O MISTER BATSON
Samuel Castiel Jr.
Ele era
barbadiano, idoso e bem alto que chegava a se encurvar pra frente. Usava sempre
um chapéu de feltro e também estava sempre com um cigarro de palha na boca.
Parecia até mesmo que já tinha nascido
com aquele chapéu e aquele cigarro pendurado em sua boca. Apesar de idoso era lúcido e andava firme, sem tropeços. Era de
poucas palavras. As vezes, quando ficava zangado com os moleques da rua,
xingava todos num inglês que parecia mais um dialeto. Tinha vindo pra Porto
Velho na época da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1.907 e,
com o termino dos trabalhos ferroviários foi ficando por aqui, nunca mais
voltou a Barbados, sua terra natal. Na frente de sua casa, havia um tronco de
mangueira, que fora derrubada e foi ficando ali até que já fazia parte do
quadro, como se fosse uma moldura da sua casa. No final da tarde, assim que o
sol começava a declinar, ele vinha pitar seu cigarro de palha sentado sobre o tronco caído da mangueira. Juntava-se a ele a
Dona Guiomar, uma auxiliar de enfermagem e beata que morava e tomava conta do
Mister Batson. Iam então chegando alguns
outros vizinhos que ficavam ali conversando por algumas horas, até que o sol
morresse na direção do Rio Madeira e a noite chegasse com o surgimento da lua e
das primeiras estrelas no céu. As vezes, apesar da boa índole e atitudes
carinhosas com os moradores vizinhos da sua casa, confesso que a figura do
Mister Batson me causava medo, principalmente a noite quando ele aparecia com
aquele chapéu e o cigarro de palha na sua boca. Parecia uma figura
fantasmagórica. Mas, aos poucos fui me acostumando e cheguei mesmo a trocar
algumas palavras em inglês com ele. Não sei se ele entendia ou não, mas
respondia com algumas frases cujas palavras eu nunca ouvira. Quando comprei meu
curso de inglês em discos de vinil chamado “Calling all beginers”, com sotaque
purista de Londres, passei a entender melhor o Mister Batson. Mesmo assim,
preferia que ele falasse o português, e acho que ele também!...
O tempo foi passando, e quando ele
morreu foi velado apenas pela Dona Guiomar e algumas vizinhas beatas que ficaram a noite inteira sob
a luz de velas, rezando o terço e tomando cafezinho, pois ele não tinha nenhum
familiar por aqui.
Hoje, muitos anos já se passaram, e
muitas noites quando a insônia vem me fazer companhia, lembro-me da minha tenra
infância, da minha querida mãe, cuidando dos seis filhos adolescentes, que
insistiam em jogar bola na rua, sem atender aos
seus insistentes apelos para o
banho do final da tarde; lembro-me também do meu querido pai chegando
cansado de mais um dia de labuta. E, sem que eu perceba, ele chega de mansinho
e vem compor minhas saudosas reminiscências. Quantas vezes fico a imaginar que
o Mister Batson era como aquele velho tronco caído na frente de sua casa, ou seja,
quando terminou sua missão na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, foi ficando por
aqui até que já fazia parte da moldura da nossa rua e da nossa infância, como
aquele velho tronco. E até hoje aquela figura bizarra mas dócil ainda
habita minhas lembranças pueris. Só que
agora já não me causa mais medo, pois ele compõe também a moldura distante do
meu passado. Acho por isso mesmo que as pessoas dignas quando envelhecem não morrem mas se transformam e se integram
na pintura de um quadro onde passam espiritualmente
a compor a paisagem, sendo a própria moldura do seu meio e do seu tempo.
PVH-RO,
19/09/13
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