram boêmios natos, resolveram
dar uma chegada no bordel, só pra ver as meninas!... Quando estavam tomando o
primeiro whisky, já entusiasmados com as
“mutchatchas”, o EDÔBO sentiu que alguém o chamava, tocando em seu ombro.
Virou-se e viu um homem de meia idade,
moreno claro, com cara de poucos amigos e vestindo um bleizer caqui, que parecia mais uma farda. Perguntou
ao EDÔBO:
-- Você não é daqui, de onde
vem?
-- Sou de Porto Velho, eu e
meu amigo Manelzinho. Somos músicos da Banda da Guarda Territorial. Vamos nos
apresentar amanhã, no Helênico Clube.
-- Quer dizer que vocês são
músicos da Gurada e vão tocar amanhã no Helênico?
-- Isso mesmo!
--Olhe aqui moço: eu vou lhe
dar uma chance! Vou dar uma volta pela cidade e volto por aqui. Quando eu
chegar, não quero encontrar mais vocês!
Saiu sem se despedir, entrou num Jeep velho
e foi embora, deixando uma fumaça de óleo diesel queimado pra trás!...
O EDÔBO virou-se para seu amigo Manelzinho
e se assustou: ele estava tremendo, pálido
e suava muito!
--Quem é esse véio filho
d’uma égua pra mandar a gente ir embora?
O Manelzinho, quase não conseguia falar, mas disse:
--É...É ...
o... o... Capitão Alípio! Viu a gente,
seus guardas, aqui nessa farra... Estamos fritos!
Pediram
a conta, e rapidamente voltaram para o alojamento.
Depois de passado o
impacto inicial, Manelzinho explicou melhor para o seu colega que não
reconheceu o temível e furioso capitão Alípio, homem forte do respeitado
coronel Aluízio Ferreira, líder político de maior poder naquela época, que o
nomeou para a função de delegado especial em Guajará -Mirim.
O Edôbo depois me confessou que,
naquela noite, teve pesadelos horríveis, onde um capitão troglodita e
prepotente o jogava dentro de um calabouço escuro, infestado de morcegos
hematófagos e escaravelhos carnívoros.
PVH-RO, 24/06/13
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