BALNEÁRIOS
" Quem tá na chuva é pra se molhar, quem tá n'água tem que saber nadar e quem tá melado de lama tem que se lavar! "
Talvez porque a temperatura por aqui é muito elevada, e sem praia, o hábito dos balneários é quase cultural. Desde a minha tenra idade era comum ir com os amigos e familiares tomar banho nos rios e igarapés nos arredores da cidade. Havia alguns banhos que eram muito frequentados e marcaram época, tais como o Banho do Pe. Pio, Bate-Estacas, Torre, Tês-e-Meio, Rosa-de-Maio, Rio Preto, Jacutinga, etc.
O balneário acabava sendo um
atrativo as garotas, que gostavam de ser
convidadas para se refrescar nas águas frias e limpas desses balnhos, que eram
como um oásis nos dias quentes de verão.
Ficavamos ali, mergulhados até a cintura, ouvindo o canto dos pássaros
com a vista para a mata verde que nos
cercava. Serviam drinks e tira-gostos diversos, peixes fritos e crocantes.
Realmente era muito aprazível.
O Balneário Rosa-de-Maio ficava Na BR
364, a uns 3,5 Km da cidade. Havia um grande barracão onde funcionava o salão
de dança. O local era bucólico, mas para ter acesso a ele tinha que se descer
uma ladeira íngreme de terra batida com valas e buracos, pois toda sua
estrutura ficava em uma grande depressão do terreno. Eu estava de férias e era uma noite de sexta-feira de muito calor
naquele verão. Tinha emprestado o carro do meu pai para sair aquela noite.
Claro que antes tive que ouvir as recomendações de praxe. Assim que entrei na boate, nem cheguei a sentar, e os amigos
que já me esperavam, foram logo avisando que era aniversário do Plinio e que
todos só estavam me esperando para irmos
nos encontrar com ele no Rosa-de-Maio,
onde ele iria comemorar seu aniversário. Imediatamente voltei para o meu carro
e seguimos para o balneário. A noite estava muito quente e pegamos a BR com a
sensação de que viajávamos num deserto, em pleno sol de meio dia. A visão era
bucólica e convidativa. Quando lá chegamos, antes de descer com o carro, pude
observar que a visão realmente era convidativa. A musica tocava e já havia
alguns casais dando volta no salão, dançando bem agarradinhos. Pisei no freio e
fui descendo aquela ladeira até chegar no estacionamento, onde vários carros já
estavam estacionados. A festa do Plinio começava prometendo ser muito boa.
Muita comida, bebida e as mulheres com certeza não iriam faltar. O
aniversariante havia prometido pagar toda a despesa. Alguns foram logo pedindo
whisky, outros vodka ou mesmo cerveja. A festa rolou e logo cada um já estava
com seu par feminino trocando juras de amor. O Plínio tinha ficado com a garota
mais engraçadinha, pois era o pagão da noite. Depois, descobri que apesar de
ser a mais bonita e “sarada” de corpo, era “fanha”da voz. Mas, o Plínio não
estava interessado nem um pouco na voz da sua parceira. Depois de algumas
danças no salão, comecei a perceber que o tempo estava mudando e ventava muito,
agitando as folhas das palmeiras que ornamentavam o balneário. Chamei o Plinio
e argumentei:
-- Acho melhor você pagar a conta e
voltarmos pra cidade, pois lá fora tá se formando um forte temporal!
--De jeito nenhum! – retrucou
aquela voz fanha da garota enroscada no pescoço do Plinio. –Você não vai levar
embora o meu Plinio! E mordia a orelha do Plinio como se mascasse um chiclete.
O Plínio já meio embriagado pedia pra ficar mais um pouco:
--Calma aí, cara! Essa chuva não é
pra agora! Vamos tomar mais uma gelada. Beijava a boca da “fanha”alisando suas
coxas. E pedia mais uma rodada de cerveja. O vento começou a levantar as saias
e também as toalhas das mesas, levando ainda os guardanapos.
--Plinio, meu caro, vamos embora
rapaz! – apelava eu. Já é tarde e vai cair um toró. Mas o Plinio nem me
escutava, tão entretido estava com as coxas da “fanha”. Também não escutava os trovões e não via os relâmpagos que cruzavam os céus.
Até que o toró caiu! Olhei para o
estacionamento e muitos carros já tinham saído. Mas a musica continuava
frenética e todos meus amigos continuavam dançando como se lá fora estivesse
uma noite de lua cheia e não um dilúvio caindo do céu! Ninguém me dava ouvidos
e muito menos o aniversariante. Quando consegui convencer o Plinio e sua amada
de que deveríamos sair dali já eram quase 03:00 h da manhã e aproveitamos uma
trégua da chuva pra chegar aos nossos carros. A ladeira estava pior que um
tobogã, com um barro liso e pegajoso. Os primeiros carros que tentaram sair,
não conseguiram. O Plinio disse que iria pegar uma carona no meu carro, pois
talvez conseguíssemos, uma vez que eu tinha tração nas quatro rodas.
Imediatamente as garotas se escalaram para pegar também a minha carona. Entraram
todos no meu carro e começamos a subir a ladeira, mas o carro antes da metade
da ladeira começou a derrapar. Puxei o freio de mão e mandei que todos descessem
e empurrassem o carro. Todos foram pra trás e começaram a empurrar. Soltei o
frei de mão e comecei a acelerar. O carro “patinou” e, em vez de subir, escorregou de banda e foi
cair num buraco a beira da estrada. Quando olhei pra trás, o que vi foi uma
cena muito cômica: as garotas todas que estavam bem vestidas, com roupas de
seda e detalhes brilhosos, botas longas, bem perfumadas, mais pareciam uns
zumbis de lama, escorregando e caindo nas poças d’agua. Ouvi aquela voz fanha, esganada, mas na escuridão não sabia onde ela estava:
--Filha da Puta! Olha só como eu
fiquei!
Não dava pra reconhecer ninguém. Só
apareciam os olhos!
--Vamos colocar uns calços nas
rodas que eu acho que ele sai. E todos começamos a procurar pedras maiores e
pedaços de pau para calçar as rodas do carro.
--Vamos empurrar gente! Vamos!
O carro foi pra frente empurrado mas
jogou outra montanha de lama em cima de todos, derrapou e caiu de novo em outro buraco, no lado oposto da estrada.
Todos ficaram ainda mais enlameados e, pra complicar, a chuva começou a cair
forte outra vez. Abri a porta do carro e
todos estavam ainda mais sujos de lama, espraguejando. Foi então que chamei
pelo Plinio:
--Plinio, amigão, tive uma ideia:
vê se acha uma corda lá embaixo e nós vamos ver se conseguimos alguém pra puxar o nosso carro. Mas o Plinio não respondeu. Chamei outra vez e nada! Foi
então que a “fanha”, tirando a lama da boca e dos olhos disse:
--Aquele filho da puta não está
aqui não! Ficou lá no barracão pagando a conta.
Então houve uma corrida de todos os enlameados na
chuva, descendo ladeira abaixo pra pegar o Plinio. Quando voltaram trouxeram
a corda, o Plinio todo amarrado e cheio de lama, da cabeça aos pés. Foi aí que,
para descontrair, eu propus que juntos, na chuva e cheios de lama,
cantássemos os parabéns pro Plinio, fôssemos todos pra dentro do igarapé até
que o sol raiasse com um novo dia. Quem tá na chuva é pra se molhar, quem tá n'água tem que saber nadar e quem tá melado de lama tem que se lavar. E foi o que fizemos.
PVH-RO, 23/09/13
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