Samuel Castiel Jr
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Ele passou a semana inteira
falando que seu primo Dirceuzinho ia chegar. Era preciso ter cuidado. O
homem era perigoso. Matador profissional de Ereré, lá do sertão do Ceará, onde
já “despachara” pelo menos uns doze. Era seu sobrinho mas ele não podia
esconder, principalmente dos fregueses que a anos bebiam em seu estabelecimento
conhecido como Bar do Bigode. Seu Chico Bigode estava preocupado com a notícia
que recebera dando conta que seu primo matador Dirceuzinho estava a caminho
de Porto Velho para revê-lo pois a tantos anos não via. Realmente foi uma
semana de apreensão para o Seu Chico Bigode, pois cabia a ele avisar a todos os
seus fregueses da chegada inesperada de seu primo matador. Principalmente
para aqueles fregueses mais afoitos, que estavam acostumados a tirar certas
brincadeiras mais pesadas. Não podia deixar que acontecesse nenhum incidente
indesejável dentro do seu boteco. E assim o fez, avisou pra maioria dos fregueses.
Todos ficaram apreensivos e, ao mesmo tempo, curiosos. Quem seria aquela figura
ameaçadora? Matador profissional?
---Tem sangue frio que nem barata –
dizia o Seu Chico Bigode. É melhor não tirar brincadeira com ele – arrematava,
com uma ponta de cautela orgulhosa... Contava
com detalhes como o Dirceuzinho matara alguns encomendados, gente que nem
conhecia. Davam-lhe a foto dos desafetos, com endereço e alguns hábitos e
costumes dos infelizes. As vezes montava compana, ficava a espera dos incautos
até que um dia os pegava. Não gostava de arma de fogo, pois além de fazer
barulho, atraía curiosos e também a polícia que chegava mais rápido ao local.
Gostava mesmo era de matar com faca peixeira, bem amolada. Pegava suas vítimas
desprevenidas, que não tinham como
reagir, nem mesmo gritar. Preferia fazer
o trabalho a noite, pois ficava mais a vontade. Também não gostava de usar
mascara ou capuz. Fazia o serviço de cara limpa! Não dava a mínima chance para
suas vítimas. Enfiava a peixeira primeiro peito, em cima do coração para ter
certeza que a morte se consumaria de
imediato. Depois ainda metia sua peixeira na barriga do coitado e girava a
lâmina afiada para completar o estrago. Era impiedoso! Gostava de ver suas
vitimas com os olhos arregalados, parando de piscar!...Os dias foram se
passando e a curiosidade aumentando.
Alguns
dias depois, passando nas proximidades do Bar do Bigode, resolvi parar para
saber das novidades do matador. Era quase meio dia de uma segunda-feira. O
movimento no boteco estava parado, não havia ninguém entrando ou saindo. Entrei
pela porta lateral e fui gritando de longe:
--- Fala Bigode! Cadê o matador?
Ele arregalou os olhos e, pedindo
silêncio, com o dedo indicador em riste sobre a boca, só faltou saltar por cima
do balcão. Falando bem baixinho, quase com mímica labial, apontava para a
calçada, que ficava na outra entrada do
bar:
---Homi de Deus, fica quieto que
ele tá aí! – dizia e apontava naquela direção.
Parei assustado e, como não
tinha visto ninguém, avancei com cautela
para olhar por trás da coluna. O que vi foi no mínimo intrigante. Um
homem pequeno e franzino, moreno escuro,
usando um boné surrado e desbotado. Calçava umas alpargatas franciscanas
e estava de pernas cruzadas, quase enroscadas uma na outra. Com um gesto
esquisito e afeminado torcia o punho e a mão esquerdos para a frente do seu
rosto, lixando suas unhas com uma
serrinha. Muito intrigado com aquela figura, perguntei:
---Quem é Seu Chico?
Ele falando bem baixinho, quase
murmurando, parecendo que falava pra dentro:
---É..É..É o Dir..ceu..zinho. Tenha
cuidado!
---Mas Seu Chico, o senhor tem
certeza que é esse mesmo o matador?
---Psiu! Fale baixo meu
filho! Ele não gosta de ser importunado, principalmente quando corta e lixa
suas unhas!...
--- Mas... o senhor disse...
Bem, eu pensei que fosse outra pessoa!
Notei que o semblante do
Seu Chico mudou. Ficou com raiva e retrucou:
---Quer dizer que você
também não corta suas unhas de vez em quando?!
---Sim de vez em quando eu
corto. Mas não preciso ficar nessa posição desmunhecante!
---Você tá duvidando da
minha palavra, rapaz?
Enquanto ele falava, mais se exaltava. Já
estava quase gritando. Eu tinha me esquecido até do matador lá fora e acho que
ele também. Foi então que ouvi aquela voz bem fininha vinda lá da mesa do
Dirceuzinho:
--- Priminho Bigode, por favor
traga aquele esmalte de base incolor que eu já cortei e agora vou pintar minhas
uninhas. Se não for pedir muito, traga também aquele copo de leite e o cuscuz que
o senhor disse que ia esquentar aqui pro
seu chegado!...
O Seu Chico Bigode estava vermelho
de raiva a ponto de ter uma apoplexia. Olhou pra mim furioso e disse que já ia
fechar o boteco. Quase me expulsou. Quis ainda questionar mas ele finalizou:
--- A última estadia dele no
Urso Branco estragou esse rapaz. Ele me disse que andou apanhando demais dos outros
presos na mesma cela. Acho que bateram muito na cabeça dele. Ele já não é mesmo nem a sombra do passado!
Saí com um ponto de interrogação
na cabeça. No sábado seguinte, quando voltei ao boteco, encontrei vários dos
amigos que lá frequentavam. Alguns deles também tiveram a oportunidade de
conhecer o Dirceuzinho. Perguntei então a um deles, o Paulão, um mineiro de bigodes brancos que
fala muito grosso e anda de botas cheias de barro e cocô quando volta de sua fazenda:
--- Ô Paulão, você acha que o
Dirceuzinho, com aquela serrinha de unha mata alguém?
---Mata não, dotor! Mata
não!...
PVH-RO,
16/09/13
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