O DOBERMAN
Samuel Castiel Jr.
“ O uísque é o melhor
amigo do homem. É o cachorro engarrafado.”
( Vinicius de Moraes).
Sempre gostei de criar
cachorros da raça Doberman. Seu porte elegante, musculatura forte e delineada,
sua Inteligência aguçada e sentido de permanente alerta, foram os principais
dotes responsáveis de minha predileção
por essa raça. Além do mais, extremamente dóceis, amigos e fieis companheiros,
inseparáveis de deus donos, capazes mesmo de sacrificar suas vidas na defesa de
seus donos e amigos. Também, é a única raça canina que herdou o nome de seu
criador: Friedrich Louis Dobermann( 1834 – 1894), que era um alemão coletor de
impostos e, nas horas de folga, era legalmente habilitado a apanhar todos os
cães perdidos da rua, com os quais formou seu plantel, escolhendo sempre os
mais fortes, com características do cão ideal, que ele procurava. E ele
procurava um cão que o acompanhasse em seu trabalho, enfrentasse bandidos, não temesse nada e fosse capaz de
arriscar sua própria vida se necessário. Foi assim que Herr Dobermann deu
inicio aos seus primeiros cruzamentos de raça, no século XVIII, com o objetivo
de conseguir o cão ideal. Inicialmente cruzou cães chamados” carniceiros” que
tiveram papel importante na raça Doberman. Eram cães primitivos da linhagem
Rottweiler com um tipo de pastor de cor preta com marcação castanho. Assim a
raça Doberman foi se aprimorando,
passando também pelo Pinscher, de onde vieram algumas de suas características
sensitivas, principalmente o alerta e a elegância. Afetuoso, depois de alguns
anos de convívio com o Doberman,
percebe-se que não precisamos falar, ele entende o que desejamos e procura nos
atender. “ Você se torna parte dele e ele se torna parte de você: e a única
parte trágica de ter um Doberman é aquela parte de você que é enterrada junto
com ele quando ele morre” –Frank Grover no livro “The New Doberman Pinscher”. O
Doberman é um cão muito inteligente, afetuoso e obediente, tem muita força,
velocidade e agilidade. Quando é criado desde filhote, torna-se amigo fiel e
inseparável das crianças. Tem grande
necessidade de atenção, é ciumento, gosta de estar sempre ao lado do dono e faz
qualquer coisa por ele. Gosta de correr e saltar em todas as direções,
desviando-se de chutes, tiros e facadas. Isso faz do Doberman um excelente cão
de guarda. Sua pelagem é curta e a pele bem ajustada ao corpo, tem senso de higiene e é de fácil manejo. Sua cor
é basicamente negra com marcas marrons ou todo marrom. Tem olhos cor de mel ou
castanhos claros.
Na minha fazenda sempre
criei muitos Dobermans. Participei de concursos da raça e ganhei muitos
prêmios. Sempre tive um plantel invejável desses cães tão especiais. Muitos dele
foram campeões, pois além de muito inteligentes eram amestrados.
Alberico era um amigo e
vizinho da minha fazenda na antiga gleba do Burareiro, seringal 70, no município de Theobroma, em Rondônia. Vivia com a mulher Marta e a filha Estelinha, de 10
anos. Quando ia me visitar ficava encantado com meus Dobermans. A Estelinha
brincava horas a fio com os filhotes que mamavam e se rolavam na grama. A Marta
entretando tinha certa reserva e procurava se manter a distância dos animais,
pois dizia que não confiava neles.
Argus era um filhote
Doberman negro de 3 meses, o maior macho
da ninhada que nascera recentemente. Tinha porte de campeão, pois seu
cruzamento era puro, tinha pedegree dos
melhores da região. Alberico ao ver o animal, disse-me que gostaria de
comprá-lo, pois sua filha Estelinha faria aniversário naquele mês e o levaria
de presente para ela. Mesmo eu argumentando que sua mulher Marta poderia não
gostar do presente, Alberico insistiu e acabei cedendo. Não lhe vendi o filhote,
mas dei-o recomendando-lhe que também era um presente meu. O Argus cresceu e
ficou adulto, musculoso, pelo negro macio e brilhante, com um porte digno de um
espécime campeão da raça. Era dócil, obediente, e passava horas brincando e
correndo com a Estelinha. Mesmo assim, sua mãe Marta mantinha reserva e tinha
preocupações com aquele cão. Já ouvira estórias de ataques a crianças da
própria família. Não foi atoa que essa raça fora escolhida pelo próprio Hitler
para auxiliar a GESTAPO a trucidar judeus nos campos de concentração
durante a Segunda Guerra Mundial – dizia.
-- Não é
bem assim, Marta – argumentava
Alberico. O Doberman sempre foi um cão
injustiçado por essas estórias fantasiosas e infames. Acho que por causa de seu
porte elegante, sempre alerta, veloz e ágil, muitas estórias e mitos foram
criados para desacreditar a raça como um verdadeiro cão de guarda. E muitas dessas estórias o
colocam como assassino, traiçoeiro e carniceiro. Mas tenho certeza que nada
disso é verdadeiro. O Doberman é vai continuar sendo o cão ideal tanto para
companhia como para guarda, por todo o conjunto físico e o bom caráter que
possui. Veja o nosso Argus, não existe cão melhor que ele! Acompanha-me pra
onde eu vou, brinca com nossa filha, deita-se aonde estamos, não perturba com
latidos desnecessários e guarda nossa casa dia e noite. Seu porte e aspecto
chega mesmo a desencorajar qualquer ladrão ou bandido que de nós se aproxime.
Quando chego em casa ele me espera no portão, sempre alerta para qualquer
movimentação estranha que possa acontecer. Recebe-me com carinho, quase em pé,
deita sua cabeça no parapeito da janela para que eu possa acariciar seu
pescoço. Enfim, acho que temos o cão ideal!
-- Não sei
não!... dizia a desconfiada Marta.
Certa noite chuvosa, Alberico foi
acordado altas horas da madrugada, com o gemido de sua esposa que, com febre
alta, sentia muitas dores no abdome e tinha náuseas e vômitos. Não sabia de que
se tratava, mas de uma coisa tinha certeza: precisava urgente levá-la para o hospital.
E foi o que fez. Colocou-a em seu carro, as pressas e saiu rumo ao hospital,
porém antes deu uma olhada no quarto de sua filha que dormia tranquilamente.
Não quis acordá-la, porém deixou que o Argus entrasse e ficasse ao lado da sua
cama. Na emergência do hospital, o médico diagnosticou apendicite aguda
supurada. Pecisava operá-la imediatamente. Não podia esperar nem mais um
minuto, pois a vida de Marta corria serio perigo. Levada para o Centro Cirúrgico,
foi operada em caráter de urgência. Quando o cirurgião abriu o abdome, havia
grande quantidade de pus que extravazara do apêndice supurado. Alberico ainda
atordoado, ficou no corredor do centro cirúrgico andando de um lado para outro, esperando o término da
cirurgia. Finalmente sua esposa foi levada para o leito hospitalar onde deveria
permanecer em observação. Estava ainda sob o efeito da anestesia. Alberico foi
então informado pelo ciurgião de que a cirurgia transcorrera dentro do
esperado, porém era preciso que sua esposa ficasse internada, sem previsão para
ter alta, dependendo da evolução no pós-operatório. Alberico então resolveu que
voltaria para casa, pois já era bem tarde, quase noite. Ao chegar, estacionou
sua Hillux na garagem e entrou na casa. Achou estranho que a porta estivesse
aberta, apenas encostada. Mas, com a pressa que saíra, talvez tivesse esquecido
de passar a chave. Na sequência, o Argus lhe apareceu com a boca e o focinho
tudo sujo de sangue. Desesperado, lembrou-se da desconfiança de sua esposa e o
que se passou foi extremamente rápido. O Argus teria atacado covardemente
sua filha. Num ato reflexo, puxou sua pistola e atirou duas vezes no
cão, que caiu num latido final de dor. Alberico ainda com a arma em punho
correu e adentrou no quarto de sua filha. O que viu o chocou ainda mais: um homem estendido no chão com um capuz
parcialmente estraçalhado ao lado de sua cabeça, com o pescoço todo furado e
dilacerado. Correu para o banheiro de onde ouviu o choro de sua filha.
Estelinha estava escondida atrás da porta, sentada no chão, soluçando e
chorando muito, sem conseguir falar. Percebendo o que acontecera, Alberico
volta desesperado até a sala onde o seu cão dava os últimos suspiros, banhado
de sangue.
-- Argus,
Argus! – gritava ele com toda a força de sua voz.
O doberman ainda balançou o côto do seu
rabinho antes de morrer.
PVH-RO, 03/09/13
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